Mundo sem voz e sem olhar

“Da câmara de eco digital, na qual se ouve sobretudo a si mesmo falar, desaparece, cada vez mais, a voz do outro. Hoje, o mundo é, por causa da ausência do outro, menos dotado de voz. Em oposição ao tu, o isso não tem voz. Do isso não parte nem uma alocução, nem uma vista. O desvanecimento do de frente faz do mundo sem voz e sem olhar.”

HAN, Byung-Chul.A expulsão do outro: Sociedade, percepção e comunicação hoje. Ed. Vozes, 2022, Local 914.

Voz

Olhar repressivo

“Por causa da falta do olhar repressivo, surge – e isso é uma distinção decisiva em relação à estratégia de vigilância da sociedade disciplinar – um sentimento enganoso de liberdade. Os prisioneiros do panóptico digital não se sentem vistos; ou seja, vigiados. Assim, eles se sentem livres e se expõem voluntariamente. O panóptico digital não limita a liberdade, mas a explora.”

HAN, Byung-Chul.A expulsão do outro: Sociedade, percepção e comunicação hoje. Ed. Vozes, 2022, Local 783.

Olhar

A fotografia digital é hiper-real

“A possibilidade de pós-processamento digital enfraquece a ligação com o referente. Ela torna impossível a devoção à realidade. Dissociada da referência, a fotografia se torna autorreferencial. A inteligência artificial gera uma nova realidade ampliada que não existe, uma hiper-realidade que não tem mais correspondência com a realidade, com o verdadeiro referente. A fotografia digital é hiper-real.”

HAN, Byung-Chul. Não coisas: Reviravoltas do mundo da vida. Ed. Vozes, 2021, Local 556.

Selfies

As tribos digitais

“As tribos digitais tornam possível uma experiência forte de identidade e pertencimento. Para elas, informações não constituem uma fonte de saber, mas de identidade. Teorias da conspiração são particularmente adequadas para a formação do biótopo tribal na rede, pois tornam possíveis demarcações e segregações constitutivas para o tribalismo e sua política de identidade.

As tribos digitais se isolam ao selecionar informações desde si e ao implantá-las para sua política de identidade. Ao contrário da tese da Bubble Filter, são confrontadas completamente em suas infobolhas com fatos e dados que contradizem sua convicção. Mas eles são simplesmente ignorados, pois não se adequam à narrativa que gera a identidade, pois renunciar às convicções seria perder a identidade, o que é preciso evitar a qualquer custo. Assim, os coletivos tribais identitários denegam todo e qualquer discurso, todo e qualquer diálogo. A conciliação não é mais possível. A opinião externada por eles não é discursiva, mas sagrada, pois ela coincide completamente com a identidade que lhes é impossível renunciar.

O discurso é um ato comunicativo que tenta obter um entendimento face às diferentes reivindicações de validade. É realizado com argumentos, com os quais as reivindicações de validade são fundamentadas ou refutadas. A racionalidade inerente ao discurso se chama racionalidade comunicativa. A reivindicação de validade das tribos digitais entendidas como coletivos de identidade não é discursiva, mas absoluta, pois lhe falta a racionalidade comunicativa.”

HAN, Byung-Chul. Infocracia: Digitalização e a crise da democracia. Ed. Vozes, 2022, Local 503-515.

O fim da ação comunicativa