O primeiro a associar o tarô e a cabala

“Portanto, Eliphas Lévi foi o primeiro a associar o tarô e a cabala. Antes de continuarmos, voltemos um pouco à definição de cabala. Em sua origem, o termo deriva do hebraico qabbala, que significa “tradição transmitida”. Ele remonta a dois textos principais: O Livro do Iluminação ou Sefer ha-Bahir, também chamado de O Bahir (as primeiras citações remontam ao último terço do século XII), e O Livro do Esplendor ou Sefer ha-Zohar, popularmente chamado de O Zohar, obra em parte de Moisés de Leão, que data do último quarto do século XIII. (…)Se quisermos dar uma definição simples da cabala, podemos dizer que ela trata da natureza de Deus e das emanações divinas.

No século XV, os humanistas cristãos integraram o hebraico a seus estudos em busca das fontes originais. Também buscaram uma compreensão mais aprofundada do Antigo Testamento. Foi Pico della Mirandola (1463-1494) quem lançou esse movimento de estudos da cabala, logo chamada de “cabala cristã”. (…) Segundo a cabala, o mundo foi criado com dez algarismos e 22 letras, as 22 letras sagradas do alfabeto hebraico. Dai a fazê-las corresponder aos 22 arcanos do tarô foi apenas um passo. Pode parecer curioso que esse passo só tenha sido dado em 1856 por Eliphas Lévi.”

NADOLNY, Isabelle. História do TarôUm estudo completo sobre suas origens, iconografia e simbolismo. Ed. Pensamento, 2022, pág. 182.

Éliphas Lévi, o tarô e a cabala

“Éliphas Lévi, cujo verdadeiro nome era Alphonse-Louis Constant (1810-1875), é o principal autor da tradição esotérica do tarô. De fato, foi ele quem fez do tarô um objeto do ocultismo.

(…) o termo “ocultismo” surgiu apenas em 1842 no Dictionnaire des mots nouveaux [Dicionário de Palavras Novas], de Jean-Baptiste Richard de Radonvilliers. Isso significa que é um conceito recente. Por muito tempo indiferenciado do termo “esoterismo” (surgido em 1828), ele poderia ser definido como uma corrente de pensamento, cujo principal objetivo seria dar vida nova às antigas iniciações, aos antigos conhecimentos (dos egípcios, dos hebreus…), para além das rupturas históricas e como reação a uma modernidade racionalista e materialista.

No entanto, com Éliphas Lévi, ela assume plenamente seu sentido e se realiza. Na verdade, Lévi pode ser designado como um dos fundadores do movimento ocultista francês. Mais tarde, Papus e outros autores o transformam em um conjunto complexo e elaborado, no qual alquimia, astrologia, hermetismo, cabala e tarô se misturam. Esse movimento, que atinge seu pleno desenvolvimento nos anos 1880, também se ancora na sociedade da época, marcada pelo romantismo, pelo socialismo, pelo feminismo, pelo espiritismo, pelo iluminismo etc.

(…) diante das visões tradicionais – materialismo, catolicismo -, o século XIX assiste a uma profusão de pensamentos, textos ou ainda movimentos e grupos novos em todas as áreas – ciências, política, arte, literatura e religião. Nunca se viram tantas ideias, igrejas, correntes artísticas ou partidos políticos novos. Sem dúvida, nossos ocultistas, que sonham em formar um mundo novo, em conformidade com as sabedorias ancestrais, encontram seu lugar nesse movimento. (…) Ex-eclesiástico que deixou a Igreja quando se apaixonou, em 1836 (no seminário estudou hebraico, grego e latim), Lévi encarna muito bem todas essas tendências que parecem contraditórias: inspirado por seu amor por Flora Tristan, dedica toda a sua vida ao feminismo e ao socialismo (nessa época chamado de “igualitarismo”), o que não o impede de se tornar um fervoroso ocultista a partir de 1854. Nessa data, refugia-se em Londres, após o naufrágio de seu segundo casamento e de várias prisões em razão de textos considerados escandalosos (…)”

NADOLNY, Isabelle. História do TarôUm estudo completo sobre suas origens, iconografia e simbolismo. Ed. Pensamento, 2022, pág. 180-181.

O livro Sagrado

“Na realidade, talvez o usuário que o anotou tenha seguido as instruções do cartomante, que recomendava a numeração e a nomeação de qualquer conjunto de 78 pedaços de papelão, fossem eles tarôs ou fragmentos recortados. Porém, em seguida, as menções à interpretação parecem ter seguido mais a inspiração de quem as escreveu. Também é possível ver que elas predominam nas imagens, que, de resto, parecem receber pouca consideração. Estamos muito distantes do apego contemporâneo à máxima “autenticidade” das imagens.

Esse tarô com menções divinatórias é uma raridade. Na realidade, durante todo o século XIX, o tarô seguiu um caminho diferente daquele da cartomancia: os ocultistas se apropriaram dele e escreveram muito a seu respeito. Transformado em livro sagrado,detentor de uma verdade oculta, foi com essa nova identidade que, em seguida, ele se voltou para as práticas divinatórias. O primeiro autor a tratar o tarô desse modo no século XIX foi Éliphas Lévi.”

NADOLNY, Isabelle. História do TarôUm estudo completo sobre suas origens, iconografia e simbolismo. Ed. Pensamento, 2022, pág. 178.

Primeiras aparições do tarô de Marselha

“Posteriormente, vários autores que estudaram o tarô nos círculos ocultistas do século XIX retomariam esse termo, que tampouco se mostrou evidente para eles de imediato. Desse modo em sua Histoire de la magie, publicada em 1860, Éliphas Levi, que desempenhou um papel importante na história do Tarô divinatório, evoca “tarôs italianos”. Papus outro ocultista importante nessa história, foi quem deu prioridade ao “Tarô de Marselha” em seu influente livro Le Tarot des Bohémiens [O Tarô dos Boêmios] (1889) “Indiscutivelmente, o Tarô Italiano, o de Besançon e o de Marselha são os melhores que temos hoje, sobre tudo o último, que reproduz muito bem o tarô simbólico primitivo”.

NADOLNY, Isabelle. História do TarôUm estudo completo sobre suas origens, iconografia e simbolismo. Ed. Pensamento, 2022, pág. 122.