“Seja feliz é a nova fórmula da dominação. A positividade da felicidade reprime a negatividade da dor. Como capital positivo, a felicidade deve garantir uma capacidade para o desempenho ininterrupta. Automotivação e auto-otimização fazem o dispositivo de felicidade neoliberal muito eficiente, pois a dominação se exerce sem nenhum grande esforço. O submetido nem sequer tem consciência de sua submissão. Ele se supõe livre. Sem qualquer coação estranha, ele explora a si mesmo, crente de que, desse modo, ele se concretiza. A liberdade não é reprimida, mas explorada. Seja livre produz uma coação que é mais dominante do que seja obediente.
Também a vigilância adquire uma forma smart. Somos permanentemente requeridos a comunicar nossas carências, desejos e preferências e a narrar a nossa vida. Comunicação total e vigilância total, exposição pornográfica e vigilância panóptica coincidem. Liberdade e vigilância se tornam indistinguíveis.
O dispositivo de felicidade neoliberal nos distrai do sistema de dominação [Herrschaftszusammenhang] existente ao nos obrigar apenas à introspecção da alma. Ele cuida para que cada um se ocupe apenas ainda consigo mesmo, com a sua própria psyché, em vez de interrogar criticamente as relações sociais. O sofrimento pelo qual a sociedade seria responsável é privatizado e psicologizado. Devem se melhorar não as condições sociais, mas sim as da alma. A demanda pela otimização da alma, que, na realidade, obriga a uma adequação às relações de dominação, oculta misérias sociais. Assim, a psicologia positiva sela o fim da revolução. Não revolucionários, mas treinadores de motivação tomam o palco, e cuidam para que não surja nenhum descontentamento [Unmut], sim, nenhuma raiva (…)
Analgésicos, prescritos em massa, ocultam relações sociais que levam à dor. A medicalização e a farmacologização exclusiva da dor impedem que ela se torne fala, sim, crítica. Elas tiram da dor o caráter objetivo, o caráter social.
O dispositivo de felicidade individualiza o ser humano e leva à despolitização e à dessolidarização da sociedade. Cada um tem de cuidar da própria felicidade. Ela se torna um assunto privado. Também o sofrimento é interpretado como resultado do próprio fracasso. Assim há, em vez de revolução, depressão.
Enquanto buscamos curar nossa própria alma, perdemos de vista os contextos sociais que levam a rejeições sociais. Se medos e incertezas nos assolam, responsabilizamos não a sociedade, mas nós mesmos por isso. O fermento da revolução é, porém, a dor sentida em comum. O dispositivo de felicidade neoliberal a sufoca no [seu] germe. A sociedade paliativa despolitiza a dor ao medicalizá-la e privatizá-la. É oprimida e reprimida, assim, também a dimensão social da dor. Nenhum protesto parte daquelas dores crônicas que podem ser interpretadas como fenômenos da sociedade do cansaço. O cansaço na sociedade do desempenho neoliberal é não político porque representa um cansaço-do-Eu [Ich-Müdigkeit]. Ele é um sintoma do sujeito do desempenho sobrecarregado e narcísico. Ele individualiza as pessoas, em vez de ligá-las em um Nós. Ele deve ser distinguido daquele cansaço-do-Nós [Wir-Müdigkeit], que promove a comunidade. O cansaço-do-Eu é a melhor profilaxia contra a revolução.
O dispositivo de felicidade neoliberal coisifica a felicidade. A felicidade é mais do que a soma de sentimentos positivos que prometem um desempenho mais elevado. Ela se furta à lógica da otimização. Inere a ela uma negatividade. A verdadeira felicidade só é possível rompida [gebrochen]. É justamente a dor que protege a felicidade da coisificação. E ela lhe concede uma duração. A dor carrega a felicidade. A felicidade dolorosa não é um oxímoro. Toda intensidade é dolorosa.
Quem não é receptível à dor se fecha à felicidade profunda (…)”
HAN, Byung-Chul. Sociedade paliativa: A dor hoje. Ed. Vozes, 2021, Local, 206-254.
Coação à Felicidade