Flagelo Romano

“O pretório (sala de julgamento) era o local onde o pretor exercia sua função, sobre o pavimento da fortaleza romana de Antônia, localizada na “mais alta das colinas” (Flávio Josefo, A Guerra Judaíca).

(…)

Um castigo brutal e desumano, executado pelos soldados romanos, que usavam um dos mais terríveis instrumentos da época, chamado ou, nas palavras de Horácio, “o horrível flagelo”. A flagelação era um procedimento normal entre os romanos antes da crucificação. Muitos acham que no açoitamento era usado um chicote comum. De certa forma isso é correto, mas seria como comparar um choque elétrico a um raio. O flagrum era confeccionado de várias formas, sendo que a mais corriqueira era a de um chicote de couro com três ou até mais extremidades também de couro, com bolinhas de metal, ossos de carneiro (astragals) e outros objetos pendurados ao final de cada uma (Figura 2-1). Esse tipo de flagrum é o mais compatível com as descobertas relativas ao Sudário.

Figura:  2-1

O Flagrum romano. Extremidades de couro com pesos de metal em forma de haltere. Compare o formato desses pesos com as marcas de açoitamento no Sudário, na figura 2-4.

(…)

Os romanos não tinham nenhuma lei que regulamentasse o número de golpes que poderiam ser aplicados. Em compensação, era contra a Lei Mosaica exceder 40 chibatadas, e 39 era um número usualmente aplicado para estar de acordo com a lei.

A ordem de Pilatos para que Jesus fosse açoitado de forma tão extrema foi baseada em seu desejo de aplacar a multidão, pois tinha medo de que a massa o denunciasse ao imperador ou que se iniciasse uma revolução.

(…)

(…) a vitima era despida e presa pelos pulsos a um objeto fixo, com uma coluna rebaixada, forçando-a a ficar curvada, o que facilitava trabalho do carrasco. (…)  O soldado ficava de pé ao lado da prisioneiro com o flagrum na mão e, ao receber a ordem, lançava o instrumento de couro para trás das costas, girava o pulso e golpeava as costas nuas do prisioneiro como se fosse um arco. (…)  Os pedaços de metal penetravam na carne, rasgando vasos sanguíneos, nervos, músculos e pele.

Figura: 2-4

Marcas de Flagelação na parte de trás do Sudário de Turim. Relativamente bem definidas, elas correspondem aos objetos em forma de haltere do flagrum (Cortesia de Barrie Schwortz).

Você já recebeu um golpe na costela, como um soco ou uma bolada de beisebol? (…) A respiração se toma superficial, já que uma inspiração profunda provoca dor. A isso se chama tensão nos músculos.

Depois do açoitamento, aparecem no corpo da vítima enormes feridas (com matizes de preto, azul e vermelho), lacerações, arranhões e inchaço, basicamente ao redor das perfurações feitas pelo peso dos objetos ou scorpiones. (…) As vítimas esperneavam, se contorciam em agonia, caindo de joelhos, mas eram forçadas a se levantar novamente, até não poder mais. A respiração do açoitado era severamente afetada, porque os golpes no peito causavam dores excruciantes toda vez que ele tentava recuperar o fôlego. Os músculos intercostais, entre as costas e os músculos do peito, apresentavam hemorragia, e os pulmões eram lacerados, frequentemente colapsados – todos esses fatores impunham à vítima extrema dor quando tentava respirar.

(…)

Períodos de intensa transpiração ocorriam intermitentemente. A vítima era reduzida a uma massa de carne, exaurida e destroçada, ansiando por água. A flagelação levou Jesus um prematuro estado de choque. Nas horas seguintes, houve um vagaroso acúmulo de fluido (efusão pleural) ao redor de Seus pulmões, causando dificuldades na respiração.”

ZUGIBE, M.D, Ph.D. Frederick T.  A Crucificação de Jesus: As Conclusões surpreendentes sobre a morte de Cristo na visão de um investigador criminal. São Paulo: MATRIX, 2008, pág. 32-36.

 

Sofrimentos Preliminares

“A) GENERALIDADES

(…) OS traumatismos produzem na pele lesões diversas, cujos vestígios no Santo Sudário diferem notavelmente segundo sua natureza profundidade.

(…)

B) SEVÍCIAS DA NOITE E DO PRETÓRIO

Sobre o rosto se encontram escoriações um pouco por toda a parte, mas sobretudo do lado direito, que está também deformado, como se, sob as esfoladuras sangrentas, houvesse também hematomas. As duas arcadas superciliares apresentar aquelas chagas contusas, que tão bem conhecemos, e que se fazem de dentro para fora, sob a influência de um soco ou paulada; os ossos da arcada cortar a pele pelo lado interno.

Mas a lesão mais evidente é uma grande escoriação de forma triangular na região suborbitária direita. A base tem dois centímetros, a ponta se dirige para cima e para dentro, para atingir outra zona escoriada no nariz entre o terço médio e o superior. Neste nível o nariz e está deformado por uma fratura da cartilagem dorsal, bem perto de sua inserção no osso nasal, que ficou intacto.

C) FLAGELAÇÃO

Já conhecemos o instrumento de suplício, o “flagrum” romano, cujas correias levavam a uma certa distância das pontas duas bolas de chumbo ou dois ossinhos, “talus” de carneiro. Seus vestígios se encontram com abundância no Sudário, e aparecem distribuídos por todo o corpo, das espáduas até as pernas. A maioria está na parte posterior, indício de que Jesus estava amarrado com o rosto contra a coluna e as mãos amarradas no alto, pois não ficaram vestígios nos antebraços, que de resto estão bem nítidos no Sudário. Não teriam deixado de receber alguns golpes se estivessem amarrados embaixo. Encontram-se também, e bem numerosos, sobre o peito.

Convém acrescentar que só deixaram marca de si os golpes que produziram escoriação ou chaga contusa. Todos os que não provocaram senão equimoses não deixaram vestígios na Mortalha. Contê-lo mais de 100, talvez 120, o que perfaz, se é que havia duas correia cerca de 60 golpes, sem contar os que não deixaram marca.

(…)

Estão quase todas dispostas em pares paralelos, o que faz supor duas correias em cada “flagrum”.

Acrescentaremos ainda que Jesus estava inteiramente nu, Pois vemos este tipo de chagas, em forma de haltere, em toda a região pelviana, tão profundas como no resto do corpo, o que não teria acontecido se estivesse coberta pelo “subligaculum”.

Por fim, notemos que os carrascos deviam ter sido dois e que eram de estatura diferente, uma vez que a obliquidade dos golpes no é a mesma dos dois lados.

D) COROAÇÃO DE ESPINHOS

Lucas não fala da coroação. Marcos escreve: “Peritithéasin autõ plléxantes akanthinon stéphanon – Cingiram-no com uma coroa de espinhos que tinham acabado de tecer” (15,17). Mas não indica com isto a forma; Mateus e João são mais explícitos: “Pléxantes stéphanon ex akathõn, epéthekan epi tês kephalês autou-Tendo tecido uma coroa de espinhos, colocaram-na sobre a cabeça dele” (27,29).

São Vicente de Lérins (Sermo in Parasceve) escreverá mais tarde: Impuseram-lhe na cabeça uma coroa de espinhos, que era à maneira de ‘pileus’ (= carapuça, gorro), de sorte que por todos os lados lhe cobria e tocava a cabeça. E acrescenta que produzira essa carapuça 70 ferimentos. -O “pileus’ era, entre os romanos, uma espécie de gorro semioval, de feltro, que envolvia a cabeça e servia principalmente para o trabalho.

(…) a coroa era uma espécie de gorro, formado de ramos espinhosos entrelaçados, e não um anel.

Admite-se, geralmente, que pertencem a um arbusto de espinhos comum na Judeia, o Zizyphus Spina Christi”, uma espécie de açofeifeira (árvore da família das ramnáceas, também conhecida por jujubeira). (…) O couro cabeludo sangra muito e com facilidade; como este chapéu foi enterrado a pauladas, os ferimentos produzidos devem ter feito correr bastante sangue.

(…) Ora essa coroa não tem espinhos, é um simples círculo de juncos trançados. Mas tudo se explica perfeitamente, pois foi com esses juncos que os soldados, depois de terem aplicado o chapéu de espinhos na cabeça de Jesus, o fixaram, apertando-o na frente e na nuca.

(…)

O sangue foi obrigado a se acumular aí, lentamente, onde se pôde coagular com todo vagar, de onde a extensão em largura, o crescimento em altura e o aumento em espessura do coágulo.

Há ali um obstáculo, que está evidentemente na região onde o feixe de juncos cingia a parte inferior da testa, por cima das arcadas das sobrancelhas. Uma das hastes de junco estava transversalmente comprimida sobre a pele da testa: há ali faixa horizontal, sem coágulos, em toda a extensão da testa; à direita e à esquerda para os = lados, dois coágulos se detêm, nitidamente, no mesmo nível e bem se pode seguir em seu conjunto o trajeto da faixa.”

BARBET, Pierre. A Paixão de Cristo, segundo o cirurgião. São Paulo: Edições Loyola, 2014, pág. 97-103.

 

Modalidades da Crucifixão

“C) MODALIDADES DA CRUCIFIXÃO

(…)

1°) Flagelação preliminar – Todo o condenado à morte devia ser, por lei, flagelado preliminarmente, quer fosse a execução feita pela cruz quer de outro modo: decapitação (Tito Lívio) ou fogo (Flávio José). Dela estavam isentos, segundo Mommsen, somente os senadores, os soldados e as mulheres que gozassem do direito de cidadania.

(…)

Esta flagelação, que primitivamente era aplicada sobre a cruz, passou, com o tempo, a ser aplicada no próprio local do tribunal. O condenado era ali atado a uma coluna (provavelmente com as mãos amarradas por sobre a cabeça. É a melhor maneira de imobilizar o condenado que não repousa senão sobre as pontas dos pés).

(…)

Despia-se o condenado para a flagelação. Era nu e flagelado que encetava sua marcha para o suplício, carregando seu patíbulo (Valério Máximo, Cícero).

(…) a flagelação necessitava o “flagrum”, instrumento especificamente romano. Compunha-se de um cabo curto ao qual estavam fixados grossos e compridos látegos, geralmente dois. A pequena distância de sua extremidade livre, estavam inseridas pequenas esferas de chumbo ou ossos de carneiro “tali”, como os que serviam para jogar “ossinhos”, que eram os astrágalos tirados das patas do carneiro.

Os látegos cortavam mais ou menos a pele, e as balas ou os ossinhos nela imprimiam profundas contusões. De onde se seguia uma hemorragia nada desprezível e um enfraquecimento considerável da resistência vital.

O número de golpes com o açoite era, segundo o direito judeu, rigorosamente limitado a 40. (…) Entre os romanos, a lei não conhecia outro limite senão a necessidade de não matar o condenado sob os golpes; era ainda necessário que ficasse com forças suficientes para carregar seu patíbulo e que morresse sobre a cruz (…)

2°) Carregamento da cruz – Portanto, o prévia e devidamente flagelado, fazia a pé, sem roupas e carregando seu patíbulo, o trajeto do tribunal ao local do suplício (…)

(…)  se encontra a expressão “patibulum ferre- carregar ou levar o patíbulo”. (…) O patíbulo era colocado sobre as espáduas e braços estendidos transversalmente, e em seguida amarrado nas mãos, braços e peito. Era, portanto, só o patíbulo que o condenado carregava.

(…)

O patíbulo sozinho devia pesar cerca de 50 quilos, e a cruz inteira devia ultrapassar os cem quilos. (…) o que carregava a cruz era precedido pelo “titulus”, um pedaço de madeira sobre o qual estava escrito o nome do réu e o crime pelo qual fora condenado. O título era, depois, fixado sobre a cruz.

3°) Modo da crucifixão- (…) Se, porém, a crucifixão for feita com cravos, é necessário desamarrar o condenado e deitá-lo por terra com as espáduas sobre o patíbulo, puxar-lhe as mãos e cravá-las sobre as extremidades do patíbulo. Depois é que será levantado o réu já pregado no patíbulo, e este será enganchado no alto do “stipes” (ou haste vertical). Isto feito, nada mais resta, senão pregar-lhe os pés diretamente sobre o “stipes”.

4°) Guarda militar – Toda execução se devia fazer legalmente com um aparato inteiramente militar, sob as ordens de um centurião (…) O exército, que já se havia encarregado da flagelação, fornecida a escola para conduzir o condenado do tribunal ao lugar do suplício. Era ainda da escolta que se recrutavam os carrascos para a crucifixão. Devia, por fim, o exército regular fornecer uma guarda que velasse ao pé da cruz a fim de impedir que amigos viessem arrebatar o supliciados à cruz.

(…)

5°) Sepultura e insepulturaEm geral, os cadáveres ficavam na cruz para servir de pasto às aves e animais selvagens.

(…)

No entanto, os corpos podiam ser reclamados pelas famílias que quisessem assegurar-lhes uma sepultura decente, parece até que a lei facilitava sem dificuldades nem taxas esta última graça.

(…)

Assim pois, quando a família pedia o cadáver, o carrasco devia antes de tudo ferir o coração. Como geralmente o carrasco era um soldado, o golpe devia ser executado com a arma que tinha em mão, uma lança ou um dardo. Veremos que esse golpe no coração dado pelo lado direito do peito estava certamente bem estudado e conheci do como infalivelmente mortal, na esgrima dos exércitos romanos Dava, pois, toda segurança sobre a morte real do condenado… e, se fosse o caso, a provocaria.”

BARBET, Pierre. A Paixão de Cristo, segundo o cirurgião. São Paulo: Edições Loyola, 2014, pág. 58-64.