“C) MODALIDADES DA CRUCIFIXÃO
(…)
1°) Flagelação preliminar – Todo o condenado à morte devia ser, por lei, flagelado preliminarmente, quer fosse a execução feita pela cruz quer de outro modo: decapitação (Tito Lívio) ou fogo (Flávio José). Dela estavam isentos, segundo Mommsen, somente os senadores, os soldados e as mulheres que gozassem do direito de cidadania.
(…)
Esta flagelação, que primitivamente era aplicada sobre a cruz, passou, com o tempo, a ser aplicada no próprio local do tribunal. O condenado era ali atado a uma coluna (provavelmente com as mãos amarradas por sobre a cabeça. É a melhor maneira de imobilizar o condenado que não repousa senão sobre as pontas dos pés).
(…)
Despia-se o condenado para a flagelação. Era nu e flagelado que encetava sua marcha para o suplício, carregando seu patíbulo (Valério Máximo, Cícero).
(…) a flagelação necessitava o “flagrum”, instrumento especificamente romano. Compunha-se de um cabo curto ao qual estavam fixados grossos e compridos látegos, geralmente dois. A pequena distância de sua extremidade livre, estavam inseridas pequenas esferas de chumbo ou ossos de carneiro “tali”, como os que serviam para jogar “ossinhos”, que eram os astrágalos tirados das patas do carneiro.
Os látegos cortavam mais ou menos a pele, e as balas ou os ossinhos nela imprimiam profundas contusões. De onde se seguia uma hemorragia nada desprezível e um enfraquecimento considerável da resistência vital.
O número de golpes com o açoite era, segundo o direito judeu, rigorosamente limitado a 40. (…) Entre os romanos, a lei não conhecia outro limite senão a necessidade de não matar o condenado sob os golpes; era ainda necessário que ficasse com forças suficientes para carregar seu patíbulo e que morresse sobre a cruz (…)
2°) Carregamento da cruz – Portanto, o prévia e devidamente flagelado, fazia a pé, sem roupas e carregando seu patíbulo, o trajeto do tribunal ao local do suplício (…)
(…) se encontra a expressão “patibulum ferre- carregar ou levar o patíbulo”. (…) O patíbulo era colocado sobre as espáduas e braços estendidos transversalmente, e em seguida amarrado nas mãos, braços e peito. Era, portanto, só o patíbulo que o condenado carregava.
(…)
O patíbulo sozinho devia pesar cerca de 50 quilos, e a cruz inteira devia ultrapassar os cem quilos. (…) o que carregava a cruz era precedido pelo “titulus”, um pedaço de madeira sobre o qual estava escrito o nome do réu e o crime pelo qual fora condenado. O título era, depois, fixado sobre a cruz.
3°) Modo da crucifixão- (…) Se, porém, a crucifixão for feita com cravos, é necessário desamarrar o condenado e deitá-lo por terra com as espáduas sobre o patíbulo, puxar-lhe as mãos e cravá-las sobre as extremidades do patíbulo. Depois é que será levantado o réu já pregado no patíbulo, e este será enganchado no alto do “stipes” (ou haste vertical). Isto feito, nada mais resta, senão pregar-lhe os pés diretamente sobre o “stipes”.
4°) Guarda militar – Toda execução se devia fazer legalmente com um aparato inteiramente militar, sob as ordens de um centurião (…) O exército, que já se havia encarregado da flagelação, fornecida a escola para conduzir o condenado do tribunal ao lugar do suplício. Era ainda da escolta que se recrutavam os carrascos para a crucifixão. Devia, por fim, o exército regular fornecer uma guarda que velasse ao pé da cruz a fim de impedir que amigos viessem arrebatar o supliciados à cruz.
(…)
5°) Sepultura e insepultura – Em geral, os cadáveres ficavam na cruz para servir de pasto às aves e animais selvagens.
(…)
No entanto, os corpos podiam ser reclamados pelas famílias que quisessem assegurar-lhes uma sepultura decente, parece até que a lei facilitava sem dificuldades nem taxas esta última graça.
(…)
Assim pois, quando a família pedia o cadáver, o carrasco devia antes de tudo ferir o coração. Como geralmente o carrasco era um soldado, o golpe devia ser executado com a arma que tinha em mão, uma lança ou um dardo. Veremos que esse golpe no coração dado pelo lado direito do peito estava certamente bem estudado e conheci do como infalivelmente mortal, na esgrima dos exércitos romanos Dava, pois, toda segurança sobre a morte real do condenado… e, se fosse o caso, a provocaria.”
BARBET, Pierre. A Paixão de Cristo, segundo o cirurgião. São Paulo: Edições Loyola, 2014, pág. 58-64.