O processo da evolução cultural

“(…)desde tempos imemoriais, desenvolve-se na Humanidade o processo da evolução cultural. (Sei que outros preferem chamar-lhe «civilização».) A este processo devemos o melhor que de nós fizemos, e também uma boa parte do que sofremos. (…) As modificações psíquicas que acompanham a evolução cultural são notáveis e inequívocas. Consistem numa progressiva deslocação dos fins das pulsões e numa crescente restrição das tendências pulsionais.(…). Entre os carateres psicológicos da cultura, há dois que parecem ser os mais importantes: o fortalecimento do intelecto, que começa a dominar a vida pulsional, e a interiorização das tendências agressivas, com todas as suas consequências vantajosas e perigosas.

(…) tudo o que fomente a evolução cultural atua contra a guerra.”

FREUD, Sigmund. Porquê a Guerra? – Reflexões sobre o destino do mundo, Ed. Edições 70, 2019, pág.74-75.

Reflexões a dois sobre o destino do mundo (1932)

“Carta de Freud a Einstein”

Uma maneira de libertar os homens da guerra

“A proposta que me foi feita pela Sociedade das Nações e pelo seu Instituto Internacional de Cooperação Intelectual de Paris, de convidar uma pessoa de minha escolha para uma troca franca de opiniões sobre um problema qualquer também escolhido por mim, oferece-me a feliz oportunidade de dialogar consigo em torno de uma pergunta que parece, na presente condição do mundo, ser a mais urgente entre todas aquelas que se põem à civilização. A pergunta é: existe uma maneira de libertar os homens da fatalidade da guerra?

Penso também que aqueles a quem compete encarar o problema profissional e praticamente, tornam-se dia a dia mais conscientes da sua impotência, e têm hoje um vivo desejo de conhecer as opiniões de pessoas absorvidas pela pesquisa científica, as quais por isso mesmo estão em condições de observar os problemas do mundo om suficiente distanciamento. Quanto a mim, o objetivo para o qual se dirige habitualmente o meu pensamento não me ajuda a discernir os obscuros recessos da vontade e do sentimento humano.

Sendo imune a sentimentos nacionalistas, vejo pessoalmente uma maneira simples de enfrentar o aspeto exterior, isto é organizativo, do problema: os Estados criam uma autoridade legislativa e judicial com o mandato de conciliar todos os conflitos que surjam entre eles. Cada Estado assume a obrigação de respeitar os decretos desta autoridade, de invocar as suas decisões em cada contenda, de acatar sem reserva o seu julgamento e de pôr em prática todas as medidas que forem julgadas necessárias para fazer aplicar as próprias resoluções. (…)  Existe aqui uma realidade da qual não podemos prescindir: direito e força são inseparáveis e as decisões do direito aproximam-se da justiça, à qual aspira a comunidade em cujo nome e interesse são pronunciadas as sentenças, somente na medida em que essa comunidade tem o poder efetivo de impor o respeito do próprio ideal legalitário. (…) Chego assim ao meu primeiro axioma: a procura da segurança internacional implica que cada Estado renuncie incondicionalmente a uma parte da sua liberdade de ação, o que equivale a dizer à soberania (…)”

FREUD, Sigmund. Porquê a Guerra? – Reflexões sobre o destino do mundo, Ed. Edições 70, 2019, pág.59-60.

Reflexões a dois sobre o destino do mundo (1932)

“Carta de Einstein a Freud”

A guerra e os espíritos malignos em nós

“A guerra enlameou a nossa excelsa equanimidade científica, patenteou na sua crua nudez a nossa vida pulsional, soltou os espíritos malignos que em nós habitam e que supúnhamos definitivamente dominados pelos nossos impulsos mais nobres, graças a uma educação multissecular.”

FREUD, Sigmund. Porquê a Guerra? – Reflexões sobre o destino do mundo, Ed. Edições 70, 2019, pág.55.

Caducidade (1915)

Se queres conservar a paz, prepara-te para a guerra

“Recordamos a antiga sentença: Si vis pacem, para bellum. Se queres conservar a paz, prepara-te para a guerra. Se Seria oportuno modificá-la assim: Si vis vitam, para mortem. Se queres suportar a vida, prepara-te para a morte.”

FREUD, Sigmund. Porquê a Guerra? – Reflexões sobre o destino do mundo, Ed. Edições 70, 2019, pág.50.

Considerações atuais sobre a guerra e a morte (1915)
“A nossa atitude diante da morte”

Escassa moralidade

“Não se objete que o Estado não pode renunciar ao uso da injustiça, porque se colocaria assim em situação desvantajosa. Também para o indivíduo a adesão às normas morais, a renúncia ao emprego brutal do poder é, em geral, muito desvantajoso, e o Estado só raramente se mostra capaz de compensar o indivíduo pelo sacrificio que dele exigiu. Não há também que espantar-se de que o relaxamento de todas as relações morais entre os povos da humanidade tenha suscitado uma ressonância na moralidade dos indivíduos, pois a nossa consciência moral não é o juiz incorruptível que os moralistas supõem; na sua origem, é apenas «angústia social» e nada mais. Onde a comunidade se abstém de toda a reprovação, cessa também a opressão dos maus impulsos, e os homens cometem atos de crueldade, de malícia, de traição e brutalidade, cuja possibilidade se teria considerado incompatível com o seu nivel cultural.

Duas coisas suscitaram nesta guerra a nossa deceção: a escassa moralidade exterior dos Estados, que internamente se comportam como guardiões das normas morais, e a brutalidade do comportamento dos indivíduos, dos quais, como participantes na mais elevada civilização humana, não se esperara coisa semelhante.”


FREUD
, Sigmund. Porquê a Guerra? – Reflexões sobre o destino do mundo, Ed. Edições 70, 2019, pág. 30.

Considerações atuais sobre a guerra e a morte (1915)
“O desapontamento perante a morte”

Objetivos da guerra

“(…)a guerra, diz ele, «na forma que está destinada a assumir no futuro, por causa do aperfeiçoamento dos meios de destruição, significaria o extermínio de um, ou talvez de ambos os contendores». Se isto é verdade, as duas funções típicas da civilização – <<o reforço do intelecto» e «a interiorização da agressividade», que podem ser dirigidos a objetivos diferentes dos da guerra poderiam também encontrar, na qualidade modificada dos conflitos armados, o ponto de apoio para uma transformação da dialética inconsciente pela qual somos governados.”

FREUD, Sigmund. Porquê a Guerra? – Reflexões sobre o destino do mundo, Ed. Edições 70, 2019, pág.14.

Prefácio

Potência destruidora da morte

“A guerra tinha introduzido com força no campo visual de Freud a potência destruidora da morte, obrigando o indefeso explorador da psique a modificar o seu quadro de leitura do aparelho originário dos atos pulsionais, de maneira a tornar inteligíveis comportamentos individuais e coletivos que não era possível atribuir às pulsões da libido. O espectro das suas observações dilata-se até abarcar os grandes enigmas do mundo. A guerra, com as suas carnificinas mundiais, torna-se, aos seus olhos um apocalipse no sentido etimológico do termo, uma revelação da mentira construída em cada um de nós pela civilização.”

FREUD
, Sigmund. Porquê a Guerra? – Reflexões sobre o destino do mundo, Ed. Edições 70, 2019, pág.11.

Prefácio

Dar luz ao Espírito

“Isaías testifica esta verdade, dizendo: “O olho não viu, nem o ouvido ouviu, nem caiu em coração humano o que Deus reservou aos que o amam” (Is 64, 4). [1] Convém, portanto, à alma ficar primeiro no vazio e na pobreza do espírito, purificada de todo apoio, consolo ou percepção natural, a respeito de todas as coisas divinas e humanas; e assim vazia, seja verdadeiramente pobre de espírito, bem como despojada do homem velho, a fim de viver aquela nova e bem-aventurada vida que por meio desta noite se alcança, e que é o estado de união com Deus.

Além de tudo isto, a alma virá a ter um novo senso e conhecimento divino, muito abundante e saboroso, em todas as coisas divinas e humanas, que não pode ser encerrado no sentir comum e no modo de saber natural; porque então tudo verá com olhos bem diferentes de outrora, – diferença essa tão grande, como a que vai do sentido ao espírito.

Ao mesmo tempo a memória é também afastada de todo o conhecimento amorável e pacífico, experimentando interiormente uma espécie de estranheza e alheamento em todas as coisas, como se tudo lhe fosse diferente e de outra maneira do que costumava ser. Assim, pouco a pouco, vai esta noite tirando o espírito do seu modo ordinário e vulgar de sentir, e ao mesmo tempo elevando-o ao sentir divino, o qual é estranho e alheio de toda a maneira humana.

Todas estas aflitivas purificações do espírito sofre a alma para nascer de novo à vida do espírito, que se realiza por meio desta divina influência. Com estas dores vem a dar à luz o espírito de salvação, cumprindo-se a sentença de Isaías que diz: “Assim somos nós, Senhor, diante de tua face; concebemos, e sofremos as dores do parto, e demos à luz o espírito” (Is 26, 17-18).

Profunda é esta guerra e combate, porque há de ser também muito profunda a paz que a alma espera. E se a dor espiritual é íntima e penetrante, o amor que há de possuir a mesma alma será igualmente íntimo e apurado.

(…) o edifício será tanto mais firme quanto mais forte o fundamento.”

CRUZ, São João da. A noite escura da Alma. Editora Família Católica, 2018, versão Kindle, Posição: 1550-1600.

O tarô surgiu em tempos conturbados

“Na época em que o tarô surgiu, o norte da Itália vivia em um estado de guerra quase permanente. Desde o século XIII, suas cidades tiveram um grande desenvolvimento comercial, artístico e intelectual e se tornaram influentes, sendo governadas por famílias importantes ou por conselhos comunais. Essas cidades viviam em conflito pela defesa ou pela expansão de seus interesses, em um contexto europeu igualmente conturbado. Com a peste negra e a Guerra dos Cem Anos (que se encerrou em 1453), o Grande Cisma do Ocidente também dividiu a Europa em duas correntes rivais. De 1305 a 1378, o papado se instalou em Avignon, e a Itália deixou de ter papa. Em seguida, de 1378 a 1417, os papas de Avignon e de Roma travaram uma batalha impiedosa por legitimidade. Nesse momento, o sacerdócio lutava contra o Império: imperadores e papas disputavam para saber quem disporia do poder absoluto na Terra: se o soberano temporal ou o espiritual. No norte da Itália, esse conflito provocou as lutas entre guelfos, favoráveis ao papado, e gibelinos, favoráveis ao Império. Em 1454, a frágil Paz de Lodi oficializou na Itália o precário equilíbrio em que coabitavam o ducado de Milão, sob o governo da família Visconti-Sforza, a república de Florença, dirigida pelos Médici, a república de Veneza, o Estado Pontifício e o reino de Nápoles, governado pela família Aragão. Uma série de senhorias menores, repúblicas e comunas gravitavam ao redor das três grandes cidades, Veneza, Milão e Florença, e conseguiam manter-se independentes Mântua, nas mãos dos Gonzaga; Ferrara, Modena e Reggio, com a família Este; a república de Genova e as comunas de Lucca, Siena e Bolonha. Nesse contexto político particularmente sombrio, vale a pena observar um pouco mais de perto a vida e o reino de uma dessas famílias, na qual surgiu o tarô.”

NADOLNY, Isabelle. História do TarôUm estudo completo sobre suas origens, iconografia e simbolismo. Ed. Pensamento, 2022, pág. 77.

O documento que nos explica a origem das cartas

“(…) havia uma guerra entre o papa Urbano VI e o antipapa Clemente VII, na qual as duas partes se serviam de mercenários, entre os quais provavelmente se incluíam muçulmanos. Entre os fatos do cotidiano, a crônica relata: “No ano de 1379, foi levado a Viterbo por um sarraceno de nome Hayl o jogo de cartas originário do país dos sarracenos e por eles chamado de naib”. Seria esse, portanto, o documento que nos explica a origem das cartas de jogo?”

NADOLNY, Isabelle. História do Tarô. Um estudo completo sobre suas origens, iconografia e simbolismo. Ed. Pensamento, 2022, pág. 29.