“Isaías testifica esta verdade, dizendo: “O olho não viu, nem o ouvido ouviu, nem caiu em coração humano o que Deus reservou aos que o amam” (Is 64, 4). [1] Convém, portanto, à alma ficar primeiro no vazio e na pobreza do espírito, purificada de todo apoio, consolo ou percepção natural, a respeito de todas as coisas divinas e humanas; e assim vazia, seja verdadeiramente pobre de espírito, bem como despojada do homem velho, a fim de viver aquela nova e bem-aventurada vida que por meio desta noite se alcança, e que é o estado de união com Deus.
Além de tudo isto, a alma virá a ter um novo senso e conhecimento divino, muito abundante e saboroso, em todas as coisas divinas e humanas, que não pode ser encerrado no sentir comum e no modo de saber natural; porque então tudo verá com olhos bem diferentes de outrora, – diferença essa tão grande, como a que vai do sentido ao espírito.
Ao mesmo tempo a memória é também afastada de todo o conhecimento amorável e pacífico, experimentando interiormente uma espécie de estranheza e alheamento em todas as coisas, como se tudo lhe fosse diferente e de outra maneira do que costumava ser. Assim, pouco a pouco, vai esta noite tirando o espírito do seu modo ordinário e vulgar de sentir, e ao mesmo tempo elevando-o ao sentir divino, o qual é estranho e alheio de toda a maneira humana.
Todas estas aflitivas purificações do espírito sofre a alma para nascer de novo à vida do espírito, que se realiza por meio desta divina influência. Com estas dores vem a dar à luz o espírito de salvação, cumprindo-se a sentença de Isaías que diz: “Assim somos nós, Senhor, diante de tua face; concebemos, e sofremos as dores do parto, e demos à luz o espírito” (Is 26, 17-18).
Profunda é esta guerra e combate, porque há de ser também muito profunda a paz que a alma espera. E se a dor espiritual é íntima e penetrante, o amor que há de possuir a mesma alma será igualmente íntimo e apurado.
(…) o edifício será tanto mais firme quanto mais forte o fundamento.”
CRUZ, São João da. A noite escura da Alma. Editora Família Católica, 2018, versão Kindle, Posição: 1550-1600.