O descanso sabático

“Deus abençoou e sacralizou os sete dias. O descanso sabático confere à obra de criação uma consagração divina. Não é mera inatividade. Ao contrário, constitui uma parte essencial da criação. Em um de seus comentários ao Gênesis, Raschi nota, pois: “Após os sete dias da criação, o que faltava ainda à semana? A menucha [‘a inatividade’, ‘o descanso’].

O descanso sabático não é consequência da criação. Sem ele, a criação estaria incompleta. No sétimo dia, Deus não repousou pelo mero trabalho feito. O descanso é, ao contrário, sua essência. Ele completa a criação. É a essência da criação. Erramos, então, o divino, quando subordinamos o descanso ao trabalho.

O sabá é, para Franz Rosenzweig, uma “festa da criação”, uma “festa do descanso e da contemplação”, uma “festa da completude e perfeição”. No sabá pode-se sobretudo “descansar sua língua da tagarelice cotidiana” e se entregar à “escuta silenciosa da voz de Deus”[38]. O sabá exige o silêncio. Fechar a boca é o que vigora. A escuta silenciosa une as pessoas e cria uma comunidade sem comunicação: “apenas no silêncio se está unido, a palavra une, mas os unidos calam

(…)o silêncio em comum pode apenas ser a última coisa e tudo o que lhe precede é apenas a pré-escola desse último estágio. Nesse ensino, impera ainda a palavra. A própria palavra deve levar as pessoas a aprender o silêncio em comum.

O silêncio deixa escutar. Ele vem acompanhado de uma sensibilidade particular, de uma atenção profunda, contemplativa. A coação atual da comunicação faz com que não possamos fechar nem os olhos, nem a boca. Profana a vida.”

HAN, Byung-Chul.O desaparecimento dos rituais: Uma topologia do presente. Ed. Vozes, 2021, Local 538-556.

Festa e Religião

Gênio da inatividade

“(…)como já me ouvistes muitas vezes declarar por toda a parte, a encontrareis em algo divino e demoníaco que se dá comigo […]. Isso começou desde o meu tempo de menino, uma espécie de voz que só se manifesta para dissuadir-me do que eu esteja com intenção de praticar, nunca para levar-me a fazer alguma coisa. Isso é que se opõe a que me ocupe com política.”

A voz misteriosa do daimon diz: Pare! Ela impede Sócrates de agir. Ela é, claramente, um gênio da inatividade.

HAN, Byung-Chul. Vita Contemplativa, ou sobre a inatividade. Ed. Vozes, 2023, Local 1353.

O Pathos da ação

Contemplar e amar de Agostinho

“Em Agostinho, contemplar e amar se tornam uma e a mesma coisa. Apenas onde há amor o olho se abre (ubi amor, ibi oculus). Contemplar e louvar são formas da inatividade. Não perseguem nenhuma finalidade e não produzem nada.”

HAN, Byung-Chul. Vita Contemplativa, ou sobre a inatividade. Ed. Vozes, 2023, Local 976.

A Absoluta falta de ser

Reconciliação entre ser humano e natureza

“São os propósitos e os juízos humanos que destroem a continuidade do ser.

(…)
A reconciliação entre ser humano e natureza é o fim último da política da inatividade.”

HAN, Byung-Chul. Vita Contemplativa, ou sobre a inatividade. Ed. Vozes, 2023, Local 395-419.

Considerações sobre a inatividade

A dialética da inatividade

“A dialética da inatividade a transforma em um limiar, em uma zona de indeterminação que nos torna capazes de produzir algo que ainda não existia. Sem esse limiar, o igual se repete.”

HAN, Byung-Chul. Vita Contemplativa, ou sobre a inatividade. Ed. Vozes, 2023, Local 289.

Considerações sobre a inatividade

A inatividade não se opõe à atividade

“A inatividade não se opõe à atividade. Antes, a atividade se nutre da inatividade.

(…)

O tédio é o limiar de grandes feitos”. O tédio constitui o “lado externo do acontecimento inconsciente”. Sem ele, nada se sucede. O núcleo do novo não é a determinação para a ação, mas o acontecimento inconsciente.”

HAN, Byung-Chul. Vita Contemplativa, ou sobre a inatividade. Ed. Vozes, 2023, Local 282-284.

Considerações sobre a inatividade

O sono é um medium da verdade

“O sono é um medium da verdade. Apenas na inatividade divisamos a verdade. O sonho revela um mundo interior verdadeiro por trás das coisas do mundo exterior, que seriam apenas uma aparência. Aquele que sonha mergulha nas camadas mais profundas do ser.”

HAN, Byung-Chul. Vita Contemplativa, ou sobre a inatividade. Ed. Vozes, 2023, Local 162.

Considerações sobre a inatividade

Inatividade é jejum espiritual

“A inatividade é, como tal, um jejum espiritual. Por isso que dela decorre um efeito curativo. A obrigação de produzir transforma a inatividade em uma forma de atividade a fim de explorá-la. É assim que mesmo o sono passa a ser considerado uma atividade.”

HAN, Byung-Chul. Vita Contemplativa, ou sobre a inatividade. Ed. Vozes, 2023, Local 154.

Considerações sobre a inatividade