Tiragem por Papus

“A carta colocada no número 1 indica o começo: a colocada no número 2 indica o apogeu; a do número 3, os obstáculos, e a do número 4, a queda (aqui, sinônimo de conclusão). O arcano maior colocado em I indica o que influenciou o passado do caso, o colocado em II indica o que influi em seu presente. Por fim, o colocado em III corresponde ao que influenciará seu futuro e o determinará.”

NADOLNY, Isabelle. História do TarôUm estudo completo sobre suas origens, iconografia e simbolismo. Ed. Pensamento, 2022, pág. 188.

Papus

“Em 1889, Papus publica suas próprias teorias sobre o tarô em Le Tarot des Bohémiens [O Taró dos Boêmios], ilustrado por Oswald Wirth. (…) Papus, cujo verdadeiro nome era Gérard Encausse (1865-1916), foi um autor muito prolífico: deixou 260 títulos, dos quais os mais importantes são Traité élémentaire de science occulte [Tratado Elementar de Ciência Oculta] (1888) e Traité méthodique de science occulte [Tratado Metódico de Ciência Oculta] (1891). Tirou seu pseudonimo do Nuctemeron, livro secreto de Apolônio de Tiana, que Éliphas Lévi dizia possuir e reproduziu em seu Dogma e Ritual da Alta Magia: Papus era o gênio da medicina. Nosso autor o escolheu porque ele próprio se tornou médico em 1894. De resto, considerava o célebre curandeiro Nizier-Anthelme Philippe, vulgo Maître Philippe (1849-1905), como “seu mestre espiritual”. Papus também se identificava com Alexandre Saint-Yves d’Alveydre (1842-1909), um “mestre intelectual e ocultista eminente.

(…) ele publicou dois livros sobre o tarô: Le Tarot des Bohémiens [O Tarô dos Boêmios] (1889) e Le Tarot divinatoire [O Tarô Divinatório] (1909).”

NADOLNY, Isabelle. História do TarôUm estudo completo sobre suas origens, iconografia e simbolismo. Ed. Pensamento, 2022, pág. 186-187.

Primeiras aparições do tarô de Marselha

“Posteriormente, vários autores que estudaram o tarô nos círculos ocultistas do século XIX retomariam esse termo, que tampouco se mostrou evidente para eles de imediato. Desse modo em sua Histoire de la magie, publicada em 1860, Éliphas Levi, que desempenhou um papel importante na história do Tarô divinatório, evoca “tarôs italianos”. Papus outro ocultista importante nessa história, foi quem deu prioridade ao “Tarô de Marselha” em seu influente livro Le Tarot des Bohémiens [O Tarô dos Boêmios] (1889) “Indiscutivelmente, o Tarô Italiano, o de Besançon e o de Marselha são os melhores que temos hoje, sobre tudo o último, que reproduz muito bem o tarô simbólico primitivo”.

NADOLNY, Isabelle. História do TarôUm estudo completo sobre suas origens, iconografia e simbolismo. Ed. Pensamento, 2022, pág. 122.

Arcanos

“O termo também poderia derivar do italiano arrocco, verbo oriundo de uma expressão popular que evoca o ataque e é utilizada quando se ataca a torre no xadrez, por exemplo: ti arrocco ou t’arrocco, que significa “eu te ataco” ou “te obrigo a defender-te”. Portanto, “tarô” poderia muito bem provir de exclamações feitas pelos jogadores à mesa… Muito nos interessou uma menção que encontramos em um dicionário etimológico e que pode conduzir aos mesmos significados: “tarô”, termo do século XVI de origem obscura, viria do italiano tarocco, derivação de taroccare, que significa “enfurecer-se” e, por extensão, “responder com uma carta mais forte”.

(…)

De passagem, vale notar que os termos “arcanos maiores” e “arcanos menores” para designar as cartas do tarô são bem ulteriores. O vocábulo “arcano” foi utilizado pela primeira vez por Paul Christian (pseudonimo de Jean-Baptiste Pitois) para designar as cartas do tarô, inicialmente em seu Homme Rouge des Tuileries [Homem Vermelho das Tulherias] (1863), no qual descreve “lâminas de ouro”. O conteúdo de cada uma delas constituiria um arcano, ou seja, um segredo.

(…)

É provável que tenha sido Papus a introduzir a noção de arcanos maiores e menores, considerando estes últimos ao evocar o taro divinatório em 1909. “Arcano” vem do latim arcanum, que significa “segredo” e, originariamente, seria um termo da alquimia, recuperado aqui para designar as cartas do Tarô Divinatório. Quanto ao vocábulo “lâmina”, ele foi empregado pela primeira vez por Alliette: em suas obras, o autor descreve como os egípcios proferiam oráculos utilizando lâminas de ouro…”

NADOLNY, Isabelle. História do TarôUm estudo completo sobre suas origens, iconografia e simbolismo. Ed. Pensamento, 2022, pág. 99.

Retraçando a história

“Para tentarmos, então, retraçar a história dos símbolos do tarô, é absolutamente necessário aproximar-nos das épocas nas quais esses símbolos são apresentados nas cartas. Para encontrar os naipes das cartas no final da Idade Média, tentamos, por exemplo, procurá-los entre os brasões. Consultando Papus ou Éliphas Lévi, estamos entre os ocultistas do século XIX: ao tratarem dos símbolos do tarô, fazem-no de acordo com sua época, ou seja, um tempo bem distante daquele em que o tarô surgiu. Também podemos ressaltar que, para as pessoas no final da Idade Média, o símbolo não é irrelevante, ele faz parte da mentalidade da época, afinal, não há representação sem significado. Tudo na terra tem, necessariamente. uma correspondência no céu, e a dificuldade é encontrar qual correspondência existia para eles. Se o pedaço é dividido em dois para servir de sinal de reconhecimento, no que se refere ao tarô, muitas vezes esquecemos a segunda metade… e substituímos o termo “ignorância pelo termo “mistério”.

Assim, a espada, que de fato podemos considerar sem grandes riscos como um símbolo militar, designa, ao mesmo tempo, a arma destruidora ou a arma da justiça dos heróis e cavaleiros cristãos (ver Excalibur ou Durindana). Encontramos essa ambival~encia na Bíblia. Com efeito, a espada é associada aos três flagelos, a guerra, a peste e a fome e quantos desta cidade restarem da pestilência, da espada e da fome na mão de Nabucodonosor […] feri-los-á a fio de espada; não os poupará, não se compadecerá, nem terá misericórdia (Jeremias, XXI, 7); mas também é associada à justiça divina. Quando Deus expulsou Adão e Eva do Paraíso, “(Ele) colocou querubins ao oriente do Jardim do Éden e o refulgir de uma espada que se revolvia, para guardar o caminho da árvore da vida” (Gênesis, III, 24). Incontestavelmente, a copa está relacionada ao cristianismo e a seus mitos, seja o Santo Graal, seja, nas referências bíblicas, a Última Ceia de Cristo. Porém, no Antigo Testamento. também encontramos inúmeras referências com uma simbologia da copa que se aproxima do destino humano. O homem recebe seu destino de Deus como uma copa repleta de bênçãos ou maldições: “Fará chover sobre os perversos brasas de fogo e enxofre, e vento abrasador será a parte do seu cálice (Salmos, XI, 6). O bastão, por sua vez, pode evocar o dos peregrinos, o bastão de comando dos chefes guerreiros, que se tornou o cetro dos reis, ou o bastão dos mágicos (tanto a varinha de condão das fadas quanto a vassoura das bruxas), e associado à Bíblia de Moisés, que dele se serve para guiar o povo de Israel ou realizar milagres: “[…] ferirás a rocha, e dela sairá água, e o povo beberá (Exodo, XVII, 1-6). De maneira mais modesta, ele pode representar o porrete, arma dos mendigos. Desse modo, vemos o Louco do tarô de Visconti com uma aparência pobre e armado com um porrete.

Por fim, se o denário simboliza o dinheiro e, por extensão, os bens materiais, não é à toa que é citado com esse nome: antiga moeda romana igualmente mencionada na Bíblia (os trinta denários de Judas), tornou-se uma moeda francesa que valia a 240ª parte da libra (uma libra equivalia a quinhentos gramas de prata), e quase sinônimo de dinheiro (“o denário do culto, paguei com meus denários”). Não se associou esse emblema ao sol nem à libra, unidades monetárias que, no entanto, também eram utilizadas no final da Idade Média. Por serem muito citados nos textos, esses símbolos também se encontram nas imagens, que inevitavelmente acabam por influenciar as cartas.”

NADOLNY, Isabelle. História do Tarô. Um estudo completo sobre suas origens, iconografia e simbolismo. Ed. Pensamento, 2022, pág. 55-56.