“Para tentarmos, então, retraçar a história dos símbolos do tarô, é absolutamente necessário aproximar-nos das épocas nas quais esses símbolos são apresentados nas cartas. Para encontrar os naipes das cartas no final da Idade Média, tentamos, por exemplo, procurá-los entre os brasões. Consultando Papus ou Éliphas Lévi, estamos entre os ocultistas do século XIX: ao tratarem dos símbolos do tarô, fazem-no de acordo com sua época, ou seja, um tempo bem distante daquele em que o tarô surgiu. Também podemos ressaltar que, para as pessoas no final da Idade Média, o símbolo não é irrelevante, ele faz parte da mentalidade da época, afinal, não há representação sem significado. Tudo na terra tem, necessariamente. uma correspondência no céu, e a dificuldade é encontrar qual correspondência existia para eles. Se o pedaço é dividido em dois para servir de sinal de reconhecimento, no que se refere ao tarô, muitas vezes esquecemos a segunda metade… e substituímos o termo “ignorância pelo termo “mistério”.
Assim, a espada, que de fato podemos considerar sem grandes riscos como um símbolo militar, designa, ao mesmo tempo, a arma destruidora ou a arma da justiça dos heróis e cavaleiros cristãos (ver Excalibur ou Durindana). Encontramos essa ambival~encia na Bíblia. Com efeito, a espada é associada aos três flagelos, a guerra, a peste e a fome e quantos desta cidade restarem da pestilência, da espada e da fome na mão de Nabucodonosor […] feri-los-á a fio de espada; não os poupará, não se compadecerá, nem terá misericórdia (Jeremias, XXI, 7); mas também é associada à justiça divina. Quando Deus expulsou Adão e Eva do Paraíso, “(Ele) colocou querubins ao oriente do Jardim do Éden e o refulgir de uma espada que se revolvia, para guardar o caminho da árvore da vida” (Gênesis, III, 24). Incontestavelmente, a copa está relacionada ao cristianismo e a seus mitos, seja o Santo Graal, seja, nas referências bíblicas, a Última Ceia de Cristo. Porém, no Antigo Testamento. também encontramos inúmeras referências com uma simbologia da copa que se aproxima do destino humano. O homem recebe seu destino de Deus como uma copa repleta de bênçãos ou maldições: “Fará chover sobre os perversos brasas de fogo e enxofre, e vento abrasador será a parte do seu cálice (Salmos, XI, 6). O bastão, por sua vez, pode evocar o dos peregrinos, o bastão de comando dos chefes guerreiros, que se tornou o cetro dos reis, ou o bastão dos mágicos (tanto a varinha de condão das fadas quanto a vassoura das bruxas), e associado à Bíblia de Moisés, que dele se serve para guiar o povo de Israel ou realizar milagres: “[…] ferirás a rocha, e dela sairá água, e o povo beberá (Exodo, XVII, 1-6). De maneira mais modesta, ele pode representar o porrete, arma dos mendigos. Desse modo, vemos o Louco do tarô de Visconti com uma aparência pobre e armado com um porrete.
Por fim, se o denário simboliza o dinheiro e, por extensão, os bens materiais, não é à toa que é citado com esse nome: antiga moeda romana igualmente mencionada na Bíblia (os trinta denários de Judas), tornou-se uma moeda francesa que valia a 240ª parte da libra (uma libra equivalia a quinhentos gramas de prata), e quase sinônimo de dinheiro (“o denário do culto, paguei com meus denários”). Não se associou esse emblema ao sol nem à libra, unidades monetárias que, no entanto, também eram utilizadas no final da Idade Média. Por serem muito citados nos textos, esses símbolos também se encontram nas imagens, que inevitavelmente acabam por influenciar as cartas.”
NADOLNY, Isabelle. História do Tarô. Um estudo completo sobre suas origens, iconografia e simbolismo. Ed. Pensamento, 2022, pág. 55-56.