O Castelo do conhecimento

“Também podia se alimentar com as frutas e raízes com que tinha se acostumado. Nunca mais comeria pombos ou qualquer outra ave ou carne outra vez, porque compreendeu que fazer isso seria literalmente ter amigos para jantar.

(…)o Castelo do Conhecimento a distância. Ele era maior do que o Castelo do Silêncio, e sua porta era feita de ouro maciço.

— O Castelo do Conhecimento foi projetado pelo próprio universo, a fonte de todo conhecimento.

Como estou agora que fiz a barba e cortei o cabelo? — É a primeira vez que você tirou vantagem de ser encurtado — respondeu Sam. O cavaleiro riu da brincadeira de Sam. Ele apreciava seu senso de humor. Se houvesse qualquer semelhança entre o Castelo do Conhecimento e o Castelo do Silêncio, ele ficaria feliz em ter Sam como companhia.

Enquanto empurrava a porta, ele perguntou a Rebecca e Esquilo se eles o deixariam como haviam feito antes. — Não — respondeu Rebecca. — O silêncio é para um; o conhecimento, para todos.

O conhecimento é a luz através da qual você encontrará seu caminho.

Sam falou sem rodeios: — Isso significa que, quanto mais você sabe, mais luminoso ficará aqui dentro.

O cavaleiro resfolegou: — Não tenho tempo para brincar de Perguntas e Respostas. Quero encontrar rápido meu caminho por este castelo, para poder chegar ao topo da montanha! — Talvez o que você tenha a aprender aqui é que você tem todo o tempo do mundo — sugeriu Rebecca.

Envolto em um clarão ofuscante, um pensamento surgiu na mente do cavaleiro: ele necessitara do amor de Juliet e de Christopher porque não se amava! Na verdade, ele necessitara do amor de todas as donzelas que resgatara dos dragões e de todas as pessoas por quem lutara nas cruzadas porque não se amava. O pranto do cavaleiro se intensificou quando ele compreendeu que, se não se amava, não poderia realmente amar os outros. A necessidade que tinha deles era um obstáculo ao amor.

— Você descobriu uma grande verdade — explicou o mago ao cavaleiro. — É somente quando nos amamos que podemos amar os outros. — Como começo a me amar? — perguntou o cavaleiro. — Você já começou, pelo simples fato de saber o que sabe. — Sei que sou um tolo — soluçou o cavaleiro. — Não, você sabe a verdade, e verdade é amor. Isso confortou o cavaleiro, e ele parou de chorar. Quando seus olhos secaram, ele percebeu a luz à sua volta. Era diferente de todas as luzes que tinha visto antes. Parecia vir de lugar nenhum e, ao mesmo tempo, de todos os lugares. Merlin ecoou os pensamentos do cavaleiro: — Não há nada mais bonito que a luz do autoconhecimento. O cavaleiro contemplou a luz e, em seguida, encarou as trevas à frente. — Não existe escuridão neste castelo para você, não é mesmo? — Não — respondeu Merlin —, não mais.

— Não é um espelho comum — insistiu Rebecca. — Ele não mostra como você parece. Mostra o que você realmente é.

— Você está vendo seu eu verdadeiro — explicou Sam —, o eu que vive por debaixo dessa armadura. — Mas — protestou o cavaleiro, olhando de forma penetrante para o espelho —, este homem é um espécime perfeito. E sua face é plena de beleza e inocência. — Esse é o seu potencial — respondeu Sam —, ser belo, inocente e perfeito. — Se esse é o meu potencial — disse o cavaleiro —, algo terrível aconteceu no meu percurso para realizá-lo.

(…)você colocou uma armadura invisível entre você e seus sentimentos verdadeiros. Ela está em você há tanto tempo, que se tornou visível e permanente. — Talvez eu tenha realmente escondido meus sentimentos — disse o cavaleiro. — Mas eu não podia simplesmente dizer tudo que me vinha à cabeça e fazer tudo que tinha vontade de fazer. Ninguém iria gostar de mim. Ao pronunciar essas palavras, o cavaleiro parou abruptamente, compreendendo que vivera toda a sua vida de maneira a fazer com que as pessoas gostassem dele.

O cavaleiro olhou para o espelho mais uma vez. Bondade, amor, compaixão, inteligência e altruísmo retribuíram o olhar. Ele compreendeu que tudo que precisava fazer para possuir essas qualidades era reivindicá-las, pois elas sempre lhe haviam pertencido.

Com esse pensamento, a linda luminosidade resplandeceu novamente, mais clara do que antes. Ela iluminou a sala inteira, revelando, para surpresa do cavaleiro, que o castelo era composto de apenas uma sala gigantesca. — É o código padrão para a construção de um Castelo do Conhecimento — disse Sam. — O verdadeiro conhecimento não é dividido em compartimentos, pois todo ele emana de uma verdade.

(…)será que você estava tão ocupado tentando vir a ser que não podia desfrutar de ser simplesmente?

— A ambição do coração é pura. Ela não compete com ninguém, nem fere ninguém. Na verdade, ela o serve de tal maneira que serve os outros ao mesmo tempo. — Como? — perguntou o cavaleiro, esforçando-se para compreender. — É nesse ponto que podemos aprender com a macieira. Ela se tornou graciosa e plenamente madura, cheia de bons frutos que ela dá livremente a todos. Quanto mais maçãs as pessoas retiram dela — disse Merlin —, mais ela cresce e mais formosa se torna. Esta árvore está fazendo exatamente o que macieiras devem fazer: atingindo seu potencial para benefício de todos. Pode acontecer o mesmo com as pessoas, quando a ambição delas vem do coração.

— Você poderia vender algumas de suas maçãs para pagar pelo castelo e cavalo novos. Depois po- deria doar as maçãs de que não precisasse para que outros pudessem se alimentar. — É mais fácil para as árvores do que para as pessoas neste mundo — disse o cavaleiro, filosoficamente. — É tudo uma questão de percepção — disse Merlin. — Você recebe a mesma energia vital que a árvore. Compartilha da mesma água, do mesmo ar e do mesmo alimento da terra. Garanto-lhe que, se aprender com a árvore, também poderá gerar os frutos que a natureza tem o propósito de gerar — e logo terá todos os castelos e cavalos que desejar.

— Aos seres humanos foram dados dois pés para que não precisassem ficar em um mesmo lugar, mas, se ficassem sossegados mais vezes para aceitar e desfrutar, em vez de ficarem correndo de um lado para o outro atrás das coisas, compreenderiam verdadeiramente a ambição que vem do coração.

Em seguida considerou a si mesmo — emagrecido e com uma barba que começava a ficar desgrenhada novamente. Estava subnutrido, nervoso e exausto de ficar arrastando sua pesada armadura de um lado para o outro. Tudo isso ele adquirira por causa da ambição de sua mente, e agora sabia que tudo isso precisava mudar. A ideia era assustadora, mas, ora, ele já perdera tudo, então o que tinha a perder?

Ele chegou à conclusão de que o tempo realmente passa rápido quando se está em contato consigo mesmo. Relembrou quantas vezes o tempo se arrastara indefinidamente, quando tinha dependido dos outros para preenchê-lo.”

FISHER, Robert. O cavaleiro preso na armadura. Ed. Record, 2020, Local: 702-914.

O Castelo do conhecimento

A falta da estrutura firme

“Ao tempo falta hoje a estrutura firme. Ele não é uma casa, mas um fluxo volúvel. Desintegra-se em mera sucessão de presentes pontuais. Ele se esvai. Nada lhe dá uma parada [Halt]. O tempo que se esvai não é habitável.”

HAN, Byung-Chul.O desaparecimento dos rituais: Uma topologia do presente. Ed. Vozes, 2021, Local 64.

Coação de produção

Depressão destrutiva

“O tempo no qual havia o outro passou. Desaparece o outro como mistério, o outro como sedução, o outro como Eros, o outro como desejo, o outro como inferno, o outro como dor. A negatividade do outro dá lugar, hoje, à positividade do igual. A proliferação do igual constitui as transformações patológicas que afligem o corpo social. Não privação e proibição, mas sobrecomunicação e sobreconsumo, não repressão e negação, mas permissividade e afirmação o adoecem.Não a repressão, mas a depressão é o patológico sinal dos tempos de hoje. A depressão destrutiva não vem do outro, mas de dentro.

A depressão como pressão interna desenvolve traços agressivos. O sujeito de desempenho depressivo é, por assim dizer, morto à pancada ou sufocado pelo si. Não é apenas a violência do outro que é destrutiva. A expulsão do outro põe em curso um processo de destruição inteiramente diferente; a saber, a autodestruição.

A partir de um determinado ponto, porém, a produção não é mais produtiva, mas destrutiva; a informação não é mais informativa, mas deformadora; a comunicação não é mais comunicativa, mas meramente cumulativa.”

HAN, Byung-Chul.A expulsão do outro: Sociedade, percepção e comunicação hoje. Ed. Vozes, 2022, Local 36-46.

Terror do igual

A verdade ou a mentira pra valer

Material complementar

Ao diferenciarmos erro de mentira, considerando o primeiro uma ilusão ou um engano involuntário e a segunda uma decisão voluntária, manifestamos silenciosamente a crença de que somos seres dotados de vontade e que dela depende dizer a verdade ou a mentira. 

Ao mesmo tempo, porém, nem sempre avaliamos a mentira como alguma coisa ruim: não gostamos tanto de ler romances,ver novelas, assistir a filmes?E não são mentira? É que também acreditamos que, quando alguém nos avisa que está mentindo, a mentira é aceitá­vel, não é uma mentira no duro”, pra valer”.

CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. 14º Edição. São Paulo: Editora Ática. 2020, pág. 17.

Introdução: Para que filosofia?

Exercendo nossa liberdade

Aula Magna

Nossas crenças costumeiras

Material complementar

“Quando pergunto “Que horas são?” ou “Que dia é hoje?”, minha expectativa é a de que, alguém tendo um relógio ou um calendário, me dê a resposta exata. Em que acredito quan­do faço a pergunta e aceito a resposta? Acredito que o tempo existe, que ele passa, pode ser medido em horas e dias, que o que já passou é diferente do agora e que o que virá também há de ser diferente deste momento, que o passado pode ser lembrado ou esquecido e o futuro, desejado ou temido. Assim, uma simples pergunta contém, silenciosamente, várias crenças.  

Por que crenças? Porque são coisas ou ideias em que acreditamos sem questionar, que aceitamos porque são óbvias, evidentes. Afinal, quem não sabe que ontem é diferente de amanhã, que o dia tem horas e que elas passam sem cessar?”

CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. 14º Edição. São Paulo: Editora Ática. 2020, pág. 16.

Introdução: Para que filosofia?

Nossas crenças costumeiras

Aula Magna

Práticas que demandam dedicação

“As práticas que demandam dedicação de tempo prolongada estão desaparecendo hoje em dia. A verdade também demanda dedicação de tempo prolongada.Quando uma informação segue no encalço de outra, não temos tempo para a verdade.

Confiança, promessa e responsabilidade também são práticas que demandam dedicação de tempo prolongada. Elas se estendem além do presente para o futuro. Tudo o que estabiliza a vida humana demanda dedicação de tempo prolongada. Fidelidade, vínculo e compromisso também são práticas que demandam dedicação de tempo prolongada. A desintegração das arquiteturas estabilizadoras de tempo, as quais incluem rituais, torna a vida instável. Para estabilizar a vida, uma outra política de tempo é necessária.”

HAN, Byung-Chul. Não coisas: Reviravoltas do mundo da vida. Ed. Vozes, 2021, Local 157-160.

Da coisa à não-coisa

Inatividades demandam tempo

“Inatividades demandam tempo. Elas exigem muito tempo [lange Weile], um demorar-se intenso, contemplativo. Elas são raras em uma época da pressa, na qual tudo se tornou tão a curto prazo, de tão curta respiração e de vista tão curta.

Hoje, impõe-se em todo lugar a forma de vida consumista, na qual toda necessidade deve ser satisfeita imediatamente. Não temos mais a paciência para a espera, na qual algo pode lentamente amadurecer. O que conta é apenas o efeito de curto prazo, o êxito rápido. Ações se encurtam em reações.

Experiências se diluem em vivências. Sentimentos se empobrecem em emoções e afetos. Não temos acesso à realidade, que só se revela a uma atenção contemplativa.”

HAN, Byung-Chul. Vita Contemplativa, ou sobre a inatividade. Ed. Vozes, 2023, Local 193-202.

Considerações sobre a inatividade

Relações de produção capitalista

“Nas relações de produção capitalistas, a inatividade retorna como o de fora que é incluído. Nós a chamamos de “tempo livre”. Uma vez que o tempo livre serve para se recuperar do trabalho, permanece preso à sua lógica. Como um derivado do trabalho, ele é um elemento funcional no interior da produção. Com isso, desaparece o tempo de fato livre, que não pertence à ordem do trabalho e da produção. Não conhecemos mais aquele repouso sagrado, festivo, que “reúne em si intensidade vital e a contemplação, e que consegue reuni-los mesmo quando a intensidade vital se torna selvageria”2. Falta, ao “tempo livre”, tanto a intensidade da vida quanto a contemplação. Ele é um tempo que matamos a fim de não deixar nenhum tédio surgir. Não é um tempo livre, vivo, mas um tempo morto.”

HAN, Byung-Chul. Vita Contemplativa, ou sobre a inatividade. Ed. Vozes, 2023, Local 58

Considerações sobre a inatividade

Época do relógio de ponto

“Na época do relógio de ponto era possível estabelecer uma clara separação entre trabalho e não trabalho. Hoje edifícios de trabalho e salas de estar estão todos misturados. Com isso torna-se possível haver trabalho em qualquer lugar e a qualquer hora. Laptop e smartphone formam um campo de trabalho móvel.”

HAN, Byung-Chul. Sociedade do Cansaço. Ed. Vozes, 2022, Local 951.

Anexos: Tempo de celebração-a festa numa época sem celebração

É possível haver festa?

“E hoje, é ainda possível haver festa? É claro que existem festas hoje em dia. Não são, porém, festas no sentido verdadeiro. Tanto a palavra festa quanto festival remontam à palavra latina festus. Festus significa uma referência aos dias definidos para ações religiosas. As festas ou festivais de hoje são eventos ou espetáculos. A temporalidade do evento é contrária à temporalidade da festa. O evento remonta à palavra latina eventus. Eventus significa: vir a acontecer de repente, acontecer. Sua temporalidade é a eventualidade. A eventualidade pode ser qualquer coisa, menos necessidade de tempo celebrativo. É a temporalidade da própria sociedade atual que perde contato com tudo que é vinculativo, com tudo que estabelece laços.”

HAN, Byung-Chul. Sociedade do Cansaço. Ed. Vozes, 2022, Local 938.

Anexos: Tempo de celebração-a festa numa época sem celebração