“Na realidade, alguns pacientes têm poucos sonhos, o que exige que estejamos preparados para trabalhar analiticamente mesmo na ausência de sonhos. No entanto, para a psicanálise junguiana, ter acesso à expressão do inconsciente por meio dos sonhos é uma grande vantagem. Eles nos oferecem informações que o paciente não seria capaz de transmitir apenas com base em sua consciência.
Uma vez que o conteúdo do sonho tenha sido estabelecido e esclarecido, o segundo passo é construir o contexto do sonho, que Jung chamou de “o tecido no qual o sonho está envolto”. O contexto do sonho consiste nas associações pessoais do paciente com as imagens do sonho, nas memórias do dia anterior ao sonho (o “resíduo do dia”), bem como na situação atual da vida do sonhador.
Os psicanalistas junguianos, por sua vez, solicitam associações em relação às diferentes partes do sonho, mas sempre retornam à narrativa e às imagens reais da expressão onírica em si. As associações de cada elemento do sonho são coletadas individualmente, e elas podem apontar para algo que ocorreu recentemente. Talvez o sonho acabe parecendo um comentário sobre algum evento do dia anterior, pois todas as associações levam a ele. É importante lembrar que um sonho surge da experiência de vida de uma pessoa específica, sendo esse “o tecido no qual o sonho está envolto”.
Após a conclusão dessa etapa e o estabelecimento do contexto pessoal no qual o sonho ocorre, o próximo passo é a amplificação, uma abordagem exclusiva da análise junguiana. A amplificação busca alcançar o nível arquetípico da psique que é revelado nos símbolos oníricos. Por meio da amplificação, são traçados paralelos com a cultura mundial, religiões, mitologias e contos de fadas. Isso proporciona um preenchimento e aprofundamento adicionais do contexto do sonho.
A amplificação é um nível adicional de associação que muitas vezes surge a partir do analista, considerando seu extenso treinamento. No entanto, é possível que também venha do próprio paciente, com base em sua experiência e aprendizado. Em essência, a interpretação dos sonhos é uma empreitada colaborativa, onde tanto o analista quanto o paciente contribuem para a amplificação das imagens do sonho.
(…) é importante que a análise e interpretação retornem dos amplos campos de amplificação para os aspectos mais específicos e particulares do sonho e do sonhador.
Esse movimento de expansão e retorno constitui o círculo hermenêutico da interpretação dos sonhos. Agora chegamos à etapa final do processo de trabalho com os sonhos, que é a interpretação propriamente dita. Após estabelecer o contexto do sonho, coletar associações pessoais e amplificar seus símbolos, devemos nos questionar: o que esse sonho significa para o sonhador? Por que esse sonho específico ocorreu nesta noite em particular?
“(…) as imagens nos sonhos e fantasias espontâneas são símbolos, ou seja, a melhor formulação possível para fatos ainda desconhecidos ou inconscientes, que, em geral, compensam o conteúdo da consciência ou a atitude consciente”. [10] A teoria sugere que os sonhos têm uma relação compensatória com a consciência. Essa teoria dos sonhos se fundamenta em uma visão mais abrangente da psique, que propõe que esta busca equilíbrio e harmonia. É possível, e de fato é comum, que ocorra desequilíbrio na psique e que precise ser corrigido. Esse desequilíbrio ocorre porque os componentes da psique se organizam em uma rede de polaridades, ou o que Jung chamou de “opostos”. O self, que é um termo para a totalidade da psique, é composto por pares de opostos masculino/feminino, bom/mal, sombra/persona, e assim por diante. Quando a consciência desenvolve um senso de identidade, ela escolhe um lado dos opostos para se identificar e, consequentemente, rejeita o outro. Isso cria um desequilíbrio, com a consciência de um lado da divisão – uma condição que Jung chama de unilateralidade e o inconsciente do outro lado. O ego da consciência se identifica e representa um lado das polaridades, enquanto o lado oposto é deixado no inconsciente. Assim, a psique tem a necessidade de criar um estado de equilíbrio e harmonia entre os opostos.”
A teoria da compensação postula que a mente sonhadora nos auxilia ao trazer o que necessitamos para alcançar a “totalidade” (equilíbrio) e aquilo que foi deixado fora da consciência. Os sonhos proporcionam a oportunidade de alcançar um melhor equilíbrio entre os opostos e criar uma maior harmonia entre a consciência do ego e o inconsciente.
Jung ficou profundamente atraído pela filosofia taoista. Dentro do Tao, o Yin e o Yang operam com base em um princípio de interação entre os opostos, constantemente interagindo e influenciando um ao outro para formar um fluxo de energia e direção. Esta é uma descrição das relações entre a consciência e o inconsciente como um princípio compensatório que opera entre eles.”
STEIN, Murray. Os quatro pilares da psicanálise junguiana: Individuação – Relacionamento analítico – Sonhos – Imaginação ativa – Uma introdução concisa. Ed. Cultrix, 2023. Local, 895.
Pilar 3
Trabalhando com sonhos em análise