“(…) aquilo que é visto a partir do consciente como uma concretização do arquétipo é, para o arquétipo, uma queda na matéria. Ocorre a mesma coisa no ensino teológico sobre a kenosis de Cristo, que se reporta à citação bíblica em que Cristo abandona sua plenitude para descer como servo e encarnar no homem. Os teólogos se apoiaram nisso para formular a teoria de que Cristo era idêntico a Deus Pai e ao Espírito Santo, de que viveu em plenitude e expansão no Céu e de que foi um ato de enorme abnegação o fato de ele ter se esvaziado e diminuído para viver a vida do homem e se encarnar. Assim, de Seu lado, isso significou humilhação e um rebaixamento em sua condição. Como arquétipo, ele seria a Divindade, o Logos, que ingressou na miserável vida humana; porém, para a humanidade foi uma revelação da luz de Deus.
(…) Sempre que um arquétipo se aproxima da concretização humana, isso significa uma limitação para o arquétipo, o que explica as visões e os sonhos catastróficos da queda de um ser divino na terra.
Ocorre então uma virada sumamente surpreendente, pois ela diz: “Aquele em cujo abraço todo o meu corpo se derrete, para quem serei pai e ele será meu filho“. Isso foi extraído da Epístola aos Hebreus, 1:5 e foi o que Deus disse a Cristo. Quando se lê To texto, é fácil passar por cima dessas estranhas alusões, mas a Sabedoria diz ai claramente que ela própria é Deus Pai e que quem a salvar é filho do próprio Deus. Essa frase é a chave para tudo o que se segue no texto. A Sabedoria de Deus é simplesmente uma experiência do próprio Deus, mas em Sua forma feminina, e o noivo bem-amado dessa aparição feminina de Deus é o autor, que substitui Cristo e se torna semelhante a Cristo.
O próprio Cristo predisse que, pela propagação do Espírito Santo, muitos fariam obras maiores do que Ele, levando à ideia de cada indivíduo tornar-se semelhante a Cristo. Ele não era o único caso da encarnação de Deus, mas através do Espírito Santo, isso continuaria e propagar-se-ia entre muitos, e todo e qualquer individuo tornar-se-ia, até certo ponto, um Cristo e, portanto, deificado. Isso foi previsto na Bíblia pelo próprio Cristo, mas foi ignorado na interpretação teológica porque é uma declaração embaraçosa e significa, nem mais nem menos, que potencial mente cada indivíduo humano poderá viver o mesmo destino de Cristo e ser idêntico à Divindade.
Esse aspecto foi ignorado na teologia medieval e não foi trazido à luz; evitava-se cuidadosamente essa pregação, que nada mais era do que o processo de individuação. Isso significa que seguir Cristo não é obedecer a regras exteriores, não é a imitação externa, mas chamar a si a experiência total do próprio Cristo na forma de cada um cada um – cada um passar por todo o processo.”
VON FRANZ, Marie-Louise. Alquimia, Uma introdução ao simbolismo e seu significado na psicologia de Carl G. Jung, Ed. Cultrix 2022, Pág 358-360.
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