O lado sombrio e obscuro do self

“Paisagens nos sonhos (e na arte) em geral simbolizam um estado de espírito inexprimível. (…) o lado “direito”. o lado onde as coisas se tornam conscientes. Entre outras acepções, “direita” significa, muitas vezes, do ponto de vista psicológico, o lado da consciência, da adaptação, do que é “direito”, enquanto “esquerda” significa a esfera das reações inadaptadas e inconscientes ou, algumas vezes, de uma coisa “sinistra”.

Como Aniela Jaffe observa adiante, a forma redonda (o motivo da mandala) quase sempre simboliza uma totalidade natural, enquanto a forma quadrangular representa a tomada de consciência dessa totalidade.

Mas existe uma grande dificuldade que mencionei apenas indiretamente até agora. É que cada personificação do inconsciente a sombra, a anima, o animus e o self apresenta tanto um aspecto claro e luminoso como um aspecto escuro e sombrio. Vimos anteriormente que a sombra pode ser mesquinha e má, um impulso instintivo que precisamos vencer. Pode, no entanto, ser um impulso de crescimento que devemos cultivar e seguir. Do mesmo modo, a anima e o animus têm um duplo aspecto: podem trazer um desenvolvimento vivificante e criativo da personalidade ou podem provocar o empedernimento e a morte fisica. E mesmo o self, o simbolo que abrange todo o inconsciente, tem um efeito ambivalente, como por exemplo na lenda esquimó (pgs. 261 e 262), quando a “mulherzinha” ofereceu-se para salvar a heroína do Espírito da Lua mas acabou transformando-a numa aranha.

O lado sombrio e obscuro do self representa um grande perigo, precisamente porque ele é a maior força da psique. Pode levar as pessoas a “tecer” fantasias megalomaníacas ou outras ilusões capazes de envolvê-las e “possuí-las”. Uma pessoa que se encontre nesse estado poderá pensar com crescente excitação ter aprendido e resolvido, por exemplo, os grandes enigmas cósmicos; e perde, portanto, todo o contato com a realidade humana. Um sintoma característico desse estado é a perda do senso de humor e dos contatos humanos.

Assim, a manifestação do self pode acarretar grave perigo ao ego consciente do homem. O duplo aspecto do self está excelentemente ilustrado neste velho conto de fadas iraniano, “O segredo do balneário Badgerd”:

O grande e nobre principe Hatim Tâi recebe ordens do seu rei para investigar o misterioso balneário Badgerd (castelo da não existência). Quando se aproxima do lugar, depois de ter passado por muitas aventuras perigosas, ouve contar que ninguém jamais regressou de lá, mas insiste em continuar. É recebido, num edificio redondo, por um barbeiro munido de um espelho que o leva ao banho, mas logo que o príncipe entra na água ouve um barulho tonitruante. Tudo se torna escuro, o barbeiro desaparece e a água começa a subir lentamente.

Hâtim nada desesperadamente em círculos até que a água finalmente alcança o topo da cúpula redonda, que forma o teto daquele local. Julga-se perdido, mas faz uma oração e agarna-se à pedra central da cúpula. Novamente ouve um barulho ensurdecedor e encontra-se então sozinho em um deserto.

Depois de vagar aflito e por muito tempo, chega a um belo jardim, no meio do qual há um circulo de estátuas de pedra. No centro desse círculo vê um papagaio numa gaiola e uma voz do alto lhe diz: “Oh, herói, você provavelmente não vai escapar com vida deste balneário. Uma vez Gayomart [o Primeiro Homem] encontrou um enorme diamante que brilhava mais que o Sol e a Lua. Decidiu escondê-lo onde ninguém o pudesse achar, e para isso construiu um balneário mágico que o protegesse. O papagaio que você está vendo aqui faz parte da mágica. A seus pés estão um arco e flecha presos a uma corrente dourada; com eles você pode tentar, por três vezes, matar o papagaio. Se o acertar, a maldição vai terminar; se não conseguir, você será petrificado, como todas estas outras pessoas.”

Hâtim tentou uma primeira vez, e errou. Suas pernas tornaram-se de pedra. Na segunda vez também falhou, e foi petrificado até o peito. Na terceira vez, apenas fechou os olhos, exclamando “Deus é grande”, atirando às cegas e, dessa vez, acertando o papagaio. Ouviu-se uma verdadeira explosão de trovões; levantaram-se nuvens do pó. Quando tudo passou, no lugar do papagaio estava um enorme e belo diamante, e todas as estátuas voltaram à vida. As pessoas agradecem-lhe por tê-las libertado.”

 

JUNG, Carl Gustav. O Homem e seus símbolos. Ed. Harper Collins, 2016, Pág 286-289.

III O processo de individuação

M.-L. Von Franz

Gostei e vejo sentido em compartlhar essa ideiA

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