“Ao lado dessa relação evidente entre a psicologia do inconsciente e a física, existem outras conexões ainda mais fascinantes. Jung (em estreita colaboração com Pauli) descobriu que a psicologia analítica viu-se forçada, por investigações no seu próprio campo, a criar conceitos que mais tarde se revelaram incrivelmente semelhantes aqueles criados pelos físicos ao se confrontarem com fenômenos microfisicos. Um dos mais importantes conceitos da física é a noção de complementaridade de Niels Bohr.
A microfísica moderna descobriu que só se pode descrever a luz por meio de dois conceitos complementares, mas logicamente contraditórios: a onda e a partícula. Em termos absolutamente simples, pode-se dizer que sob certas condições de experiência a luz se manifesta como se composta por partículas, e em outras como se fosse uma onda. Descobriu-se também que se pode observar detalhadamente a posição ou a velocidade de uma partícula subatômica mas não ambas ao mesmo tempo.” O observador deve escolher o seu plano experimental, mas ao fazê-lo exclui (ou, antes, “sacrifica”) outros possíveis planos e resultados. Além disso, o mecanismo de avaliação deve ser incluído na descrição dos acontecimentos porque exerce influência decisiva, mas incontrolável, nas condições da experiência.
Pauli declara:
A ciência da microfísica, devido à “complementaridade” básica das situações, enfrenta a impossibilidade de eliminar os efeitos da intervenção do observador por meio de neutralizantes determinados e deve, portanto, em princípio, abandonar qualquer compreensão objetiva dos fenômenos físicos. Onde a física clássica ainda vê o determinismo das leis causais da natureza, nós agora só buscamos leis estatísticas de probabilidades imediatas.
Em outras palavras, na microfísica o observador interfere na experiência de um modo que não pode ser exatamente calculado e que, portanto, não se pode também eliminar. (…) Isso, naturalmente, repre senta um problema considerável para o pensamento da física clássica. Exige que, na experiência científica, se leve em conta a perspectiva mental do observador-participante.
A ideia de Bohr a respeito da complementaridade é especialmente interessante para os psicólogos junguianos, pois Jung percebeu que o relacionamento entre o consciente e o inconsciente forma também um par complementar de contrários. Cada novo conteúdo que vem do inconsciente é alterado na sua natureza básica ao ser parcialmente integrado na mente consciente do observador. Mesmo os conteúdos oníricos (quando percebidos) são, desse ponto de vista, semi-inconscientes. E cada ampliação do consciente do observador provocada pela interpretação dos sonhos tem, novamente, uma repercussão e uma influência inestimáveis sobre o inconsciente. Assim, o inconsciente só pode ser aproximadamente descrito (como as partículas da microfisica) por conceitos paradoxais. O que existe realmente no inconsciente “em si” não saberemos jamais. assim como jamais descobriremos o que há na matéria “em si”.
Como observou o psicólogo norte-americano William James, a noção de inconsciente pode ser comparada ao conceito de “campo”, na fisica. Poderíamos dizer que, assim como num campo magnético as partículas se distribuem em uma certa ordem, também os conteúdos psicológicos aparecem ordenados na área psíquica que chama mos de inconsciente.Quando o nosso consciente decide que alguma coisa é “racional” ou “significativa” e aceita essa qualificação como uma “explicação” satisfatória, isso provavelmente se deve ao fato de nossa explicação consciente estar em harmonia com algumas constelações pré-conscientes dos conteúdos do nosso inconsciente.
Em outras palavras, nossas representações conscientes são por vezes ordenadas (ou esquematizadas) antes de tomarmos consciência delas.
(…)
Karl Friedrich Gauss nos dá um exemplo dessa ordenação inconsciente de ideias. Declara ter descoberto uma determinada regra de teoria dos números “não devido a pesquisas exaustivas, mas, por assim dizer, pela graça divina. O enigma resolveu-se por ele mesmo, como um raio, sem que eu mesmo pudesse dizer ou mostrar a conexão entre o que eu sabia an teriormente, os elementos utilizados na minha última experiência e aquilo que produziu o sucesso final.
Como exemplo final da evolução paralela da microfísica e da psicologia, podemos considerar o conceito de Jung de significado. Onde, anteriormente, os homens buscavam explicações causais (isto é, racionais) dos fenômenos, Jung introduziu a ideia de procurar-se o significado (ou seja, o “propósito”). Vale dizer que, em lugar de perguntar por que alguma coisa acontece (o que a causou), Jung pergunta: para que ela acontece? Essa mesma tendência aparece na física: inúmeros fisicos modernos procuram na natureza as “conexões” mais do que as leis causais (o determinismo).
Essa inesperada analogia de ideias na psicologia e na física sugere, como Jung assinalou, uma possível unicidade final em ambos os campos de realidade que a fisica e a psicologia estudam – isto é, uma unidade psicofisica de todos os fenômenos da vida. Jung estava realmente convencido de que o que ele chama de inconsciente liga-se, de uma certa maneira, à estrutura da matéria inorgânica uma união que o problema das doenças chamadas psicossomáticas também parece indicar. O conceito de uma ideia unitária de realidade (adotada por Pauli e por Erich Neumann) era chamado por Jung de unus mundus (o mundo único, no qual a matéria e a psique ainda não estão discriminadas ou atualizadas separadamente). Jung preparou caminho para essa perspectiva unitária ao indicar que um arquétipo mostra um aspecto “psicoide” (isto é puramente psíquico, mas quase material) quando aparece dentro de um acontecimento sincrônico – pois tal acontecimento é, com efeito, um acordo significativo entre fatoss psíquicos interiores e exteriores.”
JUNG, Carl Gustav. O Homem e seus símbolos. Ed. Harper Collins, 2016, Pág 424-427.
Conclusão
M. L. von Franz