Realidade material

Veremos mais tarde que o que se entende por realidade material do homem é, por um lado, nossa própria projeção sobre a realidade (ou o que gostaríamos de considerar como porém Dorn acredita que ela também tem realidade), algo a ver com o corpo humano. O que significa isso? Em nossa linguagem psicológica junguiana, aquilo que ele chama de o poder criativo do Ente Supremo, ou o ouro, seria a emanação ativa, o dinamismo psicológico ativo do arquétipo do Self. Inserir isso no corpo da realidade equivaleria, em nossa linguagem, a dizer que deveríamos observar a atividade do Self dentro de nós mesmos e tentar torná-lo uma influência sobre a nossa vida real. Por exemplo, se eu sonhar que devo fazer determinada coisa (uma vez que nossa hipótese é a de que o sonho constitui, por assim dizer, uma carta enviada pelo Self), isto seria uma atividade proveniente do arqué-tipo do Self, e dar isso para o dragão comer significaria que eu faço esse processo valer para o corpo de minha vida física real, ou seja, para minhas decisões, quer eu faça isso ou aquilo, da manhã à noite. É isso, na realidade, o corpo e minha vida real no ambiente que me cerca, é isso que eu dou de alimento aquilo que se poderia chamar de minha realidade. Então, o dragão que até aqui tinha estado agitado e nervoso acalma-se e vai dormir.

Dorn, como veremos mais tarde, tem a ideia de que nossa natureza simples é dotada de certo tipo de inquietação impulsiva, extrovertida e dissociada. O homem natural sempre traz em si algo do macaco; as pessoas não conseguem nem mesmo se manter sentadas quietamente, mas se retorcem e se coçam. Qualquer pessoa que tenha tentado a meditação oriental sabe como é difícil sentar-se parada por meia hora; quer você se apoie sobre seus calcanhares, quer permaneça na posição de lótus, não conseguirá fazê-lo de início. Nossa vitalidade constantemente nos impele a fazer alguma coisa, e se nós interrompemos essa ação, algo dentro de nós continua a atuar. Tente por exemplo não pensar em nada, mesmo que seja durante meio segundo! Você não conse-gue! Você pensa: “Puxa, tenho de ir ao açougue etc.” É a constante agitação autônoma da vida que levamos, e nossa força de vontade é insuficiente para permitir que uma vida interior simples supere essa vivacidade autônoma. No entanto, com a ajuda do Self, isso pode ser feito. É essa a nossa experiência, e é isto o que Dorn pensa; de alguma forma, a experiência do Self expressa como a alma interior da pessoa que é tocada pelo aspecto dinâmico da imagem de Deus. É isso o que aquieta e traz paz a essa espécie de atividade simiesca dissociada do nosso corpo e da nossa mente, e então, das profundezas, surgem subitamente/duas fontes de água. Poderíamos dizer que por intermédio da concentração meditativa e da introversão o inconsciente começa a fluir. As nascentes da vida do sonho, da psique objetiva, fluem em contraste com a inquietação saltitante de nossa mente consciente, e essas fontes absorvem o dragão e terminam numa grande enchente em que tudo fica coberto pela agua do mar. Na moderna linguagem psicológica, isso corresponderia a estar completamente afogado no inconsciente, a fazer com que a ênfase de toda a vida interior da pessoa esteja voltada para o inconsciente e esteja dentro do inconsciente e de suas produções.”

VON FRANZ, Marie-Louise. Alquimia e a Imaginação ativa: estudos integrativos sobre imagens do inconsciente, sua personificação e cura.  Ed. São Paulo: Cultrix, 2022. Pág.80-82.

1. Palestra

Origens da Alquimia: Tradições extrovertidas e introvertidas.

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