A lenda do Cuco-Dutenquê

Escrevi este conto a partir das vozes que falam na minha cabeça. Será que você também já esbarrou com o Cuco-Dutenquê?

Talvez você nunca tenha ouvido falar desta antiga figura folclórica, mas como toda boa lenda, o que a mantém viva é a tradição. Decidi escrever sobre ela porque percebo que, entre a imaginação popular a realidade mágica da vida, me parece que, de tempos em tempos, essas pequenas entidades se manifestam com mais vigor.

O Cuco-Dutenquê é um pássaro de pedra, natural das Terras do Pensamento. Ele é amigo e inimigo dos seres humanos ao mesmo tempo. É pássaro e pode voar, mas também é pedra… e pode pesar.

O Cuco-Dutenquê adora sobrevoar os Caminhos das Atitudes. Sejam estes antigos pavimentos, ou estradas completamente novas, é ali que o pequeno pássaro rochoso irá cantar a sua melodia em ritmo de caixinha e fanfarra. Quando os viajantes da vida trilham os Caminhos das Atitudes são surpreendidos pelo canto do bichinho: ♬ Tem-quê! ♬ Tem-quê! ♬

O que poucos sabem é que este é um canto hipnótico que pode manter os viajantes sempre no mesmíssimo caminho, impedindo-os de que cheguem a lugar algum ou tornando uma viagem simples extremamente demorada e cansativa, pois o canto entorpece a força de vontade os visitantes, que ficam sempre atordoados em infinitas demandas que nunca tem fim.

Também é verdade que o Cuco-Dutenquê é grande amigo e protetor dos boêmios, bêbados e fanfarrões. A estes, cuja linha reta sempre parece fugir aos pés, o pássaro pode ser grande amigo. Mas a toda gente bem criada na moral e bons costumes, a traquinagem dos seu canto pode envolver e sufocar a expressão da genuína individualidade.

É muito difícil lhe perceber a presença porque, sendo uma criatura da Terra dos Pensamentos, a melodia da sua voz assimila por osmose ao tom conhecido do viajante. Sua cantiga tem por vezes som de “voz de mãe”, “de voz de pai” e há quem diga inclusive que já o ouviu cantar até com “voz de padre”: ♬ Tem-quê! ♬ Tem-quê! ♬

Só há um jeito de silenciar o pequeno matraquinha e fugir aos encantos malditos do seu cantar. Trata-se de um objeto mágico que o viajante deve legar consigo, uma pequena bússola de ouro puro, que se pode obter com o Grande Mago, guardião da floresta que abriga os caminhos da vida. Antes que me perguntem, já o respondo: outra não serve! Ocorre que essa bússola tem um poder especial. Ao sul, o seu ponteiro guarda um poderoso encantamento: Trata-se do feitiço “Sabiquensié”. Esta antiga conjuractio permanece quase sempre invisível aos olhos dos desavisados. É preciso um treinamento especial com o Grande Mago para que os olhos aprendam a olhar nesta direção. Ao norte da mesma bússola encantada, outro conjuro fundamental, o “sabioquissiquer”. Tendo desenvolvido os “olhos para ver” essas direções intimamente conectadas com o Grande Mago, o viajante da vida poderá trilhar os caminhos de antigas e novas atitudes, nas terras do pensamento, sem que o Cuco-Dutemquê o estorve nessa jornada. Por mais que o bichinho se esgoele a cantar o seu ♬ Tem-quê! ♬ Tem-quê ♬, o viajante não vai se perturbar, nem se perder. Há de considerar o canto, mas decidirá por si mesmo, os Caminhos das Atitudes.

Há quem diga, inclusive, que aquele que porta bússola mágica, não só se desvencilha do canto hipnótico do pássaro de pedra, como também, faz um contra corro que compõe a melodia dos que aprenderam a arte da individuação.

O cuco canta:

– ♬ Tem-quê! ♬ Tem-quê ♬!

O viajante faz coro em resposta:

– ♬ Vatifudê! ♬ Vatifudê! ♬

Mágicas palavras. Música para os ouvidos que sabem ouvir.

Gostei e vejo sentido em compartlhar essa ideiA

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