Receber o Conhecimento

“Silvano prossegue:

Bata em si mesmo como quem bate em uma porta e caminhe sobre si mesmo como se percorresse uma estrada reta. Se caminhar nessa estrada, será impossível perder-se. (…) Abra a porta para si mesmo para que possa se conhecer(…) Aquilo que abrires para si mesmo se abrirá. *(Ibid., 106.30-117.20, em NHL 356-361)

O Evangelho da Verdade expressa o mesmo pensamento:

(…) Se alguém possui conhecimento, ele recebe o que lhe pertence e o atrai para si mesmo(…) Aquele que receber o conhecimento dessa forma sabe de onde vem e para onde está indo. *(Evangelho da Verdade 21.11-22.15, em NHL 40)

PAGELS, Elaine. Os Evangelhos Gnósticos. Editora Objetiva, 1979, pág. 145.

Capítulo: 6- Gnosis: Autoconhecimento Como Conhecimento de Deus.

Quando Encontrar, Ficará Perturbado

“Muitos gnósticos têm em comum com a psicoterapia uma segunda premissa importante: ambos concordam – em oposição ao cristianismo ortodoxo – que a psique possui dentro de si o potencial para liberar-se ou destruir-se. Poucos psiquiatras discordariam das palavras atribuídas a Jesus no Evangelho de Tomé.

Se revelar o que possui dentro de si, será salvo. Se não o desvelar, será destruído.” *(Evangelho de Tomé 45.30-33, em NHL 126)

(…)

Então Jesus (que disse “Eu sou o conhecimento da verdade”)” declara que quando veio ao mundo

encontrei-os entorpecidos; nenhum deles sedento. E minha alma tornou-se aflita pelos filhos dos homens, por serem cegos em seus corações e não terem visão; do vazio vieram ao mundo e vazios deixam o mundo. Mas, por enquanto, estão entorpecidos. *(Evangelho de Tomé38.23-29, em NHL 121. Para uma discussão dessas metáforas, ver H. Jonas, The Gnostic Religion (Boston, 1963), 48-96, e G. MacRae, “Sleep and Awakening in Gnostic Texts”, em Le Origini de/lo Gnosticismo, 496-507)

O Evangelho de Tomé também adverte que o autoconhecimento envolve uma perturbação interior:

Jesus disse “Deixe aquele que busca continuar buscando até que encontre Quando encontrar, ficará perturbado. Quando se tornar aflito, será surpreendido e reinará acima de tudo.” *(Evangelho de Tomé 32.14-19, em NHL 118)

PAGELS, Elaine. Os Evangelhos Gnósticos. Editora Objetiva, 1979, pág. 143-144.

Capítulo: 6- Gnosis: Autoconhecimento Como Conhecimento de Deus.

Pessoas Alienadas ou Inconscientes

“Muitas pessoas vivem, então, alienadas – ou, em termos contemporâneos, inconscientes. Desconhecendo suas próprias individualidades, elas não têm raízes. O Evangelho da Verdade descreve essa existência como um pesadelo. Aqueles que assim vivem sentem “terror, confusão, instabilidade, dúvida e divisão”, presos a “muitas ilusões”. Então, de acordo com a passagem que os estudiosos chamam de “parábola do pesadelo”, eles vivem

…submergidos em seus sonos, encontrando-se em sonhos perturbadores. Ou (há) um lugar para onde eles estão fugindo ou, sem força, estão voltando (após) terem perseguido outros, ou estão envolvidos em causar desgraças, ou estão eles mesmos recebendo golpes funestos, ou caíram de lugares altos, ou voaram no ar embora não tenham asas. Novamente, às vezes (é como) se as pessoas lhes estivessem matando, apesar de não haver ninguém lhes perseguindo, ou são eles mesmos que estão assassinando seus vizinhos, por terem sido manchados com o seu sangue. Quando aqueles que estão passando por todas essas coisas acordam, eles não vêem nada, aqueles que estão em meio a essas perturbações assim estão porque não são nada. Esse é o modo daqueles que puseram a sua ignorância à parte como o sono, deixando [suas funções] para trás como um sonho em uma noite. (…) Esse é o modo como cada um agiu, como se dormisse no tempo quando era ignorante. E esse é o modo como chegou ao conhecimento, como se tivesse acordado.*(Ibid., 29.8-30.12, em NHL 43.)

Quem permanece ignorante, uma “criatura alienada”, não se realiza. Os gnósticos dizem que uma pessoa assim “vive imersa na deficiência (o oposto da realização). Porquea deficiência consiste em ignorância:

( … ) Quem é ignorante, quando atinge o conhecimento, sua ignorância se esvai por si só; assim como a escuridão desaparece com a luz, a deficiência esvai-se com a realização.” *(Ibid., 24.32-25.3, em NHL 41)

PAGELS, Elaine. Os Evangelhos Gnósticos. Editora Objetiva, 1979, pág. 142-143.

Capítulo: 6- Gnosis: Autoconhecimento Como Conhecimento de Deus.

Explorar a Psique

“Porque os gnósticos, ao explorarem a psique, explicitaram um tema que hoje é para muitos implícito – a busca da religião. Algumas pessoas que procuram seu direcionamento interior, como os gnósticos radicais, rejeitam as instituições religiosas como um obstáculo ao seu progresso. Outros, como os valentinianos, participam de bom grado nelas, embora considerem a igreja mais um instrumento de sua autodescoberta do que a necessária “arca de Noé da salvação”.

Além de definir Deus de formas opostas, os cristãos gnósticos e ortodoxos caracterizaram a condição humana de modo muito diverso. Os ortodoxo seguiram o ensinamento judaico tradicional, no qual o que separa a humanidade de Deus, além da dissimilaridade essencial, é o pecado do homem. A palavra que designa o pecado no Novo Testamento, hamartia, procede do esporte de arco-e-flecha; literalmente, significa “não acertar o alvo”.

(…)

Muitos gnósticos, ao contrário, insistem em que a ignorância e não o pecado é que acarreta o sofrimento humano. O movimento gnóstico tinha algumas afinidades com os métodos contemporâneos de explorar o eu por meio de técnicas da psicoterapia. O gnosticismo e a psicoterapia valorizam, acima de tudo, o conhecimento – o autoconhecimento perceptivo.”

PAGELS, Elaine. Os Evangelhos Gnósticos. Editora Objetiva, 1979, pág. 140-141.

Capítulo: 6- Gnosis: Autoconhecimento Como Conhecimento de Deus.

Filho do Homem

Mas Valentino não usa essa expressão em seu sentido contemporâneo, referindo-se à humanidade em termos coletivos. Em vez disso, ele e seus seguidores pensavam em Anthropos (aqui traduzido como “humanidade”) como a natureza subjacente dessa entidade coletiva, o arquétipo, ou a essência espiritual do ser humano. Nesse sentido, alguns dos seguidores de Valentino, “aqueles (…) considerados mais talentosos” que os demais, concordavam com o professor Colorbasus, que disse que quando Deus se revelou, Ele revelou-se na forma do Anthropos. No entanto, outros, relata Irineu, asseveraram que

o pai primal de todos, o começo primal e o inescrutável primal é chamado Anthropos (…) e isso é o grande e obscuro mistério, ou seja, o poder que está acima de todos os outros e os envolve em seu abraço é chamado Anthropos. *(Ibid., 1.12.3)

Por essa razão, diziam os gnósticos, o Salvador denominava- se “Filho do Homem” (isto é, Filho do Anthropo).

PAGELS, Elaine. Os Evangelhos Gnósticos. Editora Objetiva, 1979, pág. 139.

Capítulo: 6- Gnosis: Autoconhecimento Como Conhecimento de Deus.

Antítese da Igreja Institucionalizada

(…) a organização da autoridade, a participação das mulheres, o martírio: os ortodoxos reconheciam que os chamados “gnósticos” compartilhavam uma perspectiva religiosa fundamental, que consistia em uma antítese das reivindicações da igreja institucionalizada.”

PAGELS, Elaine. Os Evangelhos Gnósticos. Editora Objetiva, 1979, pág. 138.

Capítulo: 6- Gnosis: Autoconhecimento Como Conhecimento de Deus.

Esconderijo dos Manuscritos

“Frederik Wisse sugeriu que os monges que viviam no monasténo de São Pacômio, próximo ao penhasco onde os textos foram encontrados, poderiam ter guardado os documentos de Nag Hammadi em sua biblioteca devocional. Mas em 367, quando Atanásio, o poderoso arcebispo de Alexandria, enviou uma ordem para expurgar todos os “livros apócrifos” com “heréticas” tendências, um (ou muitos) monge pode ter escondido os preciosos manuscritos na jarra e a
enterrado na montanha de Jabal al-Tarif, ondeMuhammad ‘Ali a encontrou 1.600 anos mais tarde.

(…) clero, o credo e o cânone do Novo Testamento.

PAGELS, Elaine. Os Evangelhos Gnósticos. Editora Objetiva, 1979, pág. 137.

Capítulo: 6- Gnosis: Autoconhecimento Como Conhecimento de Deus.

Um Homem Iluminado, Ilumina o Mundo

“As fontes gnósticas fornecem uma perspectiva religiosa diferente. Segundo o Diálogo do Salvador, por exemplo, quan do os discípulos fazem a mesma pergunta a Jesus (“Qual é o lugar para onde estamos indo?”), ele responde: “permaneçam no lugar que possam alcançar!” O Evangelho de Tomé relata que quando os discípulos perguntam para onde deve riam ir, ele diz apenas: “Existe luz em um homem iluminado e ele ilumina o mundo inteiro. Se ele não brilhar, ele é a escuridão.” Sem legitimar qualquer instituição, ambos enunciados dirigem-se a outrem em vez de a si mesmo —à capacidade interna de um ser de encontrar sua própria direção para a “luz interior”.

PAGELS, Elaine. Os Evangelhos Gnósticos. Editora Objetiva, 1979, pág. 136.

Capítulo: 6- Gnosis: Autoconhecimento Como Conhecimento de Deus.

Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida

(…) Tomé lhe diz: “Senhor, não sabemos para onde vais.
Como podemos conhecer o caminho?” Diz-lhe Jesus: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida. Ninguém vem ao Pai a não ser po mim.” * (João 14:5-6.)

O Evangelho de João, que contém esse trecho, é um livo notável que muitos gnósticos reclamam a si e unlizam como fonte primária para o ensinamento gnóstico.

PAGELS, Elaine. Os Evangelhos Gnósticos. Editora Objetiva, 1979, pág. 135.

Capítulo: 6- Gnosis: Autoconhecimento Como Conhecimento de Deus.

Igreja para Todos

“Desejando abrir a igreja para todos, acolheram membros de todas as camadas sociais, de qualquer origem racial ou cultural, cultos ou iletrados – todos, é evidente, que se submetessem ao seu sistema organizacional. Os bispos opuseram-se àqueles que desafiavam quaisquer dos três elementos do sistema: doutrina, ritual e hierarquia clerical – e os gnósticos questionavam todos eles.”

PAGELS, Elaine. Os Evangelhos Gnósticos. Editora Objetiva, 1979, pág. 134.

Capítulo: 5- Qual é a “Verdadeira Igreja”?