“A mulher que mata o marido com seu abraço aparece no texto apócrifo do Livro de Tobias. Sara, que vai casar-se com Tobias, teve sete maridos antes dele. Toda noite de núpcias, quando o marido se recolhia à alcova com sua esposa, o demônio Asmodeu o matava. Sete maridos sucessivos tinham morrido dessa forma. Rafael, anjo da guarda de Tobias, dá-lhe instruções específicas sobre como lidar com esse perigo. A caminho da casa da noiva, Tobias encontra um enorme peixe, que pula da água em suas mãos. Tobias é instruído a matar o peixe e a extrair seu coração, seu fígado e seu fel. Na noite de núpcias, ele deve queimar o coração e o fígado do peixe como uma oferenda de incenso para protegê-lo do maligno demônio. O fel deve ser aplicado aos olhos do seu pai cego a fim de devolver-lhe a visão.
A idéia simbólica que essa história envolve é que a coniunctio leva à morte – extinção da consciência – enquanto a energia do forte desejo instintual (o peixe) não tiver sido extraída de sua forma original e transformada em espírito (o incenso) – isto é, a compreensão consciente. Essa interpretação baseia-se numa passagem variante da Vulgata: “E o anjo Rafael disse a ele: ‘Ouve, e eu te mostrarei aqueles que o demônio tem o poder de vencer. Eles são aqueles que, na época do casamento, retiram Deus de seus pensamentos e se abandonam de tal forma aos seus instintos que não têm mais razão do que cavalos ou mulas.” (Tobias, 6: 16s.)
O fel do peixe, quando aplicado aos olhos do pai cego de Tobias, restaura-lhe a visão. O fel é amargo, correspondendo ao amargor do desejo frustrado. Mas a experiência da amargura, entendida de maneira adequada (aplicada aos olhos), traz sabedoria.
(…) as mais notáveis propriedades do sal são o amargor e a sabedoria… O fator comum a ambas, por mais incomensuráveis que as duas idéias possam afigurar-se, é, do ponto de vista psicológico, a função do sentimento. Lágrimas, sofrimento e decepção são amargos, mas a sabedoria é o consolo de qualquer dor psíquica. Na verdade, amargor e sabedoria formam um par de alternativas: onde há amargor, falta sabedoria e onde há sabedoria, não pode haver amargor. O sal, na qualidade de portador dessa alternativa fatídica, é atribuído à natureza feminina… O novilunium (treva) da mulher é a fonte de incontáveis decepções para o homem, que se entrega com facilidade ao amargor, embora essas decepções pudessem ser, da mesma maneira caso fossem entendidas, uma fonte de sabedoria.
A coniunctio inferior ocorre sempre que o ego se identifica com conteúdos provindos do inconsciente. Isso acontece de modo quase regular no curso do processo analítico. O ego vê-se exposto sucessivamente a identifiçações com a sombra, a anima/o animus e o Si-mesmo. Essas coniunctios contaminadas devem ter como sequência a mortificatio e uma separatio adicional. Uma sequência semelhante manifesta-se no aspecto extrovertido do processo. O ego identifica-se com determinados indivíduos, grupos, instituições e coletividades (transferências coletiva e individual). Essas identificações são misturas contaminadas, (…) Elas devem passar por uma purificação ulterior antes de a coniunctio superior ser possível.”
EDINGER, Edward F. Anatomia da Psique. O Simbolismo Alquímico na Psicoterapia, Ed. Cultrix 2006, Pág 230-231.
Capítulo 8 Coniunctio