(…) a sábia inocência encontrando o seu caminho pelo mundo? (…) Seria ele um símbolo dos nossos instintos, da nossa habilidade de fazer a coisa certa de forma espontânea, de nossa livre criança interior ainda não revestida de medo e condicionamento social? (…) alma prestes a encarnar em um corpo a fim de dar início à sua jornada de vida ou ainda o desenvolvimento que resultaria na perfeição mística?
(…) falarão de sua espontaneidade e liberdade, de sua inocência e alegria. Eles irão contar como ele se arrisca e como pode executar ações aparentemente impossíveis tão somente por escutar seus instintos e agir de acordo com eles como o herói de qualquer conto de fadas, deixando de lado a análise e a reflexão que tantas vezes nos paralisam quando precisamos fazer algo importante.
A ideia de um viajante, de um explorador em movimento, parece constituir uma resposta natural à imagem.
Essa característica do Louco como um espírito livre não é apenas um conceito. Se nos identificarmos com ele e permitirmos que a carta desperte um pouco dessa espontaneidade em nós mesmos, também podemos fazer e agir de acordo com o que é necessário no momento.
Com seus braços estendidos e a face alegre e despreocupada, O Louco parece prestes a cair de um penhasco. Sua figura é tão destemida por uma única e simples razão: ele nunca aprendeu a ter medo (…)
Não é apenas o instinto que inspira O Louco, pois instinto só funciona para satisfazer necessidades básicas, como fome ou segurança. Não, o Louco segue um caminho de deleite e fascínio, o que para ele é tão natural quanto comer.
Depois que criei essa carta, conheci uma mulher que me falou de um ensinamento nativo americano segundo o qual cada um tem uma criança espiritual dentro de si, e essa criança é a nossa porção que tem a capacidade de voar – mas isso só acontecerá se a conhecermos e a aceitarmos.
(…)
Grande Oriente (Waite, 1889, 1909): O Louco significa a consumação de tudo, quando aquele que começou seu ritual de iniciação em zero atinge o termo de toda a numeração e existência. Essa carta passa por todas as outras, sendo alterada em cada uma delas, como o homem comum que passa por muitos mundos de experiência banal até alcançar outros de completa realização.
(…)
A ideia de um santo tolo sugere um homem simplório tocado por Deus, alguém que pode dizer ou fazer coisas profundas por não ser como o resto de nós, por não ser “normal”. Por outro lado, o bobo da corte não é uma fi gura sagrada, mas cabe a ele dizer e fazer o que figuras mais estabelecidas da sociedade não podem, como desafiar um rei, por exemplo. Assim como O Louco do tarot, o bobo da corte não tinha um lugar fixo na hierarquia social. Ele estava abaixo de todos os nobres e, no entanto, tinha certa liberdade, pois sob a máscara de suas piadas, dizia coisas que nenhum cavalheiro ou dama ousaria expressar.
Ainda assim, pesquisas recen tes apontam o coringa como tendo uma origem independente, surgindo de um “clube de cavalheiros da Nova York no século xix. Por outro lado, há se melhanças suficientes entre o Louco e o Coringa para apontar uma origem comum, partindo ambos do mesmo arquétipo: uma figura que ganha eco poder por não ter lugar fixo na estrutura regular da sociedade.
Uma das razões da versão moderna do Mago, carta 1, exibir o sinal de infinito um 8 tombado acima de sua cabeça é que este primeiro “alguma coisa” carrega a lembrança daquele glorioso “nada”.
Pense nos vários papéis que você desempenha em sua vida seu trabalho, seus deveres como pai, mãe, filho ou filha ou como conjuge. Com cada um, diga a si mesmo na verdade, lembre a si mesmo disso, pois não se tra ta de algo que você ainda não saiba – “Eu não sou esses papéis, esses deveres, essas responsabilidades. Eu sou livre. Eu não sou nada disso.” Pense em todas as coisas que as pessoas acreditam a seu respeito, aquelas que seu marido ou esposa dizem com tanta confiança sobre seu comportamento, as falas de seus filhos adolescentes, as opiniões emitidas por seu chefe ou por vizinhos. Diga a si mesaso: “Eu não sou isso. Eu sou livre. Eu não sou nada disso”.
(…)”Eu não sou isso. Eu sou livre. Eu não sou nada disso . O Louco não se considera inocente ou livre. Ele apenas o é.
Waite foi um dos primeiros a ir ao encontro da nossa visão moderna para esse arcano: “Ele é um principe de wutro mundo se aventurando neste tudo em meio à glória matutina e sa encontro dos ventos cortantes. Ele é um espirito em busca de experiência.
(…) quando se trata do oficio do Louco Místico e do seu processo de divinação superior. (…) “O Louco significa a consumação de tudo que existe, uma vez que aquilo que começou sua iniciação no estágio zero atinge o termo de toda numeração e de toda existência. Essa carta passa por todas as outras cartas numeradas e se modifica em cada uma delas, à medida que o homem natural passa por mundos de experiència, mundos de sucessivas realizações (itálico meu).
(…) Uma é que ele como todos nós começaria sua existência ignorando sua verdadeira natureza.
Assim, o Louco começa sua jornada do zero (carta 0), ou seja, em um completo vazio de conhecimento e experiência, e se desenvolve passo a passo até atingir sua plenitude de realização-ao menos nessa vida, talvez na carta 21, O Mundo.
Visto de uma maneira um tanto diferente, podemos descrever o Louco como aquele dentro de nós que não para ou que nunca é aprisionado em ne huma das outras cartas. Essa é a própria noção de ser livre, de não ser nada em espeífico.
O Louco também nos lembra da importância de seguirmos em frente. (…)
O antigo texto chínés Tao Te Ching (O Livro do Caminho e da Virtude) (…)
A pessoa sábia ouve falar do Tao e o pratica todos os dias.
A pessoa comum ouve falar do Tao e pensa nele de vez em quando.
O louco ouve falar do Tao e dá risada.
Sem o riso, o Tao não seria o que é.
(…) “Não faça nada e tudo será feito. (…) “Aqueles que sabem nada falam. Aqueles que falam nada sabem”. Esse provérbio não é sobre guardar segredos; antes, é sobre uma consciência que não pode ser decomposta em fórmulas, explicações e palavras.
(…)Lao-tzu diz: “Do Tao vem o Um. Do Um vem Dois. Do Dois vem o Três. E do Três vem dez mil outras coisas”. Nas pala vras do tarot: do 0, do vazio do Louco, vem a primeira carta, 1, O Mago, uma imagem de energia fluindo para a existência. Uma vez que há essa primeira ação, dela vem sua contraparte, a quietude, fazendo assim com que a carta 2, A Sacerdotisa, venha do Mago. Some 1 e 2 e você terá 3. Ou seja, pegue os principios duais do Mago e da Sacerdotisa luz e escuridão, movimento e repouso, consciência e mistério, combine-os e você terá a natureza, a realidade. Esta é a carta 3, A Imperatriz.
Antes, há no Louco apenas uma coisa: movimento (…)
Considere um bebê recém-nascido a Golden Dawn imaginou O Louco justamente assim, como uma criança.
(…)o Louco nos permite reconhecer – ou seja, reconhecer, nos tornarmos novamente conscientes de algo que potencialmente já sabíamos. (…)
Quase todas as sociedades contam a história de um paraíso perdido em algum passado distante. O Louco parece comunicar como seria viver em tal estado ideal. De fato, alguns tarólogos descrevem o Louco como Adão e Eva antes da “queda”.
No sistema cabalístico de Éliphas Lévi, ainda seguido por muitos leitores, O Louco ocupa a penúltima posição entre os Maiores, entre a carta 20, O Julgamento, e a carta 21, O Mundo.
(…) ele carrega consigo todos os seus pertences. Alguns tarólogos interpretam a bolsa que ele leva como se representasse suas vidas passadas (…) Rider, a bolsa tem o desenho de uma águia, símbolo de um espírito altivo. A pluma vermelha que ele usa no alto de sua cabeça sugere que seu verdadeiro lar são os céus.
No Rider, o Louco carrega uma rosa, símbolo de paixão. Este príncipe de outro mundo a segura levemente, livremente.
Seus significados primários são de espontaneidade e de liberdade, da nossa capacidade de agir por instinto em vez de partir sempre de um planejamento cuidadoso.”
POLLACK, Rachel.Bíblia Clássica do Tarot, Darkside, 2023, Pág.45-59.