“Hoje sabemos que o número oito é um número de individuação, uma expressão de totalidade. O simbolismo do dilúvio e do batismo nos diz, por conseguinte, que, ao passarmos pela água da solutio, nos tornamos inteiros -isto é, relacionados com o Si-mesmo.
Jung menciona a interpretação que os peratas (membros de uma seita gnóstica) davam ao Mar Vermelho: “O Mar Vermelho engoliu os egípcios, mas egípcios são todos os ‘ignorantes’… O Mar Vermelho é a água da morte para os ‘inconscientes’, mas, para os que são ‘conscientes’, é a água batismal do renascimento e da transcendência. ” Agostinho diz: “O Mar Vermelho significa o batismo” e, de acordo com Honório de Auto, “o Mar Vermelho é o batismo avermelhado pelo sangue de Cristo, no qual nossos inimigos, isto é, nossos pecados, são engolidos”.
(…) “E saibas que nosso Mar Vermelho é uma tintura mais poderosa do que todos os mares e que [ele] penetra todos os corpos.” O termo “nosso Mar Vermelho” refere-se à aqua permanens, o solvente universal isto é, a forma líquida da Pedra Filosofal. Assim, aquele que passou pela solutio do Mar Vermelho é o alvo da opus, o Si-mesmo. Ou, dito de outro modo, o Mar Vermelho é a totalidade da psique, o agente da solutio que o ego deve encontrar e pelo qual deve passar em sua jornada para a individuação (ver figura 3-14).
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O Mar Vermelho tinha, para os alquimistas, vários significados interpenetrantes. (1) Era a transição crucial do êxodo. Equiparava-se a fuga dos israelitas da escravidão com a redenção do valor perdido, oculto nas trevas da matéria e, na verdade, com todo o processo alquímico de transformação. (2) Tinha o significado geral do mar o caos original, a fonte criadora de tudo o que veio a ser em termos psicológicos, o inconsciente. (3) Sua cor rubra levava-o a ser associado com a cor da Pedra Filosofal e da tintura transformadora. Assim, o Mar Vermelho era não apenas a prima materia, mas também o alvo da opus. Encontrava-se vinculado, de igual maneira, com o sangue redentor de Cristo e com o “sangue do cordeiro” descrito no Apocalipse: “Quem são estes que vêm cobertos de vestimentas brancas?… São os que vêm de uma grande tribulação, e lavaram suas vestes, e as tornaram brancas no sangue do Cordeiro. Por isso estão diante do trono de Deus, e o servem, de dia e de noite, no seu templo.” (Apoc., 7: 14, 15, AV.).
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O batismo literal de sangue era praticado no taurobóleo do mitraísmo. O sangue associa-se ao elemento fogo, logo, o simbolismo do sangue combina com o fogo e com a água – isto é, com as imagens da calcinatio e da solutio.
Psicologicamente, a sujeira (ou pecado) lavada pelo batismo pode ser compreendida como inconsciência, qualidades da sombra de que não nos damos conta. A limpeza psicológica não significa pureza literal, mas consciência da própria sujeira que há na pessoa. Quando se é limpo em termos psicológicos, não se contamina o próprio ambiente com projeções de sombra (ver figura 3-15).
EDINGER, Edward F. Anatomia da Psique. O Simbolismo Alquímico na Psicoterapia, Ed. Cultrix 2006, Pág.90-92.
Capítulo 3 Solutio