“Como se indicou no capítulo precedente, a separatio está intimamente vinculada ao simbolismo da mortificatio, o que significa que a separatio pode ser experimentada como morte. A extração do espírito da pedra ou da alma do corpo corresponde à extração do sentido ou do valor psíquico a partir de um objeto ou situação concretos e particulares. O corpo isto é, a manifestação do conteúdo psíquico então morre. Isso corresponde à retirada de uma projeção, a qual, se for de monta, envolve um processo de lamentação.
(…)A morte de um pai, de um irmão ou irmã, de um filho, de um amante, de um cônjuge, é uma crise de individuação que desafia os estados elementares de identificação e de participation mystique. O vínculo inconsciente do ego com o Si-mesmo encontra-se imerso nessas identificações primárias e esta é a razão pela qual uma morte desse tipo é essencial. Ela levará, quer a um aumento da percepção do Si-mesmo, quer a efeitos negativos, regressivos e até fatais, caso o potencial para a consciência seja abortado. Não é incomum, depois de uma grande aflição, que o sobrevivente morra pouco depois, devido a suicídio, a um acidente ou a uma doença fatal.
O objetivo da separatio alcançar o indivisível, isto é, o indivíduo, Para Anaxágoras, a entidade indivisível é o Nous, que também inicia o processo da separatio. Cito por extenso seu importante Fragmento (Diels):
“Todas as outras coisas compartilham de uma porção de tudo, ao passo que o Nous é infinito e regido por si mesmo; e com nada se mistura, sendo sozinho, ele mesmo por si mesmo. Porque, se ele não fosse por si mesmo, mas fosse misturado com alguma outra coisa, partilharia de todas as coisas se fosse misturado com alguma delas; porque em tudo há uma porção de tudo, como eu disse antes, e as coisas misturadas com ele o atrapalhariam, de modo que ele não teria poder sobre nada, ao contrário do que ocorre agora, em que é sozinho por si mesmo. Porque ele é a mais delicada de todas as coisas e a mais pura, e tem todo o conhecimento sobre tudo e a maior força; e o Nous tem poder sobre todas as coisas, tanto maiores quanto menores, que têm vida. E o Nous teve poder sobre toda a revolução, de maneira que começou a revolver-se no princípio. E ele começou a revolver-se, de início, a partir de um pequeno princípio; mas agora a revolução se estende sobre um espaço mais amplo, e se estenderá sobre um espaço mais amplo ainda. E todas as coisas que se acham misturadas, separadas e distintas são, todas elas, conhecidas do Nous. E o Nous colocou em ordem todas as coisas que viriam a ser, bem como todas as coisas que eram e hoje não são e todas as coisas que hoje são, e essa revolução em que hoje se revolvem as estrelas, o sol e a lua, assim como o ar e o éter que estão separados. E essa revolução causou a separação, e o rarefeito é separado do denso, o quente do frio, a luz da treva e o seco do úmido. E há muitas porções em muitas coisas. Mas nada é totalmente separado ou distinto de tudo o mais, exceto o Nous. E todo Nous é igual, tanto o maior quanto o menor, enquanto nenhuma outra coisa é igual a qualquer coisa, mas cada coisa simples é e foi de forma mais manifesta as coisas de que tem mais em si.
O Nous de Anaxágoras pode ser entendido em termos psicológicos como o Si-mesmo em seu aspecto dinâmico, que é, a um só tempo, a fonte e o objetivo da operação de separatio.
(…)
Outro poderoso documento relativo à separatio também foi produzido em nome de Basilides, a saber, o inspirado escrito de Jung intitulado “Sete sermões aos mortos”. A parte relevante é a seguinte:
“A nossa própria natureza é distinção. Se não formos fiéis a essa natureza, não nos distinguiremos o suficiente. Por conseguinte, temos que fazer distinções de qualidades.
Qual o prejuízo, perguntareis, em não se distinguir a si mesmo? Se nos distinguimos, ultrapassamos nossa própria natureza, afastando-nos da criatura. Caímos na indistinção, que é a outra qualidade do pleroma. Caímos no próprio pleroma e cessamos de ser criaturas. Entregamo-nos à dissolução no nada. Essa é a morte da criatura. Portanto, morremos na medida em que não nos distinguimos. Daí o esforço natural da criatura para alcançar a distinção, para lutar contra a perigosa igualdade primeva. Dá-se a isso o nome de PRINCIPIUM INDIVIDUATIONIS. Esse princípio é a essência da criatura. A partir dele podeis ver por que a falta de distinção e o indistinto são um grande perigo para a criatura.”
EDINGER, Edward F. Anatomia da Psique. O Simbolismo Alquímico na Psicoterapia, Ed. Cultrix 2006, Pág 217-221.
Capítulo 7 Separatio