“Entretanto, em muitos momentos lamenta-se por ter perdido suas convicções e, se estamos tratando de coisas invisíveis e desconhecidas (pois Deus está além do entendimento humano e não temos meios de provar a existência da imortalidade), por que exigimos provas e evidências? Mesmo que o raciocínio lógico não confirmasse a necessidade de sal na comida, ainda assim tiraríamos proveito de seu uso. Poder-se-ia argumentar que o uso do sal é uma simples ilusão do paladar ou uma superstição; nem por isso o seu emprego deixaria de contribuir para o nosso bem-estar. Por que, então, privar-nos de crenças que se mostram salutares em nossas crises e dão um certo sentido a nossas vidas?
E o que nos permite afirmar que essas ideias não são verdadeiras? Muitas pessoas concordariam comigo se eu declarasse categoricamente que elas talvez não passem de ilusões. O que não se percebe é que uma declaração dessa ordem é tão impossível de “provar” quanto a defesa de uma crença religiosa. Temos toda a liberdade para escolher nosso ponto de vista a respeito desse assunto; mas, de qualquer maneira, será sempre uma decisão arbitrária.
Há, no entanto, um forte argumento empírico que nos estimula a cultivar pensamentos que não se podem provar: são pensamentos e ideias reconhecidamente úteis. O homem realmente necessita de ideias gerais e convicções que lhe deem um sentido à vida e lhe permitam encontrar seu próprio lugar no mundo. Pode suportar as mais incríveis provações se estiver convencido de que elas têm um sentido. Mas sente-se aniquilado se, além dos seus infortúnios, ainda tiver de admitir que está envolvido numa “história contada por um idiota”.
O papel dos símbolos religiosos é dar significação à vida do homem.
É a consciência de que a vida tem uma significação mais ampla que eleva o homem além do simples mecanismo de ganhar e gastar. (…) Se São Paulo estivesse convencido de que era apenas um tecelão ambulante, não teria se tornado o homem que foi. Sua vida real, aquela que tinha verdadeiro valor, repousava em sua intima convicção de que era o mensageiro do Senhor. Podem acusá-lo de megalomania, mas é uma opinião que se enfraquece ante o testemunho da história e o julgamento das gerações subsequentes. O mito que se apoderou de são Paulo fez dele algo muito maior que um mero artesão.
A origem dos mitos remonta ao primitivo contador de histórias, aos seus sonhos e às emoções que a sua imaginação provocava nos ouvintes. Esses contadores não foram gente muito diferente daquelas que gerações posteriores chamaram de poetas ou filósofos.
(…) O Talmude mesmo já dizia: “O sonho é a sua própria interpretação.” A confusão nasce do fato de os seus conteúdos serem simbólicos e, portanto, oferecerem mais de uma explicação.”
JUNG, Carl Gustav. O Homem e seus símbolos. Ed. Harper Collins, 2016, Pág 109-112.
I Chegando ao inconsciente
Carl G. Jung