Asfixia

“Quanto mais aprendemos sobre ciência, mais percebemos que seus maravilhosos mistérios são todos explicados por umas poucas leis simples tão interligadas e tão dependentes umas das outras, que vemos a mesma mente animando todas elas. (Olympia Brown, 1835-1900)

(…)

A asfixia é um estado químico e fisiológico que resulta da incapacidade de se obter o oxigênio adequado para o metabolismo das células e para eliminar o excesso de dióxido de carbono.

(…)

Hynek tentou confirmar as alegações de LeBec com uma observação que ele fez enquanto servia no exército austro-germânico na Primeira Guerra Mundial. Hynek testemunhou o enforcamento de soldados condenados pendurados pelos pulsos com seus pés pouco acima do chão. Os tinham que se erguer para expelir o ar dos pulmões. Depois de um curto período, ocorreram violentas contrações de todos os músculos, causando severos espasmos. O indivíduo torturado tinha extrema dificuldade para expirar, causando a asfixia. Isso durava cerca de dez minutos, e depois ele era retirado da forca. Barbet reforçou as observações de Hynek com o depoimento de dois prisioneiros do campo de concentração de Dachau, que também testemunharam o enforcamento de um condenado de modo similar. Os prisioneiros recordaram que o condenado tinha dificuldade para respirar e continuamente erguia o corpo num esforço para tomar fôlego, até que ficou muito exausto e morreu por asfixia.

Ambas as observações são muito interessantes, mas somente seriam válidas quando aplicadas a indivíduos cujos braços estão suspensos diretamente acima da cabeça e as pernas pendendo livres. Além do mais, isso não é aplicável de forma alguma à suspensão na cruz; seria como comparar maçãs com laranjas.

(…)

O padrão de bifurcação do ferimento do pulso não se deve ao fato de inclinar e retesar o corpo, como foi presumido por Barbet, porque experiências revelam que o ângulo do pulso não muda quando o corpo é retesado. (…) Além disso, se os pulsos tivessem sido mesmo pregados, particularmente com um prego quadrado, eles estariam firmemente fixados, impedindo qualquer mudança no ângulo.

É possível que, quando o prego foi removido do pulso de Jesus, um coágulo ou sangue seco foi perturbado, fazendo com que o sangue escorresse durante a remoção da cruz. 

(…)

O ato de quebrar as pernas, chamado skelokopia ou crurifragium, foi o argumento final a priori de Barbet para apoiar sua teoria de que Jesus teria morrido por asfixia. De acordo com Barbet, se as pernas estivessem quebradas, o crucarius estaria impossibilitado de se erguer para respirar. O ritual do crucifagium  era comumente executado quando a vítima se encontrava a beira da morte, como uma espécie de golpe de misericórdia para apressar o processo causando um severo choque traumático e hemorrágico. (…) Uma única fratura em um osso femoral (o osso da coxa), pode resultar na perda de dois litros de sangue, e mais de quatro litros serão perdidos se os dois ossos femorais forem fraturados. A quebra das pernas causaria uma grave hipovolemia, acrescida à perda de sangue e de fluidos corporais por causa do açoitamento, da hematidrose e do suor excessivo, além da perfuração dos pés e mãos, do tempo na cruz etc. Em alguns casos, uma volumosa embolia pode ocorrer, resultando em morte rápida. Como o crucarius já se encontrava em severa condição de a fraqueza por causa do choque, a acentuada hemorragia resultante da fratura dos ossos das pernas e a violenta dor iriam aprofundar o nível do choque traumático e hipovolêmico, com consequente queda na pressão sanguínea e rápido congestionamento nas extremidades inferiores, resultando em perda da consciência, coma e morte. (…) O crurifragium tinha uma segunda função – prevenir que a vitima se arrastasse depois da remoção da cruz se ainda estivesse viva e, assim, evitar que fosse devorada por animais selvagens.

(…)

É interessante notar, do ponto de vista da patologia forense, que em um caso de crucificação real, os pés e mãos estariam extremamente inchados e doloridos pelo fato de estarem pregados à estaca e à barra horizontal, respectivamente, ambos piorando com o tempo. Qualquer pressão feita contra os pregos nos pés seria completamente intolerável.

É interessante notar que o professor Baima Bollone repudiou a hipótese de asfixia com base no fato de que Jesus não poderia falar se Ele estivesse com falta de oxigênio, e é sabido que Ele fez isso várias vezes enquanto esteve na cruz.

(…)

1) Os resultados desses estudos desmentem esmagadoramente a teoria da asfixia como causa da morte.

2) Não existe dificuldade para respirar na posição da cruz.

3) A posição dos voluntários na cruz foi completamente compatível com os critérios postulados por Barbet.

4)  Os testes de oximetria auricular, gases do sangue e testes respiratórios complementares mostram evidências de que o nível de oxigênio permaneceu normal ou aumentou.”

ZUGIBE, M.D, Ph.D. Frederick T.  A Crucificação de Jesus: As Conclusões surpreendentes sobre a morte de Cristo na visão de um investigador criminal. São Paulo: MATRIX, 2008, pág. 131-155.

Descida da Cruz

“O Corpo de Jesus foi transportado horizontalmente, mas tal qual se achava na cruz, até a proximidade do túmulo; somente ali é que foi depositado na Mortalha.

(…) se as coisas se tivessem passado de outra forma, a parte posterior do Sudário teria ficado inundada de sangue durante o transporte.

A maior parte do sangue se perdeu (…) Dele não restou senão o que se coagulou sobre a pele, pouco a pouco, enquanto escorria. Depois que o corpo foi assim transportado nu e colocado, após o transporte, na Mortalha, recebeu unicamente a impressão dos coágulos de sangue, forma dos sobre a pele das costas durante o trajeto.

De que maneira então foi Jesus Cristo transportado sem que lhe tocassem o corpo?

Sobreveio a morte, como propôs Dr. Le Bec e como confirmou, por observação experimental, Dr. Hynek, após contrações tetânicas de todos os músculos. Essas dolorosas cãibras generalizadas constituem aquilo que chamamos de tetania. Esta nada tem a ver (insisto para os não médicos) com o tétano, doença infecciosa que produz cãibras análogas. Essa tetanização acabou por atingir os músculos respiratórios, de onde a asfixia e a morte. O condenado não podia escapar à asfixia senão erguendo-se sobre os cravos dos pés, para diminuir a tração do corpo sobre as mãos; cada vez que quisesse respirar mais livremente ou falar, deveria ele assim se erguer sobre os cravos dos pés, é verdade que à custa de outros sofrimentos.

(…)

Vimos, além disso, que o duplo fluxo de sangue do punho cor responde a esta dupla posição, alternante, com suas duas angulações um pouco divergentes. Nestas condições a rigidez cadavérica deveria ser extrema, como com os doentes que vêm a morrer de tétano: o corpo estava rígido, fixado na posição da crucifixão. Podia ser levantado sem que se dobrasse, seguro apenas pelas duas extremidades, como um corpo em catalepsia.

Dado isto, é possível: a) despregar os pés arrancando os cravos do stipes; b) abaixar o patibulum com o corpo rígido; c) transportar o conjunto sem nenhum artifício: dois homens sustentando as duas extremidades do patíbulo e um outro sustentando os pés, ou até só o pé direito que ficara por trás, na altura do tendão-de-Aquiles e do calcanhar. Esta do corpo foi assim a única tocada durante o transporte.

3.- Ora, na impressão do pé direito sobre o Sudário, verifica-se precisamente: a) que a parte posterior do calcanhar está mal marcada, o que contrasta com o resto da impressão plantar, bastante nítida; isto faz parecer, à primeira vista (como já o notamos), que o pé é mais curto do que na realidade; b) que o fluxo de sangue que desceu, durante o transporte horizontal, da chaga plantar para o calcanhar, não atingiu a parte posterior deste, parte mal-marcada no Sudário. Explica-se isto, facilmente, se esta parte estivesse de fato coberta pelas mãos do transportador, que sujaram o calcanhar e impediram o sangue de correr até lá.

É provável que tivessem sido cinco os transportadores, e não três para carregar aquele corpo de cerca de 80 quilos e o pesado patíbulo que pesava não menos de 50 quilos. Os dois suplementares sustentavam o tronco, por meio de um pano torcido para formar uma cinta, que atravessaram por sob a parte inferior do tórax, na altura dos rins,

(…) O fluxo de sangue que se coagulou, transversalmente nas costas, está constituído por meandros irregulares, várias vezes bifurcados e depois se reunindo de novo, o que está pouco de acordo com um fluxo regular de sangue que não tenha tocado em coisa alguma, 3º- Ao contrário, um pedaço de pano irregularmente torcido, sustentando a parte inferior do tórax, deve necessariamente ter-se impregnado completamente de sangue durante o transporte; do qual pequena parte se coagulou, irregularmente, à superfície da pele que podia atingir diretamente, através das pregas do tecido, nos pontos em que este não a comprimia.

A rigidez cadavérica, que permitiu que se transportasse o corpo sem que se dobrasse sob a influência de seu peso, não é um obstáculo que impeça estando o cadáver colocado na Mortalha despregadas as mãos e retirado o patibulumque se levassem os braços da abdução para a adução, e se cruzassem as mãos diante do púbis A experiência nos mostra que não há rigidez cadavérica que não se consiga vencer com um pouco de força, ainda que tenha sido bastante intensa para resistir ao peso do corpo.

1) Os pés são despregados do “stipes”, havendo um só crave a arrancar da madeira.

2) Abaixa-se o patíbulo com o corpo, sem despregar as mor O conjunto é transportado em bloco, sem nenhum artificio, por cinco carregadores, dos quais só um toca o corpo na altura dos calcanhares; outros dois sustentam o dorso com um pano enrolado para uma cinta, que se impregna de sangue. Os dois últimos levam as extremidades do patíbulo.

3) O corpo só foi colocado no Sudário no fim do transporte, durante o qual uma pequena pane do sangue se coagulou transversalmente, nas pregas da cinta, sobre a pele das costas. Esses coágulos em forma de meandros irregulares darão lugar ao “fluxo transversal posterior” ao se decalcarem, ainda frescos, sobre o Sudário.

4) Colocam o corpo no Sudário (provavelmente sobre a pedra chamada da unção). No último instante devem ter cessado de sustentar o dorso com a cinta que, embebida de sangue, teria manchado muito o Sudário.

5) Despregam as mãos, retiram o patíbulo e puxam os membros superiores, cruzando as mãos diante do púbis.

6) Dobram em seguida a outra metade do Sudário, por cima da cabeça (“epi ten kephalen”), cobrindo a face anterior do corpo.

7) Deposição no túmulo.”

BARBET, Pierre. A Paixão de Cristo, segundo o cirurgião. São Paulo: Edições Loyola, 2014, pág. 158-161.

 

Causas da Morte Rápida

“A) CAUSAS PREPARATÓRIAS

Jesus, com efeito, não tivera senão cerca de três horas de agonia, o que é, realmente, muito pouco para um crucificado. Os ladrões sobreviveram e só vieram a morrer logo depois, porque, ao lhes quebrarem as pernas, lhes aceleraram a asfixia. Tinham os judeus pedido isso a Pilatos, por quererem enterrar os três corpos antes do anoitecer. A lei judaica mandava que os crucificados fossem retirados da cruz e sepultados no mesmo dia. A isto acrescia que era véspera do sábado e, mais ainda, véspera da grande festa de Páscoa. Era a “paraskeue”.

(…) Não era raro, segundo Orígenes, vê-los sobreviver toda a noite e o dia seguinte.

(…)

Ele próprio dissera a seus apóstolos: “Minha alma esta até a morte”, expressão semita para designar uma “tristeza mortal”. Esta grave perturbação pode acarretar um fenômeno conhecido em medicina, do qual São Lucas, como médico, dá uma descrição perfeitamente clínica e surpreendente em sua brevidade. O fenômeno, aliás é a raro, é provocado por um grande abalo moral, seguido de profunda emoção e de grande medo.

(…)

Depois continua Lucas: (…) e, entrando em agonia, orava com mais instância. E o suor tornou-se como que gotas de sangue caindo até o solo” (Le 22.24). O texto grego, porém diz com mais exatidão: “Egéneto ho hidrós autou hosei thromboi haímatos katabaínontes epi en gen’. Ora, trombos” quer dizer “coágulo”.

O fenômeno, que em linguagem técnica chamamos “hematidrose, consiste em intensa vasodilatação dos capilares subcutâneos. Distendidos ao extremo, rompem-se em contato com milhões de glândulas sudoríparas espalhadas por toda a pele. Essa mesma vasodilatação provoca intensa secreção das glândulas sudoríparas. O sangue se mistura com o suor, e esta mescla poreja por toda a superfície do corpo. Mas, uma vez em contato com o ar, o sangue se coagula. Os coágulos assim formados sobre a pele caem por terra, levados pelo abundante suor. Pôde então escrever São Lucas, como bom médico e bom observador: “E seu suor tornou-se como que coágulos (não gotas) de sangue que caíam até o solo”.

Deste fenômeno podemos tirar logo duas consequências. A primeira é ter havido considerável diminuição da resistência vital após esta hemorragia, que é grave, dada a extensão da superfície em que se produz. Depois, assinalaremos como segunda consequência o estado anormal em que ficou a pele por ter sangrado na intimidade de suas glândulas sudoríparas, em toda a superfície do corpo. Ficou assim mais sensível, dolorida e, portanto, menos apta a suportar as violências e os golpes que iriam atingi-la na noite e no dia seguinte, até culminar com a flagelação e crucifixão.

(…)

Na mesma série de causas de enfraquecimento, devemos enumerar também as sevícias suportadas durante a noite, sobretudo entre os dois interrogatórios, durante os quais foi ele a presa e o escárnio de uma turba infame de criados do templo, “estes cães sanguinários”, como os chama são João Crisóstomo. Ainda devemos acrescentar os golpes recebidos no pretório, após a flagelação e a coroação de espinhos; tapas, socos e até pauladas, porque a palavra que São Jerônimo traduz por “alapas” (= tapas), significa também e, fundamentalmente, “golpes desferidos com um bastão ou pedaço de pau”.

(…)

Encontramos o vestígio dessas sevícias na Santa Mortalha, em uma grande contusão da face direita e uma fratura da borda cartilaginosa do nariz. Mas todas essas pancadas, desferidas principalmente sobre a cabeça, podiam ter produzido também um abalo, talvez grave, aquilo que chamamos de comoção ou ainda contusão cerebral, que se caracteriza pela ruptura mais ou menos extensa de pequenos vasos nas meninges e cérebro.

(…) pelos traumatismos que vamos encontrar no Santo Sudário, foi sobretudo a selvagem flagelação e a coroação de espinhos suportada no pretório de Pilatos, no “Lithróstotos”, que devem ter provocado a perda de sangue mais grave.

B) CAUSA DETERMINANTE

(…) Os crucificados morriam todos asfixiados. 

(…) a fixação dos braços levantados, portanto em posição de inspiração, acarreta relativa imobilidade das costelas e grande incômodo na respiração; o crucificado tem a impressão de sufocamento progressivo. (…) O coração deverá trabalhar mais, suas pulsações se precipitam e enfraquecem. Segue-se uma certa estagnação nos vasos de todo o corpo. E “como, por outro lado, a oxigenação se faz mal nos pulmões que funcionam insuficientemente, a sobrecarga de ácido carbônico provoca excitação das fibras musculares e, como consequência, uma espécie de estado tetânico de todo o corpo“.

(…)

A recordação de um suplício, ou de grave punição, como se quiser chamar, em uso no exército austro-alemão para o qual fora recrutado como tcheco, na guerra de 1914-1918. Este castigo que denomina “aufbinden”, e que os nazistas tiveram o cuidado de não esquecer, consiste em suspender, pelas mãos, o condenado, a um pelourinho. Seus pés apenas tocam o solo com as pontas dos dedos. Todo o peso do corpo, e isto é importante, fica apoiado nas duas mãos fixadas no alto. Vê-se, em pouco tempo, surgir contrações violentas em todos os músculos, que terminam em um estado permanente de contratura, de rigidez em contração, destes músculos. É o que se chama, vulgarmente, de cãibra. Todos sabem quanto são dolorosas e que não se pode aliviá-las a não ser puxando o membro no sentido oposto aos dos músculos contraídos.

Começam estas cãibras nos antebraços, passam para os braços, estendendo-se aos membros inferiores e ao tronco. Muito rapidamente os grandes músculos que produzem a inspiração, grandes peitorais, esternocleido-mastoideos e diafragma são também tornados. Daí resulta que os pulmões se enchem de ar, mas não conseguem fazê-lo sair. Os músculos expiradores, também eles contraídos, são mais fracos que os inspiradores (a expiração se faz ordinariamente e sem es forço muscular, pela elasticidade dos pulmões e da caixa torácica).

Estando assim os pulmões em inspiração forçada e não podendo esvaziar-se, segue-se que a oxigenação normal do sangue que neles circula não mais se pode fazer e que a asfixia se apodera do paciente, da mesma forma como se fosse estrangulado. Fica no estado de um enfisematoso em plena crise de asma. (…)

Notemos que, além disso, a falta de oxigenação do sangue pulmonar acarreta, nos músculos, onde continua a circular, uma asfixia local com consequente acumulação de ácido carbônico (segundo a exata observação de Le Bec), que, por uma espécie de círculo vicioso, aumenta progressivamente a tetanização destes mesmos músculos.

(…) A simples punição não podia, segundo o testemunho de Hynek, durar mais do que dez minutos, Mais tarde, nos campos de concentração nazistas, prolongaram-na até o assassinato.

(…)

Resulta deste testemunho, como também da observação, a Deus, menos prolongada de Hynek, que a suspensão pelas mis acarreta asfixia com contrações generalizadas, de acordo com as previsões de Le Bec. Os crucificados, pois, morriam todos de asfixia, após longo período de luta.

(…)

Depois da crucifixão, o corpo se abaixava e descia notavelmente, como o veremos, ao mesmo tempo que os joelhos se dobravam mais. O paciente podia então tomar ponto de apoio nos pés fixados à haste vertical da cruz, soerguer todo o corpo e reconduzir para a horizontal os braços que, em virtude do abaixamento, tinham um ângulo de 65° com a horizontal. Muito reduzida, desta forma, a tração sobre as mãos, diminuíam as cãibras e, momentaneamente, de saparecia a asfixia pela restituição dos movimentos respiratórios… Depois, sobrevindo a fadiga dos membros inferiores, era o crucifica do obrigado a ceder e a asfixia voltava de novo. Toda a agonia se passava na alternância de abatimentos e soerguimentos, de asfixia e de respiração. Disso temos a prova material no Santo Sudário, onde podemos assinalar um duplo fluxo de sangue vertical que sai da chaga da mão, com um afastamento angular de alguns graus. Um corresponde à posição de abaixamento, e o outro, à de soerguimento Dez (cf. fig. 20, adiante).

Percebe-se logo que um indivíduo esgotado como estava Jesus não haveria de poder prolongar essa luta por muito tempo. Por outro lado, quando julgasse, em sua suprema sabedoria, que chegara o momento de morrer, que “tudo estava consumado”, podê-lo-ia fazer com a máxima facilidade, interrompendo a luta.

(…) dispunham os carrascos de meio seguro para provocar morte quase instantânea nos crucificados: quebrar-lhes as pernas. Este processo, aliás muito usado em Roma, era bem conhecido. (…) Foi este “crurifragium” que os judeus, preocupados em fazer desaparecer os corpos antes do pôr do sol, foram pedir a Pilatos.

(…)

Os supliciados não podiam resistir à asfixia a não ser erguendo-se sobre os pés. Se lhes forem quebradas as pernas, ficarão absolutamente impossibilitados de se erguer. Então a asfixia os tomará completa e definitivamente, e a morte sobrevirá em espaço muito curto.

(…)

(…) a tetanização e a asfixia, indubitáveis para um médico, provam que as impressões do Sudário estão de acordo com a realidade: esse corpo morreu como um corpo crucificado.

Ali vemos, com efeito, os dois grandes peitorais, os mais poderosos músculos inspiradores, em contração forçada, dilatados e repuxados em direção das clavículas e braços. Toda a caixa torácica está muito distendida em inspiração máxima. A cavidade epigástrica (vulgarmente conhecida como boca do estômago) está retraída por esta elevação e distensão para a frente e para fora do tórax, e não pela contração do diafragma, como escreve Hynek.(…) Essa distensão e elevação força da das costelas não pode deixar de realçar a massa abdominal; é por isso que se vê, por cima das mãos cruzadas, sobressair o hipogástrio, o baixo ventre.

(…)

Os longos fluxos de sangue, que descem dos carpos aos cotovelos, parecem seguir os sulcos bem-marcados que separam os músculos extensores das mãos, em antebraços contraídos. As coxas mostram fortes saliências musculares que, em um corpo aliás perfeita mente desenhado, evocam também a contração tetânica.

Na face posterior, a coluna cervical parece bastante inclinada para a frente, contrariando sua curvatura normal, o que quadra coma imagem anterior.

(…)

Eis, pois, a meu ver, claramente elucidadas, sob o ângulo de visão humano, científico (pobre ciência que não passa de uma ignorância disfarçada!), as causas da morte de Jesus: a) Causas predisponentes que são múltiplas e o levaram fisicamente diminuído, e esgotado, ao mais terrível suplício que já conseguiu inventar a malícia dos homens; b) uma causa determinante, final, imediata: a asfixia, que causava infalivelmente a morte.”

BARBET, Pierre. A Paixão de Cristo, segundo o cirurgião. São Paulo: Edições Loyola, 2014, pág. 81-95.

 

Arqueologia e Crucifixão

“A) USO DA CRUCIFIXÃO

É necessário, com efeito, chegarmos às conquistas de Alexandre, que a recebeu dos persas, para vê-la entrar na história helênica. Continuou aí a ser empregada sob os diádocos, na Síria sob os selêucidas, como Antíoco Epifânio, e no Egito sob os ptolomeus. Em Siracusa, cidade grega, Dionísio, o tirano, tê-la-ia talvez recebido dos cartagineses.

(…)

Em Roma, começou se a aplicar o verdadeiro suplício da cruz, durante as guerras, aos desertores, ladrões e, sobretudo, aos revoltosos vencidos. Em parte alguma foi este motivo mais abundantemente explorado que no país israelita: desde os 2.000 judeus sediciosos de Herodes, o Grande, até as hecatombes do cerco de Jerusalém, em que os romanos chegaram a crucificar 500 judeus por dia, segundo o testemunho de Flávio José, historiador de raça judaica (…)

Em tempo de paz, era primordialmente o suplicio dos escravos. (…)

No começo, a cruz estava reservada às revoltas coletivas, como a de Spartacus, da qual sabemos que, após sua repressão, 6,000 cruzes balizaram a estrada de Cápua a Roma. Mais tarde, porém, os proprietários receberam o direito de vida e morte, sem apelação, sobre seus escravos, considerados animais. A costumeira ordem de morte era “fone crucem servo-Impõe a cruz ao escravo”.

B) INSTRUMENTOS DA CRUCIFIXÃO

Geralmente a cruz regulamentar, se é que assim se pode falar, era formada por duas peças distintas.(…) Uma das peças, a vertical, enterrada permanentemente como um poste fixo, era o “stipes crucis -tronco da cruz”; a outra, móvel e que se fixava horizontalmente sobre a primeira, se chamava o “patibulum”.

1°) Stipes crucis- Digamo-lo em português: o tronco da cruz, porque “stipes” quer dizer tronco de árvore, estaca e ainda estaca pontiaguda. (…) “Crux (cruz) em latim, como “stauros” em grego, não é outra coisa senão uma estaca fixada verticalmente no chão. (…)

O significado da palavra “crux” estendeu-se, em seguida, ao conjunto dos dois paus ajustados um ao outro, tal como o concebemos hoje em dia, com a forma +.

(…)

Não devemos, nestas pesquisas sobre um suplício que era quotidiano, esquecer a noção de comodidade, já aperfeiçoada por não pequeno uso. E, por tanto, conveniente que nos coloquemos sempre na situação de um carrasco da época.

2°) Patibulum-Furca – (…) Mas, como nem sempre se tinha à mão uma “furca”, passou-se usar um pedaço de pau comprido que servia para trancar as portas e que se chamava “patibulum”  (…) Carregava-a, geralmente, sobre a nuca, tendo os dois membros superiores estendidos e amarrados sobre ela de modo que ficasse, desta forma, também impedido de atacar a quem quer que fosse.

(…)

3°) Conjunção dos dois pausFicavam, ordinariamente, os dois paus separados; (…) A priori, podia-se fazer de duas maneiras: ou inserindo-o em uma das faces da estaca ou apoiando-o sobre a extremidade dessa mesma estaca; fazia-se uma cruz (†) ou um T, o Tau maiúsculo do alfabeto grego.

(…) Quase todos os arqueólogos modernos pensam que a cruz romana era em T.

(…)

4°) Sedile – E possível que, em certos casos, se fixasse à parte anterior do “stipes”, em sua parte média, uma espécie de tolete horizontal, de madeira que passasse entre as coxas e sustentasse o períneo.

(…)

Ao estudar as causas da morte na crucifixão, veremos que este apoio era destinado a prolongar consideravelmente a agonia por diminuir a tração sobre as mãos, causa de tetania e asfixia.

(…)

5°)  Suppedanaeum – (…) fazendo os pés de Jesus repousar sobre um consolo horizontal ou oblíquo, sobre o qual estão pregados.”

BARBET, Pierre. A Paixão de Cristo, segundo o cirurgião. São Paulo: Edições Loyola, 2014, pág. 52-55.