Sobre Templos e Museus

“Sempre que é objeto de uma interpretação que a encara como biografia, história ou ciência, a poesia presente no mito fenece. As vividas imagens estiolam-se em fatos remotos de um tempo ou céu distantes. Ademais, jamais há dificuldade em demonstrar que a mitologia, tomada como história ou ciências, é um absurdo. Quando uma civilização passar interpretar sua mitologia deste modo, a vida lhe foge, os templos transformam-se em museu e o vínculo entre as duas perspectivas é dissolvido. Uma tal praga certamente se abateu sobre a Bíblia e sobre grande parte do culto cristão.”

Campbell, Joseph. O herói de mil faces. Pensamento, São Paulo, 2007, pp. 244-245.

Princípios da Crença Wiccana / Conselho dos Bruxos Americanos – 1974

  1. Nós praticamos ritos para nos sintonizar com os ritmos naturais das forças vitais, marcados pelas fases da Lua e pelas mudanças e pelos ápices das estações.
  2. Reconhecemos que nossa inteligência nos dá uma responsabilidade única com relação ao nosso meio ambiente. Procuramos viver em harmonia com a natureza, em equilíbrio ecológico, oferecendo condições à vida e a consciência segundo uma visão evolutiva.
  3. Reconhecemos a existência de um poder muito maior do que aquele que se manifesta na pessoa comum. Por sem bem maior que o normal, ele é às vezes chamado de “sobrenatural”, mas o vemos como uma parte natural do potencial de todos.
  4. Compreendemos que o Poder Criativo do Universo se manifesta por meio da polaridade – como masculino e feminino – e que esse mesmo Poder Criativo habita em todas as pessoas e age por meio da interação entre o masculino e o feminino. Não valorizamos um mais do que o outro, porque sabemos que se complementam. Valorizamos o sexo como prazer, como símbolo e corporificação da vida e uma das fontes de energia usada nas práticas mágicas e nos cultos religiosos.
  5. Reconhecemos a existência tanto dos mundos exteriores quanto dos interiores, ou psicológicos – às vezes conhecidos como Mundo Espiritual, Inconsciente Coletivo, Planos Interiores, etc – e vemos na interação dessas duas dimensões a base dos fenômenos paranormais e das práticas de magia. Não negligenciamos nenhuma das dimensões, pois ambas são necessárias para a nossa realização.
  6. Rejeitamos toda hierarquia autoritária, mas honramos aqueles que nos ensinam, respeitamos aqueles que compartilham seu conhecimento e sua sabedoria, e admiramos aqueles que corajosamente deram de si para exercer funções de liderança.
  7. Vemos a religião, a magia e a sabedoria de vida como uma unidade na forma pela qual uma pessoa vê o mundo e vive nele, uma visão do mundo e uma filosofia de vida que identificamos como Bruxaria – O Caminho Wiccano.
  8. Dizer-se Bruxo não faz de ninguém um Bruxo – tampouco a hereditariedade ou uma coleção de títulos, graus ou iniciações. O Bruxo busca controlar as forças de si mesmo que tornam a vida possível, de modo a viver com sabedoria e bem, sem prejudicar outras pessoas e em harmonia com a natureza.
  9. Acreditamos na afirmação e na plenitude da vida, numa contínua evolução e num contínuo desenvolvimento da consciência, dando sentido ao Universo que conhecemos e ao nosso papel dentro dele.
  10. Nossa animosidade com relação ao Cristianismo ou qualquer outra religião ou filosofia de vida só existe na medida em que essas instituições se proclamam “o único caminho”, negando a liberdade a outras entidades e reprimindo outras formas de crença e prática religiosa.
  11. Como Bruxos Americanos, nós não nos sentimos ameaçados por debates sobre a história da Arte, sobre as origens de vários termos, sobre a legitimidade de vários aspectos de diferentes tradições. Nós nos preocupamos com o nosso presente e com o nosso futuro.
  12. Não aceitamos o conceito de mal absoluto, nem adoramos a entidade conhecida como “Satanás” ou “Demônio”, como definido pela tradição cristã. Não buscamos o poder por meio do sofrimento de outros nem aceitamos o conceito segundo o qual benefícios pessoais só podem ser obtidos pela negação do outro.
  13. Acreditamos que devemos buscar na natureza o que pode contribuir para a nossa saúde o nosso bem-estar.

Buckland, Raymond. Livro completo de bruxaria de Raymond Buckland: tradição, rituais, crenças, história e prática. Editora Pensamento Cultrix, São Paulo, 2019, pp. 47-49.

A Filosofia da Bruxaria

“A Arte é uma religião de amor e alegria. Ela não é sombria como o Cristianismo, com suas ideias de “pecado original”, com a salvação e a felicidade possíveis apenas na vida após a morte. A música da Bruxaria é alegre e cheia de vida, contrastando com os hinos de lamentação do Cristianismo. Por quê? Muito disso tem a ver com a empatia que os wiccanos têm com a natureza. Os primeiros povos compactuavam com a natureza por pura necessidade. Eles eram uma parte da natureza, não eram separados dela. Um animal era um irmão, assim como uma árvore. Homens e mulheres cuidavam dos campos e, em troca, recebiam alimentos para sua casa. É claro que matavam animais para se alimentar. Mas muitos animais matam outros animais para se alimentar. Em outras palavras, o ser humano era parte da ordem natural das coisas, não estava separado dela. Nem se considerava “acima” dela.”

Buckland, Raymond. Livro completo de bruxaria de Raymond Buckland: tradição, rituais, crenças, história e prática. Editora Pensamento Cultrix, São Paulo, 2019, p. 46.

Origem do Satanismo

“Mas e quanto ao Satanismo? Os Bruxos eram chamados de adoradores do Diabo. Havia alguma verdade nisso? Não. Ainda que, como em todas as acusações, houvesse uma razão para essa crença. Em seu início, a Igreja era extremamente dura com seus seguidores. Ela não apenas determinava a forma pela qual os camponeses prestavam culto, mas também as formas pelas quais viviam e amavam. Franzia-se o cenho até mesmo para o intercurso sexual entre casais casados. Achava-se que não se devia ter nenhuma alegria no ato, permitido apenas para a procriação. O intercurso era ilegal nas quartas-feiras, nas sextas-feiras e nos domingos; pelos quarenta dias que antecediam o Natal pelo mesmo tempo antes da Páscoa; por três dias antes de receber a comunhão e da concepção até quarenta dias após o parto. Em outras palavras, somente em aproximadamente dois meses por ano podia-se ter relações sexuais com o cônjuge… mas sem sentir prazer com o ato, é claro!

Não há dúvidas de que tais coisas, juntamente com outras crueldades semelhantes, conduziram a uma rebelião – mesmo que clandestina. As pessoas – desta vez os cristãos -, ao descobrir que seu destino não melhorava quando rezavam ao chamado Deus de Amor, decidiam rezar para o seu adversário. Se Deus não iria ajudá-las, talvez o Diabo ajudasse. Assim surgiu o Satanismo. Uma paródia do Cristianismo, uma imitação dele. Tratava-se de uma revolta contra a rigidez da Igreja. Como se descobriu depois, o “Demônio” também não ajudava o pobre camponês. Mas, pelo menos assim, indo contra o estabelecido, ele demonstrava o seu desdém pelas autoridades.

Não levou muito tempo até que a “Santa Madre Igreja” percebesse essa rebelião. O Satanismo era anticristão. A Bruxaria também era – aos olhos da igreja – anticristã. Logo, Bruxaria e Satanismo eram uma coisa só.”

Buckland, Raymond. Livro completo de bruxaria de Raymond Buckland: tradição, rituais, crenças, história e prática. Editora Pensamento Cultrix, São Paulo, 2019.

Pagão e Gentio

“À medida em que o Cristianismo gradativamente se fortalecia, a Antiga Religião perdia terreno. Na época da Reforma, ela só existia em regiões remotas da área rural. Nessa época, os não cristãos passaram a ser conhecidos como pagãos ou gentios. A palavra “pagão” vem do latim pagani e significa simplesmente “pessoa que mora no campo”. A palavra “gentio” significa “aquele que vive na mata”.

Buckland, Raymond. Livro completo de bruxaria de Raymond Buckland: tradição, rituais, crenças, história e prática. Editora Pensamento Cultrix, São Paulo, 2019, p. 39.

Deuses e Demônios

“Costuma-se dizer que os deuses de uma antiga religião se tornam os demônios da nova. E esse foi certamente o caso aqui. O Deus da Antiga Religião, era um deus cornífero. Portanto, aparentemente, era o demônio cristão. Aos olhos da Igreja, os pagãos eram obviamente adoradores do Demônio. Esse tipo de raciocínio é usado pela Igreja ainda hoje. (…) Não fazia diferença que as pessoas fossem boas, felizes e muitas vezes vivessem melhor do ponto de vista moral e ético do que a vasta maioria dos cristãos… elas tinham que ser convertidas.”

Buckland, Raymond. Livro completo de bruxaria de Raymond Buckland: tradição, rituais, crenças, história e prática. Editora Pensamento Cultrix, São Paulo, 2019, p. 36.

Dogmas Herdados

“Nos primeiros tempos do Cristianismo, principalmente, foram adotados de maneiras mais definitivas outros conceitos oriundos das antigas religiões. A ideia da Trindade, por exemplo, foi extraída da antiga tríade egípcia. Osíris, Ísis e Hórus tornaram-se Deus, Maria e Jesus. O dia 25 de dezembro como nascimento de Jesus foi emprestado do Mitraísmo –  que também defendia a segunda vinda do Cristo e do ato de “comer o corpo e beber o sangue de Deus”. Em muitas religiões do mundo antigo encontram-se concepções imaculadas e o sacrifício do deus pela salvação do ser humano”.

Buckland, Raymond. Livro completo de bruxaria de Raymond Buckland: tradição, rituais, crenças, história e prática. Editora Pensamento Cultrix, São Paulo, 2019, p. 35.

Conversão em Massa

“Uma tentativa de conversão em massa foi feita pelo Papa Gregório, o Grande. Ele achava que erigir igrejas nos lugares de templos pagãos, onde as pessoas já estavam acostumadas a se reunir, era uma forma de fazer com elas frequentassem as novas igrejas cristãs. (…) Quando as primeiras igrejas cristãs foram construídas, os únicos disponíveis para construí-las eram os próprios pagãos. Ao ornamentar as igrejas, os pedreiros e escultores claramente incorporaram à decoração figuras de suas próprias divindades. Dessa maneira, mesmo sendo obrigadas a ir às igrejas, as pessoas ainda podiam cultuar seus próprios deuses ali.”

Buckland, Raymond. Livro completo de bruxaria de Raymond Buckland: tradição, rituais, crenças, história e prática. Editora Pensamento Cultrix, São Paulo, 2019, pp. 34-35.

Primícias do Mistério Cósmico Maior

“O Cristianismo precisa transcender-se a si mesmo e se descobrir, não como uma outra doutrina eclesiástica partidária, mas como primícias do mistério cósmico maior que se deixará conhecer à esta geração.

A comunhão do Filho com o Pai e do Pai com o Filho simboliza a verdade de que os pequenos hábitos que comungamos diariamente enquanto família humana nos fazem habitar uns nos outros. A medida em que amamos e valorizamos os sentimentos que partilhamos, nos tornamos imortais uns para os outros, e neste sentido, a morte de um é a morte de todos, e a vida de um é a vida de todos.

Descobrimos nossa natureza eterna, habitamos o templo do interior uns dos outros. Descortinamos à consciência, que jazia na ignorância, um mais amplo sentido de comunhão e comunidade a um só tempo, no eterno que nos contém.

Raymond Buckland

A Mensagem do Redentor “do Mundo”

“O mundo se acha repleto de grupos inimigos em função dessa atitude: adoradores de totens, bandeiras e partidos. Mesmo as chamadas nações cristãs – que, segundo se supõe, seguem um Redentor “do Mundo” – são mais bem conhecidas, na história, pela sua barbaridade colonial, e pelas lutas internas, do que por alguma demonstração prática de amor incondicional, sinônimo da conquista efetiva do ego, do mundo do ego e do deus tribal do ego, que foi ensinada pelo seu professado Senhor supremo:

“Digo, a vós que ouvis: Amai os vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam. Bendizei os que vos maldizem e orai pelos que vos caluniam. (…) E, se amardes aos que vos ama, que recompensa obtereis? Também os pecadores amam aos que os amam. E se fizerdes bem aos que vos fazem bem, que recompensa obtereis? (…) Sede pois misericordiosos como também o vosso Pai é misericordioso.”

Uma vez que nos libertemos dos preconceitos da nossa própria versão provincianamente limitada, de caráter eclesiástico, tribal ou nacional, dos arquétipos do mundo, torna-se possível compreender que a suprema iniciação não é dos pais maternais locais, que projetam a agressão nos vizinhos para garantir sua própria defesa.  A boa nova, que o Redentor do Mundo traz e que tantos se rejubilaram, por ouvir, pela qual se empenharam em orar, mas que relutaram, aparentemente, em demonstrar, afirma que Deus é amor, que Ele é, e deve ser, amado, e que todos, sem exceção, são filhos seus“.

Campbell, Joseph. O herói de mil faces. Pensamento, São Paulo, 2007, pp. 151-152