Estranheza, um momento da filosofia

“Nossa sociedade, que se tornou um depósito de mercadorias. Ela está entupida com coisas de vida curta e propagandas. Ela perdeu toda alteridade, toda estranheza [Fremdheit]. Assim, também não é mais possível nenhum espanto.

A estranheza é, igualmente, um momento da filosofia. Ela inere ao próprio espírito. Assim, o espírito é, segundo sua essência, crítica.”

HAN, Byung-Chul.A expulsão do outro: Sociedade, percepção e comunicação hoje. Ed. Vozes, 2022, Local 969-975.

Linguagem do outro

A palavra crítica (texto completo)

A palavra crítica vem do grego e possui très sentidos principais: 1) “capacidade para julgar, discernir e decidir corretamente 2) “exame racional de todas as coisas sem preconceito e sem pré-julgamento”; 3) “atividade de examinar e avaliar detalhadamente uma ideia, um valor, um costume, um comportamento, uma obra artística ou científica. A atitude filosófica é uma atitude “crítica” porque preenche esses três significados da noção de crítica, a qual,como se observa, é inseparável da noção de racional, que vimos anteriormente.

A filosofia começa dizendo “não” às crenças e aos preconceitos do dia a dia para que possam ser avaliados racional e criticamente, admitindo que não sabemos o que imaginávamos saber. Ou, como dizia Sócrates, começamos a buscar o conhecimento quando somos capazes de dizer: “Só sei que nada sei”.

Para Platão, o discípulo de Sócrates, a filosofia começa com a admiração ou, como escreve seu discípulo Aristóteles, a filosofia começa com o espanto… “….pois os homens começam e começaram sempre a filosofar movidos pelo espanto (…). Aquele que se coloca uma dificuldade e se espanta, reconhece sua própria ignorância. (…) De sorte que, se filosofaram, foi para fugir da ignorância”.

Admiração e espanto significam que reconhecemos nossa ignorância e exatamente por isso podemos superá-la. Nós nos espantamos quando, por meio de nosso pensamento, tomamos distância do nosso mundo costumeiro, olhando-o como se nunca o tivéssemos visto antes, como se não tivéssemos tido família, amigos, professores, livros e outros meios de comunicação que nos tivessem dito o que o mundo é; como se estivéssemos acabando de nascer para o mundo e para nós mesmos e precisássemos perguntar o que é, por que é e como é o mundo, e precisássemos perguntar também o que somos, por que somos e como somos.

A filosofia inicia sua investigação num momento muito preciso: naquele instante em que abandonamos nossas certezas cotidianas e não dispomos de nada para substituí-las ou para preencher a lacuna deixada por elas. Em outras palavras, a filosofia se interessa por aquele instante em que a realidade natural (o mundo das coisas) e a realidade histórico-social (o mundo dos homens) tornam-se estranhas, espantosas, incompreensíveis e enigmáticas, quando as opiniões estabelecidas disponíveis já não nos podem satisfazer. Ou seja, a filosofia volta-se preferencialmente para os momentos de crise no pensamento, na linguagem na ação, pois é nesses momentos críticos que se manifesta mais claramente a exigência de fundamentação das ideias, dos discursos e das práticas.

Assim como cada um de nós, quando possui desejo de saber, vai em direção à atitude filosófica ao perceber contradições, incoerências, ambiguidades ou incompatibilidades entre nossas crenças cotidianas, assim também a filosofia tem especial interesse pelos momentos de crise ou momentos críticos, quando sistemas religiosos, éticos, políticos, científicos e artísticos estabelecidos se envolvem em contradições internas ou contradizem-se uns aos outros e buscam transformações e mudanças cujo sentido ainda não está claro e precisa ser compreendido.”

CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. 14º Edição. São Paulo: Editora Ática. 2020, pág. 22.

Introdução: Para que filosofia?

Atitude Crítica

Aula Magna

Análise, reflexão e crítica

“A atividade filosófica é, portanto, uma análise (das condições e princípios do saber e da ação, isto é, dos conhecimentos, da ciência da religião, da arte, da moral, da política e da história), uma reflexão (volta do pensamento sobre si mesmo para conhecer-se como capacidade para o conhecimento, a linguagem, o sentimento e a ação) e uma crítica (avaliação racional para discernir entre a verdade e a ilusão, a liberdade e a servidão, investigando as causas e condições das ilusões e dos preconceitos individuais e coletivos, das ilusões e dos enganos das teorias e práticas científicas, políticas e artísticas, dos preconceitos religiosos e sociais, da presença e difusão de formas de irracionalidade contrárias ao exercício do pensamento, da linguagem e da liberdade).

Essas três atividades (análise, reflexão e crítica) estão orientadas pela elaboração filosófica de ideias gerais sobre a realidade e os seres humanos. Portanto, para que essas três atividades se realizem, é preciso que a filosofia se defina como busca do fundamento (princípios, causas e condições) e do sentido (significação e finalidade) da realidade em suas múltiplas formas, indagando o que essas formas de realidade são, como são e por que são, e procurando as causas que as fazem existir, permanecer, mudar e desaparecer.”

CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. 14º Edição. São Paulo: Editora Ática. 2020, pág. 28.

Introdução: Para que filosofia?

Em busca de uma definição da filosofia

Aula Magna

Em busca de uma definição da filosofia

Visão de mundo de um e povo, de uma civilização ou de uma cultura. 

Nessa definição, a filosofia corresponderia, de modo vago e geral  ao conjunto de ideias, valores e práticas pelos quais uma sociedade apreende e compreende o mundo e a si mesma, definindo para si o tem o e o espaço, o sagrado e o profano, o bom e o mau, o justo e o injusto, o belo e o feio, o verdadeiro e o falso o possível e o  impossível, o contingente e o necessário.

Sabedoria de vida. 

Nessa definição, a filosofia é identificada com a atividade de algumas pessoas que pensam sobre a vida moral, dedicando-se à contemplação do mundo e dos outros seres humanos para aprender e ensinar a controlar seus desejos, sentimentos e impulsos e a dirigir a própria vida de modo ético e sábio. A filosofia seria uma escola de vida ou uma arte do bem-viver; seria uma contemplação do mundo e dos homens para nos conduzir a uma vida justa, sábia e feliz (…)

Fundamentação teórica e crítica dos conhecimentos e das práticas. 

Fundamento é uma palavra que vem do latim e significa “uma base sólida”ou “o alicerce sobre o qual se pode construir com segurança”. Do ponto de vista do conheci­mento, significa a base ou o princípio racional que sustenta uma demonstração verda­deira“. Sob esta perspectiva, fundamentar significa encontrar, definir e estabelecer ra­cionalmente os princípios,as causas e condições que determinam a existência,a forma e os comportamentos de alguma coisa, bem como as leis ou regras de suas mudanças”. 

Teoria vem do grego, no qual significava “contemplar uma verdade com os olhos do espírito, isto é, uma atividade puramente intelectual de conhecimento. Sob esta perspectiva, uma fundamentação teórica significa determinar pelo pensamento, de maneira lógica, metódica, organizada e sistemática o conjunto de princípios, causas e condições de alguma coisa (de sua existência, de seu comportamento, de seu sentido e de suas mudanças)”. 

(…) crítica também é uma palavra grega, que significa a capaci­dade para julgar, discernir e decidir corretamente;o exame racional de todas as coisas sem preconceito e sem pré-julgamentoe a atividade de examinar e avaliar detalhadamente uma ideia, um valor, um costume, um comportamento, uma obra artística ou científica”.

CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. 14º Edição. São Paulo: Editora Ática. 2020, pág. 26-27.

Introdução: Para que filosofia?

Em busca de uma definição da filosofia

Aula Magna

A palavra crítica

Material Complementar

A palavra crítica vem do grego e possui três sentidos principais: 1) “capacidade para julgar, discernir e decidir corretamente; 2)exame racional de todas as coisas sem preconceito e sem pré-julgamento”; 3)”atividade de examinar e avaliar detalhadamente uma idea, um valor, um costume, um comportamento, uma obra artística ou científica.”

CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. 14º Edição. São Paulo: Editora Ática. 2020, pág. 22.

Introdução: Para que filosofia?

Atitude Crítica

Aula Magna

Crítica compulsiva da realidade

“(…) suas formas, significa a crítica compulsiva da realidade. A privatização do impulso significa a compulsiva auto-crítica nascida da desafeição perpétua: ser um indivíduo de jure significa não ter ninguém a quem culpar pela própria miséria, significa não procurar as causas das próprias derrotas senão na própria indolência e preguiça, e não procurar outro remédio senão tentar com mais e mais determinação.”

BAUMAN, Zygmunt.Modernidade líquida, Ed. Zahar, Local: 714.

Capítulo 1 | Emancipação

O indivíduo em combate com o cidadão

Hospitalidade à crítica

“O tipo de “hospitalidade à crítica” característico da sociedade moderna em sua forma presente pode ser aproximada do padrão do acampamento. O lugar está aberto a quem quer que venha com seu trailer e dinheiro suficiente para o aluguel; os hóspedes vêm e vão; nenhum deles presta muita atenção a como o lugar é gerido, desde que haja espaço suficiente para estacionar o trailer, as tomadas elétricas e encanamentos estejam em ordem e os donos dos trailers vizinhos não façam muito barulho e mantenham baixo o som de suas TVs portáteis e aparelhos de som depois de escurecer. Os motoristas trazem para o acampamento suas próprias casas, equipadas com todos os aparelhos de que precisam para a estada, que em todo caso pretendem que seja curta. Cada um tem seu próprio itinerário e horário. O que os motoristas querem dos administradores do lugar não é muito mais (mas tampouco menos) do que ser deixados à vontade. Em troca, não pretendem desafiar a autoridade dos administradores e pagam o aluguel no prazo. Como pagam, também demandam. Tendem a ser inflexíveis quando defendem seus direitos aos serviços prometidos, mas em geral querem seguir seu caminho e ficariam irritados se isso não lhes fosse permitido. Ocasionalmente podem reivindicar melhores serviços; se forem bastante incisivos, vociferantes e resolutos, podem até obtê-los. Se se sentirem prejudicados, podem reclamar e cobrar o que lhes é devido — mas nunca lhes ocorreria questionar e negociar a filosofia administrativa do lugar, e muito menos assumir a responsabilidade pelo gerenciamento do mesmo.”

BAUMAN, Zygmunt.Modernidade líquida, Ed. Zahar, Local: 449.

Capítulo 1 | Emancipação

As casualidades e a sorte cambiantes da crítica

Predispostos à crítica

“Somos talvez mais “predispostos à crítica”, mais assertivos e intransigentes em nossas críticas, que nossos ancestrais em sua vida cotidiana, mas nossa crítica é, por assim dizer, “desdentada”, incapaz de afetar a agenda estabelecida para nossas escolhas na “política-vida”.

A liberdade sem precedentes que nossa sociedade oferece a seus membros chegou, como há tempo nos advertia Leo Strauss, e com ela também uma impotência sem precedentes.”

BAUMAN, Zygmunt.Modernidade líquida, Ed. Zahar, Local: 440-442.

Capítulo 1 | Emancipação

As casualidades e a sorte cambiantes da crítica