“Já ninguém agora leva a sério a pretensão positivista da neutralidade da ciência. Que durante a pesquisa científica o sujeito e o objeto estejam em frente um do outro sem recíproco envolvimento, é uma ficção metodológica necessária, mas sem correspondência na realidade. (…). Contudo, fora este o projeto de Freud: reduzir o estudo da psique aplicando as regras das ciências físicas, segundo os modelos mecanicistas. Ao levar a cabo um empreendimento deste género, ele considerou-se o continuador das grandes revoluções modernas, que tinham demolido a imagem do homem senhor do universo: a de Copérnico, que expulsou o homem do centro do cosmos, e a de Darwin, que feriu de morte a sua posição de privilégio na relação com o mundo animal. Coube a Freud realizar esta revolução anti- humanista, demonstrando que a consciência do homem, o seu eu racional, não é mais do que o produto de forças inconscientes, cujas raízes são nada mais nada menos que a libido, a pulsão sexual. Até aquele produto do homem coletivo de que tanto nos orgulhamos, a civilização, nasce, segundo Freud, da repressão à qual a libido é submetida. (…) Esta era a antropologia freudiana nas vésperas da Primeira Guerra Mundial. Foi a guerra que quebrou ou pelo menos modificou profundamente aquela sua doutrina, tão homogénea ao positivismo do século passado.”
FREUD, Sigmund. Porquê a Guerra? – Reflexões sobre o destino do mundo, Ed. Edições 70, 2019, pág.10.
Prefácio