Positivismo do século passado

“Já ninguém agora leva a sério a pretensão positivista da neutralidade da ciência. Que durante a pesquisa científica o sujeito e o objeto estejam em frente um do outro sem recíproco envolvimento, é uma ficção metodológica necessária, mas sem correspondência na realidade. (…). Contudo, fora este o projeto de Freud: reduzir o estudo da psique aplicando as regras das ciências físicas, segundo os modelos mecanicistas. Ao levar a cabo um empreendimento deste género, ele considerou-se o continuador das grandes revoluções modernas, que tinham demolido a imagem do homem senhor do universo: a de Copérnico, que expulsou o homem do centro do cosmos, e a de Darwin, que feriu de morte a sua posição de privilégio na relação com o mundo animal. Coube a Freud realizar esta revolução anti- humanista, demonstrando que a consciência do homem, o seu eu racional, não é mais do que o produto de forças inconscientes, cujas raízes são nada mais nada menos que a libido, a pulsão sexual. Até aquele produto do homem coletivo de que tanto nos orgulhamos, a civilização, nasce, segundo Freud, da repressão à qual a libido é submetida. (…) Esta era a antropologia freudiana nas vésperas da Primeira Guerra Mundial. Foi a guerra que quebrou ou pelo menos modificou profundamente aquela sua doutrina, tão homogénea ao positivismo do século passado.”

FREUD, Sigmund. Porquê a Guerra? – Reflexões sobre o destino do mundo, Ed. Edições 70, 2019, pág.10.

Prefácio

Troca de cartas

“Quando os dois trocaram as suas cartas, em 1932, não tinha ainda caído sobre a Alemanha a noite do nazismo, ainda não tinha rebentado a mais trágica guerra da história, ainda não tinha sido experimentada a bomba de urânio. Tudo estava ainda para acontecer.”

FREUD, Sigmund. Porquê a Guerra? – Reflexões sobre o destino do mundo, Ed. Edições 70, 2019, pág.9.

Prefácio

Caráter e repressão

“Segundo Freud, o “caráter” é um fenômeno da negatividade, pois sem a censura ao aparato psíquico ele não se formaria. Por isso, Freud o define como “sedimento depositado de possessões objetuais renunciadas”. Se o eu toma conhecimento das possessões objetuais que acontecem no id, evita-as com o processo de repressão. O caráter contém em si a história da repressão. Reflete certa relação do ego com o id e com o superego. Enquanto a pessoa histérica apresenta uma morfologia característica, a pessoa depressiva não tem forma, sim, é amorfa. Ele é um homem sem características.”

HAN, Byung-Chul. Sociedade do Cansaço. Ed. Vozes, 2022, Local 712.

Anexos: Sociedade do Esgotamento

Poder hábil

“O verbo modal que define a sociedade do desempenho não é o “dever” freudiano, mas o poder hábil (Können). Essa mudança social traz consigo uma reestruturação também no interior da psique. O sujeito do desempenho pós-moderno possui uma psique bem diferente do sujeito obediente, abordado pela psicanálise de Freud. O aparato psíquico de Freud é dominado pelo medo e pela angústia frente à transgressão. Desse modo, o eu se transforma num local de medo e angústia. Mas isso já não se aplica ao sujeito de desempenho da pós-modernidade. Esse é um sujeito da afirmação.”

HAN, Byung-Chul. Sociedade do Cansaço. Ed. Vozes, 2022, Local 654.

Anexos: Sociedade do Esgotamento