Salvação do homem

“Porém todas as coisas dependem de um princípio. E o princípio é do Um e Único.”

(…)

“Isso é a única salvação para o homem: a gnose de Deus.”

“(…) e a mente, depois de ter vindo a ser limpa dos indumentos, sendo divina por natureza, recebe um corpo de fogo e anda por todo lugar, tendo deixado a alma ao julgamento justo segundo a dignidade.

TRISMEGISTOS, Hermes. Corpus Hermeticum graecum, São Paulo:Ed. Cultrix, 2023, Pág. 189.

Parte II- Corpus Hermeticum Graecum.

Lilellus X

Ser divinizado

” Que queres dizer por ser divinizado, ó pai? todas as almas separadas. As metáboles de O que vem a ser agora separadas? Não ouviste nos Discursos Gerais que todas as almas são de uma única alma, e essas são arroladas em todo mundo. (…) Essa é a mais perfeita glória da alma: porém, se a alma, tendo entrado nos homens, permanecer viciosa, nem provam da imortalidade nem comungam do Bem, porém, apressada, retorna o caminho de volta para os répteis, e essa é uma condenação da alma viciosa.

Porém o vício da alma é a ignorância. Pois a alma que não conhece nenhum dos seres nem a natureza deles, nem o Bem, e tendo ficado cega, tropeça nas paixões corporais; e a alma infeliz, tendo desconhecido a si mesma, serve aos corpos estranhos e miseráveis, arrastando o corpo como uma carga, e não governando, mas sendo governada. Esse é o vicio da alma.

Porém, pelo contrário, a gnose é a virtude da alma; pois o que conhe- ce também é bom e piedoso e já divino. (…) porém, gnose difere muito das sensações; pois, deveras, a sensação vem a ser pelo que prevalece, porém, gnose é o fim da ciência, e a ciência é um dom de Deus. Pois toda ciência é incorpórea, usando, do próprio instrumento, a mente.”

TRISMEGISTOS, Hermes. Corpus Hermeticum graecum, São Paulo:Ed. Cultrix, 2023, Pág.185.

Parte II- Corpus Hermeticum Graecum.

Lilellus X

Ter sido divinizado

“Isso é o bom final aos que têm tido gnose: ter sido divinizado.

(…)

Porém os que ouviram seguiram unanimemente. E eu disse: Por que vós vos tendes entregado à morte, já que tendes a autoridade de obter a imortalidade? Mudai de mente, vós que caminhais no erro e que comungais com a ignorância; mudai da luz tenebrosa, e obtende a imortalidade, deixando a corrupção.”

TRISMEGISTOS, Hermes. Corpus Hermeticum graecum, São Paulo:Ed. Cultrix, 2023, Pág. 129.

Parte II- Corpus Hermeticum Graecum.

Lilellus I

A gnose é o fim último da ciência

“Em outro trecho, pode-se perceber que a virtude da alma é a gnosis, e aquele que a tem é bom e εύσεβής (Corp. Herm. 10.9). Em suma, para os escritores herméticos, não existe outro caminho senão o da devoção gnóstica (Corp. Herm, 6.5). (…) Eusebeia designa reverência, piedade, amor filial, sentido religioso, temor, devoção, religiosidade. Em outras palavras, significa uma piedade interior ou uma maturidade espiritual, uma devoção. Seu equivalente latino é pietas-senso de dever para com quem isso é devido ou apropriado (deuses, pais etc.).

Essa eusebeia é tão gnóstica quanto a gnose é piedosa e espiritual. Como se reza nos Fragmenta Hermetica ἡ γὰρ εὐσέβεια γνῶσίς ἐστιν τοῦ θεοῦ, (pois a eusebeia é a gnose de Deus). Assim, convém afirmar que essa εὐσέβεια (eusebeia] pode ser traduzida como espiritualidade.

Assim, o hermetismo é uma espiritualidade que se vivencia de forma progressiva. Isso não pode ser confundido com teoria nem com um sistema unificado de crenças nem com um sistema filosófico, mas se identifica com um caminho de progressão. Por essa razão, vários acadêmicos relacionam o hermetismo com um caminho, uma trilha, uma vereda, uma senda ou um modo de ser.”

Assim, esse conhecimento piedoso não pode ser comparado a um conhecimento puramente cientifico ou epistêmico. Nesse sentido, a ciência (ἐπιστήμη – epistēmē) é um meio de alcançar o Divino, mas não o fim de per se. O conhecimento do cosmo é um estágio preliminar para o conhecimento de Deus mesmo. Essa suposição não é equivocada se for levada em consideração a afirmação do Corp. Herm. 10.9: “… mas a gnose é o fim último da ciência, e a ciência é dom de Deus“.”

TRISMEGISTOS, Hermes. Corpus Hermeticum graecum, São Paulo:Ed. Cultrix, 2023, Pág. 38.

Parte I- Ensaios: Aproximações e enfoques.

Capítulo I- Gnosis Hermética como Conhecimento do Sentido da Vida.

Gnose no Corpus Hermeticum

“(…) o conceito de gnose no Corpus Hermeticum está relacionado a um processo propedeutico que envolve reflexões teológicas, cosmológicas e antropológicas (teoantropocósmica), baseando-se em especulações metafisicas. A diferença entre essa gnose e aquilo que se julga como gnosticismo cristão está no fato de que, no hermetismo, γνῶσις não é um conhecimento quase cientifico de um mundo que transcende toda experiência humana terrestre, ou seja, de um conhecimento hipercósmico ou supramundano. Pelo contrário, no Corp. Herm., γνῶσις ἐ uma disciplina de reflexões e especulações sobre Deus, o cosmo e o homem, que culmina na visão mistica, ou seja, na deificação ou theõsis (θέωσις) do ser humano. E evidente que, para os autores herméticos, as verdades teoantropocósmicas divinamente reveladas não são meras espe culações nem a γνῶσις se limitava a especulações metafísicas.”

TRISMEGISTOS, Hermes. Corpus Hermeticum graecum, São Paulo:Ed. Cultrix, 2023, Pág. 37.

Parte I- Ensaios: Aproximações e enfoques.

Capítulo I- Gnosis Hermética como Conhecimento do Sentido da Vida.

Gnosticismo pré-cristão

“(…) o primeiro erudito a sugerir a hipótese de um gnosticismo pré-cristão foi W. Anz Willhelm Franz Bousset e Richard Reitzenstein (final do século XIX) to maram a sugestão de Anz e a desenvolveram. No seu Hauptprobleme der Gnosis, Bousset argumentou e supôs que o gnosticismo era principalmente um fenômeno pré-cristão ou não cristão que foi cristianizado posterior mente Isso explica por que autores de história do mundo do Novo Testamento e da história das religiões antigas costumam colocar o hermetismo e o Corpus Hermeticum como uma seção ou capítulo no tema relacionado ao gnosticismo para explicar as origens, mesmo quando estão tratando de algo meramente cristão.”

TRISMEGISTOS, Hermes. Corpus Hermeticum graecum, São Paulo:Ed. Cultrix, 2023, Pág. 36.

Parte I- Ensaios: Aproximações e enfoques.

Capítulo I- Gnosis Hermética como Conhecimento do Sentido da Vida.

Gnōsis Hermética

Α γνῶσις [Gnōsis] Hermética como Conhecimento do Sentido da Vida.

“(…) vários acadêmicos chegaram a confundir o conceito γνῶσις [gnosis) teoantropocósmica que incide nos tratados herméticos com aquilo que se pode chamar de gnosticismo cristão. Certamente, a experiência noética e soteriológica, muitas vezes denominada de γνῶσις [gnosis) no Corp. Herm., constitui o núcleo da mensagem hermética.”

TRISMEGISTOS, Hermes. Corpus Hermeticum graecum, São Paulo:Ed. Cultrix, 2023, Pág. 35.

Parte I- Ensaios: Aproximações e enfoques.

Capítulo I- Gnosis Hermética como Conhecimento do Sentido da Vida.

Etapas para Atingir a Gnosis

“Outro texto extraordinário, intitulado Alógeno, que significa “o estranho” (literalmente, “alguém de outra raça”), referindo-se a uma pessoa espiritualmente madura que se torna um ser “estranho” ao mundo, também descreve as etapas para atingir a gnosis. Aqui, Messos, o iniciante, na primeira etapa, aprende “o poder que está dentro dele”. Alógeno lhe explica seu próprio processo de desenvolvimento espiritual:

(…) [Eu estava] muito perturbado e recolhi-me a minha introspecção. (…) [Ao] ver a luz que me [rodeava] e a bondade que havia em mim, tornei-me divino.” *(Alógeno 52.8-12, em NHL 446.)

Diz Alógeno, ele teve uma experiência fora do corpo e viu “poderes sagrados” que lhe deram uma instrução específica:

(…) “O Aló[g]leno, contempla a bênção (…) em silên cio, pela qual você conhece a si mesmo e, buscando a si mesmo, ascenda à Vitalidade que verá movendo. E se for impossível permanecer, não tema; mas se quiser permanecer, ascenda à Existência e a encontrará parada e em repouso (…) E quando receber a revelação (…) e se o lugar o amedrontar, retorne, por causa das energias. E quando se tornar perfeito naquele lugar, tranquilize-se.” 8(Ibid., 59.9-37, em NHL 449.)

Agora eu estava ouvindo essas coisas pronunciadas por aqueles seres. Havia uma calma silenciosa em mim e eu senti a bem-aventurança de modo que conheci [meu] próprio eu. *(Ibid., 60.13-18, em NHL 449)

Ao contrário de muitas outras fontes gnósticas, Alógeno ensina que, primeiro, uma pessoa deve conhecer “a bondade que existe em si” e, depois, conhecer-se a si mesma e “àquele que existe dentro de si”, mas não se pode obter o conhecimento do Deus Incognoscível.”

PAGELS, Elaine. Os Evangelhos Gnósticos. Editora Objetiva, 1979, pág. 157-158.

Capítulo: 6- Gnosis: Autoconhecimento Como Conhecimento de Deus.

Não mais Cristão, mas Cristo

“Quem alcança a gnosis torna-se “não mais cristão, mas Cristo” ” Assim sendo, podemos observar que esse gnosticismo tinha um significado maior que um movimento de protesto contra o cristianismo ortodoxo. O gnosticismo também incluía uma perspectiva religiosa que, de modo implícito, opunha-se ao desenvolvimento do tipo de instituição na qual se converteu a antiga Igreja católica. Aqueles que esperavam “tornarem-se Cristo” possivelmente não reconheceriam as estruturas institucionais da igreja -seus bispos, padres, cre- dos, cánones ou rituais – como detentoras da autoridade final.

PAGELS, Elaine. Os Evangelhos Gnósticos. Editora Objetiva, 1979, pág. 152.

Capítulo: 6- Gnosis: Autoconhecimento Como Conhecimento de Deus.

Nível de Entendimento dos Iniciados

“O que os diferenciava era o nível de entendimento. Os cristãos não iniciados veneravam o criador de forma errônea, como se fosse Deus; acreditavam em Cristo como aquele que os salvaria do pecado e que ressuscitara: eles o aceitavam em razão da fé, sem compreender o mistério de sua natureza – ou de suas próprias. Mas os que haviam recebido a gnosis reconheciam Cristo como o enviado do Pai da Verdade, que lhes revelara que suas naturezas eram idênticas à dele – e à de Deus.

PAGELS, Elaine. Os Evangelhos Gnósticos. Editora Objetiva, 1979, pág. 132.

Capítulo: 5- Qual é a “Verdadeira Igreja”?