“(…) Frank Miller, uma americana que estava viajando pela Europa por um certo período de tempo. Jung se interessou por esse material, que ele havia encontrado publicado em uma revista suíça. Depois desse encontro ele realizou uma grande quantidade de pesquisas sobre o fundo psicológico dessas fantasias. Basicamente, ele ampliou as imagens da srta. Miller empregando mitologias de muitas diferentes tradições e partes do mundo. Jung também estudou um amplo espectro de literatura para conseguir amplificar os significados mais profundos dessas fantasias passivas que Frank Miller produziu em seu diário.
(…) naquele momento de sua vida (ele tinha entre 37-38 anos), se sentia desorientado e não sabia qual direção tomar em sua vida e em sua carreira profissional. Jung sabia que o pensamento dirigido e procurar descobrir algo de forma racional não seria de grande ajuda. Visto isso, Carl Jung decidiu tentar realizar um experimento e fazer o que a srta. Miller havia feito, ou seja, em larga medida brincar, e se deixar envolver com o pensamento fantástico. Como seria conseguir pensar e ao mesmo tempo não se apropriar da função do pensamento dirigido (que tem uma natureza egoica), para ser capaz de resolver um problema de uma maneira que não seja racional? Essa foi sua primeira pergunta. Este experimento tornou-se uma grande virada de chave que Jung não havia antecipado. Ele descobriu a imaginação ativa como um agente de transformação. Ele havia se preparado para descobrir por conta própria o que de fato significava pensar com o uso da imaginação, e deste modo acabou por se descobrir.
A imaginação ativa é uma experiência, e o conhecimento que é adquirido através da utilização deste método é o que pode ser chamado de Gnose.
A surpresa é uma característica muito importante da imaginação ativa algo acontece que o sujeito não esperava. O ego não está no comando, e as imagens inconscientes demonstram autonomia.
(…)
Uma semana após sua visita à caverna, Jung se deparou com uma cena extraordinária: duas figuras misteriosas apareceram diante dele. Uma, umancião que se assemelha à um dos antigos profetas, já a outra, uma bela jovem cega. Ambas estão acompanhadas por uma serpente negra. Esse encontro marca o início de uma fascinante narrativa que se desenvolve ao longo das subsequentes conversas e interações. O ancião se apresenta como Elias e a jovem como Salomé. Jung fica perplexo com essa revelação e se entrega a uma série de cinco sessões de imaginação ativa, ocorridas entre os dias 21 e 25 de dezembro de 1913.
Durante essas sessões, Jung descobre que tanto Elias quanto Salomé habitam a Terra dos Mortos, o mesmo território do qual a jovem em seu sonho anterior parecia pertencer. Esse território é o que Jung mais tarde chamaria de “o inconsciente” em seus escritos teóricos sobre a psicologia. É a fonte de onde os mitos emergem. Fascinado com essa descoberta, Jung se entrega à exploração de seu próprio mito pessoal, continuando a desvendar os mistérios do inconsciente.
Salomé e Elias são figuras simbólicas que representam aspectos arquetípicos presentes na psique coletiva. Embora sejam personagens bíblicos e tenham existido no passado histórico, no contexto da imaginação ativa de Jung, eles são vivos e ativos na Terra dos Mortos, em um reino simbólico do inconsciente. A descoberta de Jung é que o passado cultural e histórico ainda está presente e influencia a psique humana, tornando-se parte do inconsciente coletivo.
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Nesse artigo, ele descreveu a prática da imaginação ativa e destacou seu papel na construção de uma ponte entre a consciência do ego e o inconsciente. “A Função Transcendente” se refere à capacidade de elevar-se acima do abismo que separa esses dois aspectos da psique. Através da função transcendente, a mente consciente é capaz de ir além dos limites do pensamento racional dirigido e estabelecer uma conexão com uma esfera mais profunda da psique, proporcionando um conhecimento intuitivo, ou “gnóstico”. Jung reconheceu que o pensamento dirigido não era capaz de estabelecer essa conexão entre o ego e o inconsciente. Embora a análise psicológica possa estudar os efeitos do inconsciente na consciência, a imaginação ativa permite uma exploração mais profunda, expandindo os limites da consciência e conduzindo o indivíduo ao que Henry Corbin chamou de Mundus Imaginalis – uma dimensão inspiradora e expansiva da imaginação ativa.”
STEIN, Murray. Os quatro pilares da psicanálise junguiana: Individuação – Relacionamento analítico – Sonhos – Imaginação ativa – Uma introdução concisa. Ed. Cultrix, 2023.
Pilar 4
A descoberta da Imaginação ativa de Jung