O segredo de Deus

“(…) aviso que, a partir de agora, acredito que tenho o direito de considerá-lo meu discípulo.

Toda inteligência humana se esforça para apreender o segredo de Deus e daí a mixórdia das ciências profanas, da astronomia à química analítica, da física de meteoros às especulações sobre micróbios, da física experimental à fisiologia do sistema nervoso e das ciências embriológicas a todas as outras ciências, infinitas em número que, recém- nascidas ou prestes a nascer, parecem ser a última palavra da verdade, quando, na realidade, não são mais que reticências na cegueira da grande massa humana que tenta escalar o Olimpo.

Assim, desde o início dos tempos, a humanidade tem sido dividida em duas classes distintas: os simples que, de modo inconsciente, recor dam o mundo antes da malicia humana, e os astutos, que negam tudo para não serem classificados entre os tolos. Os primeiros têm a fé como companheira; os segundos, o medo de serem enganados; eles são os extremos cujo termo médio é representado pelos iluminados que esta vam e estão sempre presentes em todos os países, em todas as raças, em todas as épocas, para agir na escuridão da jornada humana como uma tocha para a onda de criaturas que, entre vanglória, espasmos e impotência, estão a caminho de deixar on cemitérios cheios de oses onde a vaidade ergue mausoleus que parecem eternos e que, na visão da eternidade, não passam de um raio de luz!

Hermes, nos antigos aforismos mágicos, patrimônio de eterna revelação divina, ensina que, para familiarizar-se com um cão, é necessá rio nos transformarmos em cão, um aforismo ou dogma misterioso que deve ser interpretado de maneira literal: vamos nos tornar um deus, um anjo ou demônio se procurarmos a amizade de deuses, anjos ou demônios e, para ter um relacionamento com a alma dos mortos, precisamos viver a vida dos mortos.

As antigas escolas de iniciação, dos caldeus aos egípcios, e destes aos templários e seus herdeiros, não aceitavam um discípulo sem testar sua coragem e sua fé. Estou me referindo a testes com fogo, resistência à ten- tação do desejo, coragem para não ceder diante de aparições assustadoras.

Tenho certeza de que chegaria lá, apesar de todos os pesadelos que os sacerdotes tiveram de enfrentar nos dias de outrora. Mas há um monstro que precisamos derrotar antes de bater a porta do oculto. Esse ogro do jovem consciente é chamado de opinião pública.

Não temos medo de monstros, do fogo, dos elementos, mas, como resultado da corrompida formação social de nossa época, podemos ter medo do que as pessoas pensarão a nosso respeito se nos virem mergulhados em um livro”maluco” ou nos deixando levar pelas manias dos loucos! Esse é o momento fatal.

Se somos indiferentes ao desprezo das pessoas, se, entre o equilíbrio da razão bem definido e as palavras das pessoas que zombam de nós, somos fortes o bastante para nos separarmos do mundo, começa remos a ser: começaremos a viver nossa própria vida; começaremos a ser vitoriosos sobre a maioria numérica das ilusões e veremos que o quadro muda assim que nosso génio toca nossa testa e mostra as pessoas que somos superiores à natureza vulgar.

As ações do discípulo só devem ser avaliadas pela premissa da liberdade, pelo julgamento equilibrado que traz a intuição do nível de perfeição do espírito humano.”

KREMMERZ, Giuliano. Introdução à ciência hermética: O caminho iniciático para a magia natural e divina. Editora Pensamento, 2022, Pág.65-66.

Segunda Parte

Preparação

Motivações para a ação humana

“Pitágoras reconheceu duas motivações para a ação humana: o poder da vontade e a inelutabilidade do destino. Submeteu ambos a uma lei fundamental chamada Providência, da qual eles emanam.

A primeira motivação é livre, a segunda coercitiva, de tal maneira que o homem se vê colocado entre duas naturezas opostas, mas não contrárias, e indiferentemente boas ou más, de acordo com o modo como são usadas. O poder da vontade atua sobre coisas a fazer ou sobre o futuro; a inelutabilidade do destino atua sobre as coisas feitas ou sobre o passado; e ambas se alimentam incessantemente com os materiais que uma fornece à outra.

Como, segundo esse admirável filósofo, o futuro nasce do passado, o passado é constituído do futuro, e a reunião dos dois engendra o presente eterno, ao qual também devem sua origem: ideia das mais profundas que os estoicos adotaram. Assim, de acordo com essa doutrina, a liberdade reina no futuro, a necessidade no passado e a Providência no presente. Nada que existe ocorre por acaso, mas se deve à união da lei fundamental e providencial com a vontade humana, que a segue ou transgride diante da necessidade.

A harmonia entre vontade e Providência resulta no bem; o mal resulta de sua oposição. A fim de tomar o caminho que deve seguir na Terra, o homem recebeu três forças condizentes com as três modificações do ser, todas ligadas à sua vontade.

A primeira, associada ao corpo, é o instinto; a segunda, devotada à alma, é a virtude; a terceira, pertencente à inteligência, é a ciência ou sabedoria.

Sensação é o sentimento existente no corpo, na alma e no espirito, formando um ternário que, avançando rumo à unidade, constitui o quaternário humano, ou homem considerado abstratamente.”

PAPUS.Tratado elementar de ciências ocultas, Ed. Pensamento, 2022, Pág. 66-67.

Capítulo 3

Uma maneira de libertar os homens da guerra

“A proposta que me foi feita pela Sociedade das Nações e pelo seu Instituto Internacional de Cooperação Intelectual de Paris, de convidar uma pessoa de minha escolha para uma troca franca de opiniões sobre um problema qualquer também escolhido por mim, oferece-me a feliz oportunidade de dialogar consigo em torno de uma pergunta que parece, na presente condição do mundo, ser a mais urgente entre todas aquelas que se põem à civilização. A pergunta é: existe uma maneira de libertar os homens da fatalidade da guerra?

Penso também que aqueles a quem compete encarar o problema profissional e praticamente, tornam-se dia a dia mais conscientes da sua impotência, e têm hoje um vivo desejo de conhecer as opiniões de pessoas absorvidas pela pesquisa científica, as quais por isso mesmo estão em condições de observar os problemas do mundo om suficiente distanciamento. Quanto a mim, o objetivo para o qual se dirige habitualmente o meu pensamento não me ajuda a discernir os obscuros recessos da vontade e do sentimento humano.

Sendo imune a sentimentos nacionalistas, vejo pessoalmente uma maneira simples de enfrentar o aspeto exterior, isto é organizativo, do problema: os Estados criam uma autoridade legislativa e judicial com o mandato de conciliar todos os conflitos que surjam entre eles. Cada Estado assume a obrigação de respeitar os decretos desta autoridade, de invocar as suas decisões em cada contenda, de acatar sem reserva o seu julgamento e de pôr em prática todas as medidas que forem julgadas necessárias para fazer aplicar as próprias resoluções. (…)  Existe aqui uma realidade da qual não podemos prescindir: direito e força são inseparáveis e as decisões do direito aproximam-se da justiça, à qual aspira a comunidade em cujo nome e interesse são pronunciadas as sentenças, somente na medida em que essa comunidade tem o poder efetivo de impor o respeito do próprio ideal legalitário. (…) Chego assim ao meu primeiro axioma: a procura da segurança internacional implica que cada Estado renuncie incondicionalmente a uma parte da sua liberdade de ação, o que equivale a dizer à soberania (…)”

FREUD, Sigmund. Porquê a Guerra? – Reflexões sobre o destino do mundo, Ed. Edições 70, 2019, pág.59-60.

Reflexões a dois sobre o destino do mundo (1932)

“Carta de Einstein a Freud”

Toda beleza efemera

“A ideia de que toda esta beleza seria efemera suscitou em ambos, tão sensíveis, uma sensação antecipada da aflição que lhes ocasionaria o seu aniquilamento, e uma vez que a alma se afasta instintivamente de tudo o que é doloroso, estas pessoas viram inibido o seu gozo do belo pela ideia da sua indole perecível.

Imaginamos assim possuir uma certa capacidade amorosa no começo da evolução, se orientou para o próprio Eu, para mais tarde embora, na realidade, muito precocemente se dirigir para os objetos, que desta sorte ficam de certo modo incluídos no nosso eu. Se os objetos são destruídos ou se os perdemos, a nossa capacidade amorosa (libido) volta a ficar em liberdade, e pode tomar outros objetos como substitutos, ou regressar transitoriamente ao eu. Todavia, não conseguimos explicar nem podemos a tal respeito aventar hipótese alguma porque é que o desprendimento da libido dos seus objetos tem de ser, necessariamente, um processo tão doloroso. Comprovamos apenas que a libido se aferra aos seus objetos e que nem sequer quando já dispõe de novos sucedâneos se resigna a desprender-se dos objetos que perdeu. Eis aqui, pois, a pena.”

FREUD, Sigmund. Porquê a Guerra? – Reflexões sobre o destino do mundo, Ed. Edições 70, 2019, pág.54-55.

Caducidade (1915)

Sensação anárquica

“Schroeter descreve a liberdade para a morte como uma sensação anárquica: “Não tenho medo da morte. Talvez seja arrogante dizer, mas é a verdade. Encarar a morte com serenidade é uma sensação anárquica que constitui um perigo para a sociedade existente”

HAN, Byung-Chul.O desaparecimento dos rituais: Uma topologia do presente. Ed. Vozes, 2021, Local 761.

Jogo de Vida e Morte

A glória do jogo

“A glória do jogo é acompanhada da soberania, que não significa outra coisa do que estar livre da necessidade, da coação e da utilidade. A soberania desvela uma alma “que está além da preocupação da necessidade”. Justamente a coação de produção destrói a soberania como forma de vida. A soberania dá lugar a uma nova submissão que se vende, no entanto, como liberdade. O sujeito do desempenho neoliberal é um servo absoluto, na medida em que, sem os senhores, explora-se voluntariamente.”

HAN, Byung-Chul.O desaparecimento dos rituais: Uma topologia do presente. Ed. Vozes, 2021, Local 690-694.

Jogo de Vida e Morte

Cansaço originário

“O “cansaço originário” (lassitude primordiale) caracteriza uma passividade radical que se furta a toda iniciativa do eu. Ela introduz o tempo do outro. O cansaço primordial abre espaço inacessível a todo poder, a toda iniciativa. Eu sou fraco em vista do outro. Justo nessa fraqueza metafisica do não poder/poder desperta um desejo pelo outro. Mesmo se o sujeito satisfez todas as [suas] necessidades, ele está em busca do outro.

Só o Eros tem condição de libertar o eu da depressão, do envolvimento narcisista consigo mesmo. O outro é, visto assim, uma fórmula de redenção. Apenas o Eros que me arranca para fora de mim e para o outro pode vencer a depressão. O sujeito depressivo de desempenho é inteiramente desacoplado do outro. O desejo do outro, sim o clamor pelo outro ou a “conversão” para o outro  seriam um antidepressivo metafísico, que rompem a casca narcisista do eu.”

HAN, Byung-Chul.A expulsão do outro: Sociedade, percepção e comunicação hoje. Ed. Vozes, 2022, Local 1125-1131.

O pensamento do outro

Olhar repressivo

“Por causa da falta do olhar repressivo, surge – e isso é uma distinção decisiva em relação à estratégia de vigilância da sociedade disciplinar – um sentimento enganoso de liberdade. Os prisioneiros do panóptico digital não se sentem vistos; ou seja, vigiados. Assim, eles se sentem livres e se expõem voluntariamente. O panóptico digital não limita a liberdade, mas a explora.”

HAN, Byung-Chul.A expulsão do outro: Sociedade, percepção e comunicação hoje. Ed. Vozes, 2022, Local 783.

Olhar

A liberdade é, ela mesma, explorada

“Assim, a liberdade é, ela mesma, explorada. Exploramo-nos livremente na ilusão de que nos realizamos. Não a repressão da liberdade, mas a sua exploração maximiza a produtividade e eficiência. Essa é a lógica pérfida fundamental do neoliberalismo.”

HAN, Byung-Chul.A expulsão do outro: Sociedade, percepção e comunicação hoje. Ed. Vozes, 2022, Local 263.

Violência do Global e terrorismo

Inacabado, incompleto e subdeterminado

“Estar inacabado, incompleto e subdeterminado é um estado cheio de riscos e ansiedade, mas seu contrário também não traz um prazer pleno, pois fecha antecipadamente o que a liberdade precisa manter aberto.”

BAUMAN, Zygmunt.Modernidade líquida, Ed. Zahar, Local: 1151.

Capítulo 2 | Individualidade

Tenho carro, posso viajar