Crucificação

“De acordo com Plínio, a crucificação foi inventada por um homem chamado Tarquinius Priscus e começou a ser usada por volta de 260 e 160 a.C. Porém, a literatura milenar indica que ela já estava presente no século VI a.C. (…) Cícero, no século I a.C., em suas orações contra Verres (II 5,2-67), citou a crucificação como “a mais cruel e atroz das punições”.

(…)

A crucificação era disseminada antes do nascimento de Cristo e acredita-se que seja oriunda da Ásia, embora alguns historiadores creiam que tenha se originado na região da Ásia Menor, com os assírios, fenícios e persas por volta do século VI a.C. Esses povos eram famosos por suas técnicas de tortura, que incluíam empalação, fervura em óleo, afogamento, espancamento e crucificação.

(…)

Jerusalém em 1968, quando trabalhadores de construção acidentalmente encontraram uma tumba judaica contendo mais de 30 esqueletos. Em um ossário que continha a inscrição “Jehohanan o filho de HGQWL”, havia um esqueleto de um jovem de cerca de 20 anos de idade que tinha sido crucificado com um prego de aço, ainda afixado ao osso do calcanhar. A questão frequentemente levantada é: por que não existe evidencia antropológica, já que ocorreram milhares de crucificações? (…) De acordo com Joe Zias, que foi curador de Arqueologia e Antropologia para o Israel Antiquities Authority de 1972 a 1997, os pregos usados na crucificação tinham grande demanda, já que muitos acreditavam que possuíam poderes mágicos e afastavam o mal, curavam enfermidades e serviam como amuletos da sorte. Eles eram retirados dos mortos logo depois da crucificação e, em muito casos, roubados das tumbas.

Sem a presença dos pregos, a crucificação não deixa sinais definitivos patognomônicos nos espécimes antropológicos. Além disso, durante as crucificações em massa, as vítimas eram retiradas da cruz e amontoadas em pilhas, para que os animais selvagens e aves de rapina as devorassem, espalhando, assim, seus ossos. (…) Os pregos também eram constantemente reaproveitados para subsequentes crucificações.

Hengel cita o testemunho de Sêneca sobre esse tópico: “Eu vejo cruzes lá, não de um formato apenas, mas construídas de diversas maneiras; algumas têm suas vítimas com a cabeça batendo no chão. Outras empalam suas partes íntimas e outras mantêm os braços do condenado esticados no patibulum” (Hengel, 1977).

(…)

As colunas das cruzes (stipes ou staticulum) eram deixadas afixadas permanentemente no chão de uma área elevada nos arredores da cidade do lado de fora dos muros, para que os crucificados ficassem expostos aos olhos de todos.

(…) cruzes altas eram reservadas primariamente para criminosos especiais, que de alguma forma houvessem desonrado um romano. Em geral, as cruzes romanas mediam em torno de 2 metros de altura já que, em termos práticos, era mais fácil posicionar a barra horizontal (patibulum), mais pesada por causa da vítima nela pregada, numa cruz mais baixa.

O sedile era usado principalmente quando os executores queriam que a vítima permanecesse viva por mais tempo, às vezes dias seguidos.

(…)

O suppedaneum, um suporte colocado embaixo dos pés e que é visto em muitos crucifixos e pinturas, parece ser uma invenção de artistas, que nenhuma literatura faz menção a ele, e o objeto também nunca foi visto em cruzes antigas.”

ZUGIBE, M.D, Ph.D. Frederick T.  A Crucificação de Jesus: As Conclusões surpreendentes sobre a morte de Cristo na visão de um investigador criminal. São Paulo: MATRIX, 2008, pág. 69-78.

 

 

 

Carregando a Cruz

“Era cerca de meio-dia, e a viagem de Antônia ao Gólgota (Calvário) foi realizada em uma das ruas principais, cuja extensão era de aproximadamente 8 quilômetros (…)

A maioria dos estudiosos apóia a teoria de que somente a barra horizontal ou patibulum, que pesava entre 22 e 27 quilos, era levada pelo crucarius ao local da crucificação. Relatos na literatura indicam que os romanos tinham centenas, às vezes milhares de estacas já prontas do lado de fora dos muros da cidade.

(…)

A exaustão foi acompanhada pela falta de ar, pelo fluido pleural que estava lentamente se acumulando em Seus pulmões e por um possível pneumotórax devido ao brutal açoitamento, além dos efeitos da jornada ao Calvário.

O sol do meio-dia estava forte e o suor pingava do rosto e do corpo de Jesus. O forte calor do sol e o peso da barra da cruz em Seu ombros irritados, considerando a condição em que Ele se encontra, causaram intensa fraqueza e tontura, fazendo que Ele tropeçasse, s desequilibrasse e caísse. (…) considerando-se Sua condição física, há poucas dúvidas de que Ele tenha caído inúmeras vezes antes de chegar ao Calvário. Era o exactor mortis o responsável por assegurar que crucarius não morresse antes de ser crucificado. A gravidade do estado de Jesus certamente era conhecida pelo exactor mortis. Ele tinha receio de que Jesus não se levantasse novamente e não conseguisse cumprir suas ordens assim, ordenou a Simão de Cirene, um transeunte, que carregasse o patibulum para Jesus.

Figura: 4-6

Carregando a cruz. O crucarius carregava a barra horizontal (patibulum) nos ombros ou tinha o objeto amarrado nos braços (a e b), pois a estaca (stipes) já se encontrava montada no chão, do lado de fora dos portões da cidade. Somente em raras ocasiões a cruz inteira era carregada (c).

As vestes de Jesus estavam praticamente grudadas em Seu corpo por causa do sangue coagulado nas feridas causadas pelo açoitamento, Segundo as normas romanas, a roupa era removida durante o açoitamento, mas por causa das disposições judaicas a vestimenta de Jesus foi mantida na jornada ao Calvário.(…) Fico imaginando como o soldado fez isso. Teria ele molhado o tecido para amolecer o sangue coagulado, como os médicos e enfermeiras geralmente fazem ao remover uma atadura grudada em um ferimento? (…) A roupa foi arrancada, causando surtos de dor pelo corpo de Jesus.”

ZUGIBE, M.D, Ph.D. Frederick T.  A Crucificação de Jesus: As Conclusões surpreendentes sobre a morte de Cristo na visão de um investigador criminal. São Paulo: MATRIX, 2008, pág. 63-67.

 

A Estrada para o Calvário

“Em estado lastimável, Jesus flagelado foi levado ao pretório pelos soldados. Seu corpo estava cruelmente desfigurado e atormentado pela dor do terrível açoitamento, Sua visão estava embaçada. Coberto de sangue por causa das lacerações, escoriações e machucados que cobriam Seu corpo, Ele mal podia ficar de pé. Secreções e vômito manchavam Seu rosto e a vestimenta.

(…)

Figura: 4-1

a) cruz simples (simples estada;  b) crux immissa ou crux capitata (convencional)  c) cruz commissa (T ou cruz Tau) d) crux descussata  (cruz de Santo Andé).

Nossos experimentos de suspensão, em que utilizamos a crux commissa (cruz tau), revelaram que havia espaço adequado para o titulus. Parece, então, que a cruz romana foi invenção dos artistas.

(…) seria também muito difícil -em alguns casos, impossível -o crucarius carregá-la, já que ela pesava de 80 a 90 quilos; ainda mais no caso de uma pessoa que já tivesse sido açoitada antes da crucificação. E essa cruz parecia ser pouco prática, pois seria necessário um número muito grande delas, tendo em vista que os persas e os romanos ordenavam centenas e até milhares de crucificações de uma vez só. Essas crucificações em massa demandariam que muitas cruzes fossem fabricadas antecipadamente, pois cada crucarius devia ser pregado com a cruz ainda no chão, para que depois ela fosse erguida e fixada no solo – algo muito complexo para ser feito de forma massiva. Além disso, a maioria das referências históricas relata que as estacas já ficavam no chão, do lado de fora dos portões da cidade. Isso indica que o crucarius era pregado no patibulum, que seria então inserido na cavidade retangular presente no topo da estaca.

(…)

Estudos micropaleobotânicos de fragmentos de supostas relíquias da cruz verdadeira indicam que ela foi feita de pinheiro, O estudo mais definitivo, no entanto, foi feito num fragmento de madeira descoberto na ponta de um prego afixado ao osso do calcanhar de um homem crucificado por volta do ano 7 d.C., e que foi encontrado em escavações no Bairro Judeu da cidade velha de Jerusalém em 1969-70.

O estudo paleobotânico desse pedaço de madeira o relacionou com a oliveira (…)

(…)

O título, também conhecido como Titulus Crucis, era uma tábua com a descrição da natureza do crime do crucarius, e era pregada na cruz logo acima da cabeça da vítima. A tábua era carregada pelo condenada geralmente pendurada ao pescoço, do local da condenação até o do suplício na cruz.

(…)

(…) havia um uso para as três línguas em Jerusalém. O latim era a língua dos funcionários administrativos, o aramaico era falado pelos judeus da época e o grego era a linguagem do comércio internacional e da cultura.”

ZUGIBE, M.D, Ph.D. Frederick T.  A Crucificação de Jesus: As Conclusões surpreendentes sobre a morte de Cristo na visão de um investigador criminal. São Paulo: MATRIX, 2008, pág. 55-62.

 

Descida da Cruz

“O Corpo de Jesus foi transportado horizontalmente, mas tal qual se achava na cruz, até a proximidade do túmulo; somente ali é que foi depositado na Mortalha.

(…) se as coisas se tivessem passado de outra forma, a parte posterior do Sudário teria ficado inundada de sangue durante o transporte.

A maior parte do sangue se perdeu (…) Dele não restou senão o que se coagulou sobre a pele, pouco a pouco, enquanto escorria. Depois que o corpo foi assim transportado nu e colocado, após o transporte, na Mortalha, recebeu unicamente a impressão dos coágulos de sangue, forma dos sobre a pele das costas durante o trajeto.

De que maneira então foi Jesus Cristo transportado sem que lhe tocassem o corpo?

Sobreveio a morte, como propôs Dr. Le Bec e como confirmou, por observação experimental, Dr. Hynek, após contrações tetânicas de todos os músculos. Essas dolorosas cãibras generalizadas constituem aquilo que chamamos de tetania. Esta nada tem a ver (insisto para os não médicos) com o tétano, doença infecciosa que produz cãibras análogas. Essa tetanização acabou por atingir os músculos respiratórios, de onde a asfixia e a morte. O condenado não podia escapar à asfixia senão erguendo-se sobre os cravos dos pés, para diminuir a tração do corpo sobre as mãos; cada vez que quisesse respirar mais livremente ou falar, deveria ele assim se erguer sobre os cravos dos pés, é verdade que à custa de outros sofrimentos.

(…)

Vimos, além disso, que o duplo fluxo de sangue do punho cor responde a esta dupla posição, alternante, com suas duas angulações um pouco divergentes. Nestas condições a rigidez cadavérica deveria ser extrema, como com os doentes que vêm a morrer de tétano: o corpo estava rígido, fixado na posição da crucifixão. Podia ser levantado sem que se dobrasse, seguro apenas pelas duas extremidades, como um corpo em catalepsia.

Dado isto, é possível: a) despregar os pés arrancando os cravos do stipes; b) abaixar o patibulum com o corpo rígido; c) transportar o conjunto sem nenhum artifício: dois homens sustentando as duas extremidades do patíbulo e um outro sustentando os pés, ou até só o pé direito que ficara por trás, na altura do tendão-de-Aquiles e do calcanhar. Esta do corpo foi assim a única tocada durante o transporte.

3.- Ora, na impressão do pé direito sobre o Sudário, verifica-se precisamente: a) que a parte posterior do calcanhar está mal marcada, o que contrasta com o resto da impressão plantar, bastante nítida; isto faz parecer, à primeira vista (como já o notamos), que o pé é mais curto do que na realidade; b) que o fluxo de sangue que desceu, durante o transporte horizontal, da chaga plantar para o calcanhar, não atingiu a parte posterior deste, parte mal-marcada no Sudário. Explica-se isto, facilmente, se esta parte estivesse de fato coberta pelas mãos do transportador, que sujaram o calcanhar e impediram o sangue de correr até lá.

É provável que tivessem sido cinco os transportadores, e não três para carregar aquele corpo de cerca de 80 quilos e o pesado patíbulo que pesava não menos de 50 quilos. Os dois suplementares sustentavam o tronco, por meio de um pano torcido para formar uma cinta, que atravessaram por sob a parte inferior do tórax, na altura dos rins,

(…) O fluxo de sangue que se coagulou, transversalmente nas costas, está constituído por meandros irregulares, várias vezes bifurcados e depois se reunindo de novo, o que está pouco de acordo com um fluxo regular de sangue que não tenha tocado em coisa alguma, 3º- Ao contrário, um pedaço de pano irregularmente torcido, sustentando a parte inferior do tórax, deve necessariamente ter-se impregnado completamente de sangue durante o transporte; do qual pequena parte se coagulou, irregularmente, à superfície da pele que podia atingir diretamente, através das pregas do tecido, nos pontos em que este não a comprimia.

A rigidez cadavérica, que permitiu que se transportasse o corpo sem que se dobrasse sob a influência de seu peso, não é um obstáculo que impeça estando o cadáver colocado na Mortalha despregadas as mãos e retirado o patibulumque se levassem os braços da abdução para a adução, e se cruzassem as mãos diante do púbis A experiência nos mostra que não há rigidez cadavérica que não se consiga vencer com um pouco de força, ainda que tenha sido bastante intensa para resistir ao peso do corpo.

1) Os pés são despregados do “stipes”, havendo um só crave a arrancar da madeira.

2) Abaixa-se o patíbulo com o corpo, sem despregar as mor O conjunto é transportado em bloco, sem nenhum artificio, por cinco carregadores, dos quais só um toca o corpo na altura dos calcanhares; outros dois sustentam o dorso com um pano enrolado para uma cinta, que se impregna de sangue. Os dois últimos levam as extremidades do patíbulo.

3) O corpo só foi colocado no Sudário no fim do transporte, durante o qual uma pequena pane do sangue se coagulou transversalmente, nas pregas da cinta, sobre a pele das costas. Esses coágulos em forma de meandros irregulares darão lugar ao “fluxo transversal posterior” ao se decalcarem, ainda frescos, sobre o Sudário.

4) Colocam o corpo no Sudário (provavelmente sobre a pedra chamada da unção). No último instante devem ter cessado de sustentar o dorso com a cinta que, embebida de sangue, teria manchado muito o Sudário.

5) Despregam as mãos, retiram o patíbulo e puxam os membros superiores, cruzando as mãos diante do púbis.

6) Dobram em seguida a outra metade do Sudário, por cima da cabeça (“epi ten kephalen”), cobrindo a face anterior do corpo.

7) Deposição no túmulo.”

BARBET, Pierre. A Paixão de Cristo, segundo o cirurgião. São Paulo: Edições Loyola, 2014, pág. 158-161.

 

Modalidades da Crucifixão

“C) MODALIDADES DA CRUCIFIXÃO

(…)

1°) Flagelação preliminar – Todo o condenado à morte devia ser, por lei, flagelado preliminarmente, quer fosse a execução feita pela cruz quer de outro modo: decapitação (Tito Lívio) ou fogo (Flávio José). Dela estavam isentos, segundo Mommsen, somente os senadores, os soldados e as mulheres que gozassem do direito de cidadania.

(…)

Esta flagelação, que primitivamente era aplicada sobre a cruz, passou, com o tempo, a ser aplicada no próprio local do tribunal. O condenado era ali atado a uma coluna (provavelmente com as mãos amarradas por sobre a cabeça. É a melhor maneira de imobilizar o condenado que não repousa senão sobre as pontas dos pés).

(…)

Despia-se o condenado para a flagelação. Era nu e flagelado que encetava sua marcha para o suplício, carregando seu patíbulo (Valério Máximo, Cícero).

(…) a flagelação necessitava o “flagrum”, instrumento especificamente romano. Compunha-se de um cabo curto ao qual estavam fixados grossos e compridos látegos, geralmente dois. A pequena distância de sua extremidade livre, estavam inseridas pequenas esferas de chumbo ou ossos de carneiro “tali”, como os que serviam para jogar “ossinhos”, que eram os astrágalos tirados das patas do carneiro.

Os látegos cortavam mais ou menos a pele, e as balas ou os ossinhos nela imprimiam profundas contusões. De onde se seguia uma hemorragia nada desprezível e um enfraquecimento considerável da resistência vital.

O número de golpes com o açoite era, segundo o direito judeu, rigorosamente limitado a 40. (…) Entre os romanos, a lei não conhecia outro limite senão a necessidade de não matar o condenado sob os golpes; era ainda necessário que ficasse com forças suficientes para carregar seu patíbulo e que morresse sobre a cruz (…)

2°) Carregamento da cruz – Portanto, o prévia e devidamente flagelado, fazia a pé, sem roupas e carregando seu patíbulo, o trajeto do tribunal ao local do suplício (…)

(…)  se encontra a expressão “patibulum ferre- carregar ou levar o patíbulo”. (…) O patíbulo era colocado sobre as espáduas e braços estendidos transversalmente, e em seguida amarrado nas mãos, braços e peito. Era, portanto, só o patíbulo que o condenado carregava.

(…)

O patíbulo sozinho devia pesar cerca de 50 quilos, e a cruz inteira devia ultrapassar os cem quilos. (…) o que carregava a cruz era precedido pelo “titulus”, um pedaço de madeira sobre o qual estava escrito o nome do réu e o crime pelo qual fora condenado. O título era, depois, fixado sobre a cruz.

3°) Modo da crucifixão- (…) Se, porém, a crucifixão for feita com cravos, é necessário desamarrar o condenado e deitá-lo por terra com as espáduas sobre o patíbulo, puxar-lhe as mãos e cravá-las sobre as extremidades do patíbulo. Depois é que será levantado o réu já pregado no patíbulo, e este será enganchado no alto do “stipes” (ou haste vertical). Isto feito, nada mais resta, senão pregar-lhe os pés diretamente sobre o “stipes”.

4°) Guarda militar – Toda execução se devia fazer legalmente com um aparato inteiramente militar, sob as ordens de um centurião (…) O exército, que já se havia encarregado da flagelação, fornecida a escola para conduzir o condenado do tribunal ao lugar do suplício. Era ainda da escolta que se recrutavam os carrascos para a crucifixão. Devia, por fim, o exército regular fornecer uma guarda que velasse ao pé da cruz a fim de impedir que amigos viessem arrebatar o supliciados à cruz.

(…)

5°) Sepultura e insepulturaEm geral, os cadáveres ficavam na cruz para servir de pasto às aves e animais selvagens.

(…)

No entanto, os corpos podiam ser reclamados pelas famílias que quisessem assegurar-lhes uma sepultura decente, parece até que a lei facilitava sem dificuldades nem taxas esta última graça.

(…)

Assim pois, quando a família pedia o cadáver, o carrasco devia antes de tudo ferir o coração. Como geralmente o carrasco era um soldado, o golpe devia ser executado com a arma que tinha em mão, uma lança ou um dardo. Veremos que esse golpe no coração dado pelo lado direito do peito estava certamente bem estudado e conheci do como infalivelmente mortal, na esgrima dos exércitos romanos Dava, pois, toda segurança sobre a morte real do condenado… e, se fosse o caso, a provocaria.”

BARBET, Pierre. A Paixão de Cristo, segundo o cirurgião. São Paulo: Edições Loyola, 2014, pág. 58-64.

 

Arqueologia e Crucifixão

“A) USO DA CRUCIFIXÃO

É necessário, com efeito, chegarmos às conquistas de Alexandre, que a recebeu dos persas, para vê-la entrar na história helênica. Continuou aí a ser empregada sob os diádocos, na Síria sob os selêucidas, como Antíoco Epifânio, e no Egito sob os ptolomeus. Em Siracusa, cidade grega, Dionísio, o tirano, tê-la-ia talvez recebido dos cartagineses.

(…)

Em Roma, começou se a aplicar o verdadeiro suplício da cruz, durante as guerras, aos desertores, ladrões e, sobretudo, aos revoltosos vencidos. Em parte alguma foi este motivo mais abundantemente explorado que no país israelita: desde os 2.000 judeus sediciosos de Herodes, o Grande, até as hecatombes do cerco de Jerusalém, em que os romanos chegaram a crucificar 500 judeus por dia, segundo o testemunho de Flávio José, historiador de raça judaica (…)

Em tempo de paz, era primordialmente o suplicio dos escravos. (…)

No começo, a cruz estava reservada às revoltas coletivas, como a de Spartacus, da qual sabemos que, após sua repressão, 6,000 cruzes balizaram a estrada de Cápua a Roma. Mais tarde, porém, os proprietários receberam o direito de vida e morte, sem apelação, sobre seus escravos, considerados animais. A costumeira ordem de morte era “fone crucem servo-Impõe a cruz ao escravo”.

B) INSTRUMENTOS DA CRUCIFIXÃO

Geralmente a cruz regulamentar, se é que assim se pode falar, era formada por duas peças distintas.(…) Uma das peças, a vertical, enterrada permanentemente como um poste fixo, era o “stipes crucis -tronco da cruz”; a outra, móvel e que se fixava horizontalmente sobre a primeira, se chamava o “patibulum”.

1°) Stipes crucis- Digamo-lo em português: o tronco da cruz, porque “stipes” quer dizer tronco de árvore, estaca e ainda estaca pontiaguda. (…) “Crux (cruz) em latim, como “stauros” em grego, não é outra coisa senão uma estaca fixada verticalmente no chão. (…)

O significado da palavra “crux” estendeu-se, em seguida, ao conjunto dos dois paus ajustados um ao outro, tal como o concebemos hoje em dia, com a forma +.

(…)

Não devemos, nestas pesquisas sobre um suplício que era quotidiano, esquecer a noção de comodidade, já aperfeiçoada por não pequeno uso. E, por tanto, conveniente que nos coloquemos sempre na situação de um carrasco da época.

2°) Patibulum-Furca – (…) Mas, como nem sempre se tinha à mão uma “furca”, passou-se usar um pedaço de pau comprido que servia para trancar as portas e que se chamava “patibulum”  (…) Carregava-a, geralmente, sobre a nuca, tendo os dois membros superiores estendidos e amarrados sobre ela de modo que ficasse, desta forma, também impedido de atacar a quem quer que fosse.

(…)

3°) Conjunção dos dois pausFicavam, ordinariamente, os dois paus separados; (…) A priori, podia-se fazer de duas maneiras: ou inserindo-o em uma das faces da estaca ou apoiando-o sobre a extremidade dessa mesma estaca; fazia-se uma cruz (†) ou um T, o Tau maiúsculo do alfabeto grego.

(…) Quase todos os arqueólogos modernos pensam que a cruz romana era em T.

(…)

4°) Sedile – E possível que, em certos casos, se fixasse à parte anterior do “stipes”, em sua parte média, uma espécie de tolete horizontal, de madeira que passasse entre as coxas e sustentasse o períneo.

(…)

Ao estudar as causas da morte na crucifixão, veremos que este apoio era destinado a prolongar consideravelmente a agonia por diminuir a tração sobre as mãos, causa de tetania e asfixia.

(…)

5°)  Suppedanaeum – (…) fazendo os pés de Jesus repousar sobre um consolo horizontal ou oblíquo, sobre o qual estão pregados.”

BARBET, Pierre. A Paixão de Cristo, segundo o cirurgião. São Paulo: Edições Loyola, 2014, pág. 52-55.