Vida sagrada

“A uma sociedade que professa a mera vida como sagrada, um ritual como esse pode apenas parecer pura loucura, teatro de crueldade. A sociedade obcecada pela produção não tem acesso ao jogo forte, à morte como intensidade de vida. Numa sociedade arcaica como aquela, se sacrifica mais do que se produz. Sacrificium (sacrifício) significa geração de coisas sagradas. O sagrado pressupõe uma desprodução. A totalização da produção dessacraliza a vida.

A sociedade da produção é dominada pelo medo da morte. O capital opera como uma garantia contra a morte. É imaginado como tempo acumulado, pois com dinheiro se pode pôr outros para trabalhar por si, ou seja, comprar tempo. O capital infinito cria a ilusão de um tempo infinito. O capital trabalha contra a morte como prejuízo absoluto. Ele tem que suprassumir o tempo limitado de vida.”

HAN, Byung-Chul.O desaparecimento dos rituais: Uma topologia do presente. Ed. Vozes, 2021, Local 722-731.

Jogo de Vida e Morte

Produção anual de 914 mil baralhos

“Durante o período de apogeu da produção de cartas em Marselha, em meados do século XVIII, um relatório do procurador-geral no parlamento da Provença cita uma produção anual de 914 mil baralhos (todos os jogos de cartas juntos). O período de 1783-1789 teve oito fabricantes de cartas que produziram cerca de 360 mil baralhos.”

(…)

“Essa profusão de fabricantes e de cartas em Marselha pode constituir uma primeira explicação para a sobrevivência do Tarô de Marselha hoje. Thierry Depaulis enumerou cerca de quarenta tarôs ainda conservados e que foram fabricados em Marselha do século XVIII ao inicio do XIX, contra 24 de todas as outras cidades (Dijon, Grenoble, Lyon. Avignon e Besançon).”

NADOLNY, Isabelle. História do TarôUm estudo completo sobre suas origens, iconografia e simbolismo. Ed. Pensamento, 2022, pág. 113-117.

Contemplar e amar de Agostinho

“Em Agostinho, contemplar e amar se tornam uma e a mesma coisa. Apenas onde há amor o olho se abre (ubi amor, ibi oculus). Contemplar e louvar são formas da inatividade. Não perseguem nenhuma finalidade e não produzem nada.”

HAN, Byung-Chul. Vita Contemplativa, ou sobre a inatividade. Ed. Vozes, 2023, Local 976.

A Absoluta falta de ser

A obrigação de atividade

“A obrigação de atividade, produção e desempenho leva à falta de ar. O ser humano se sufoca em seu próprio fazer. Só na reflexão as coisas se tornam “espaçosas, arejadas em torno do ser humano”

HAN, Byung-Chul. Vita Contemplativa, ou sobre a inatividade. Ed. Vozes, 2023, Local 707.

Da ação ao ser

A contemplação é oposta à produção

“A contemplação é oposta à produção. Ela se relaciona com o indisponível como algo já dado. O pensar está sempre recepcionando. A dimensão da dádiva no pensar [Denken] faz dele um agradecer [Danken]. No pensar como agradecer, a vontade se resigna [abdanken] inteiramente: “O espírito nobre paciente seria um puro repousar-em-si de toda vontade que, recusando o querer, entregou-se àquilo que não é uma vontade. O espírito nobre seria a essência do pensar e, assim, do agradecer”.

HAN, Byung-Chul. Vita Contemplativa, ou sobre a inatividade. Ed. Vozes, 2023, Local 670.

Da ação ao ser

A disposição precede toda atividade

“A disposição nos abre o espaço unicamente no qual nos confrontamos com um ente. Ela desvela o ser. Não podemos dispor da disposição. Ela nos toma. Não é possível produzi-la voluntariamente. Antes, somos lançados nela. Não a atividade, mas o estar-lançado [Geworfenheit] como passividade ontológica originária define nosso ser-no-mundo originário.

A disposição precede toda atividade e é, ao mesmo tempo, definidora para ela.

Toda ação é, sem que sejamos conscientes disso, um agir definido. A disposição constitui, então, o quadro pré-reflexivo para atividades e ações.”

HAN, Byung-Chul. Vita Contemplativa, ou sobre a inatividade. Ed. Vozes, 2023, Local 640-644.

Da ação ao ser

Obrigação de produzir

“Quando a obrigação de produzir se apodera da linguagem, esta se coloca no modo do trabalho. Ela se reduz, então, à portadora de informação; ou seja, a mero meio de comunicação. A informação é a forma ativa da linguagem. A poesia, em contrapartida, desarma a linguagem como informação. Na poesia, a linguagem se coloca no modo da contemplação.”

HAN, Byung-Chul. Vita Contemplativa, ou sobre a inatividade. Ed. Vozes, 2023, Local 317.

Considerações sobre a inatividade

O que tem valor hoje?

“Hoje em dia, as coisas só começam a ter valor quando são vistas e expostas, quando chamam a atenção. Hoje, nos expomos no facebook, e com isso nos transformamos em mercadoria. Originariamente, a palavra produção não significa fabricação e confecção, mas levar para diante, tornar visível.”

HAN, Byung-Chul. Sociedade do Cansaço. Ed. Vozes, 2022, Local 1031.

Anexos: Tempo de celebração-a festa numa época sem celebração