“Dize tua relação com a dor, e te direi quem és!” Este ditado de Ernst Jünger pode ser extrapolado para a sociedade como um todo. A nossa relação com a dor mostra em que sociedade vivemos. Dores são cifras. Elas contêm a chave para o entendimento de toda a sociedade.
Caso se deixe a dor apenas a cargo da medicina, deixamos escapar o seu caráter de signo [Zeichencharakter].
(…) algofobia, uma angústia generalizada diante da dor. Também a tolerância à dor diminui rapidamente. A algofobia tem por consequência uma anestesia permanente. Toda condição dolorosa é evitada.
A algofobia se estende também à política. A coação à conformidade e a pressão por consenso crescem. A política se orienta em uma zona paliativa e perde toda vitalidade. A “falta de alternativa” é um analgésico político.
A política paliativa não é capaz de visões ou de reformas penetrantes. Ela prefere tomar analgésicos de curto efeito, que apenas aceleram disfunções e rejeições. A política paliativa não tem nenhuma coragem para a dor. Desse modo, o igual [das Gleiche] avança.
Vivemos em uma sociedade da positividade, que busca se desonerar de toda forma de negatividade. A dor é a negatividade pura e simplesmente. Também a psicologia segue essa mudança de paradigma e passa, da psicologia negativa como “psicologia do sofrimento”, para a “psicologia positiva”, que se ocupa com o bem-estar, a felicidade e o otimismo[3]. Pensamentos negativos devem ser evitados. Eles devem ser substituídos imediatamente por pensamentos positivos. A psicologia positiva submete a própria dor a uma lógica do desempenho. A ideologia neoliberal da resiliência transforma experiências traumáticas em catalisadores para o aumento do desempenho.
O treino de resiliência como treino de resistência espiritual tem de formar, a partir do ser humano, um sujeito de desempenho permanentemente feliz, o mais insensível à dor possível.
A missão de felicidade da psicologia positiva e a promessa de um oásis de bem-estar medicamente produzível são irmanadas.”
HAN, Byung-Chul. Sociedade paliativa: A dor hoje. Ed. Vozes, 2021, Local, 39-64.
Algofobia