“(…) Outros textos mostram que, em geral, a fumaça ou o vapor é considerado a psique da matéria. Até 1910, no serviço militar suíço, costumava-se ministrar um breve curso de medicina geral, para dar às pessoas uma noção sobre os ossos, a circulação sanguínea etc., e um professor disse que o cérebro era como uma tigela cheia de macarrão e que o vapor que ficava por cima dele era a alma! Ele havia adotado o velho padrão alquímico! O leitor poderia dizer que a fantasia tinha dois mil anos de idade, pois nos antigos textos de alquimia a ideia de vapor ou fumaça sempre comportava a ideia da psique, ou matéria sublimada, um corpo sutil, algo meio material. Em relatos parapsicológicos, se aparece um fantasma, vislumbra-se primeiro algo como vapor, ou uma névoa, pelo que se pode dizer que uma das ideias mais arquetípicas é a de que a psique está relacionada com a qualidade de névoa ou vapor, o que expressa a ideia de que está, de algum modo, ligada à matéria sólida mas não é idêntica a ela.
A água, em geral, incluindo a urina, comporta a projeção de conhecimento. No simbolismo da Igreja medieval, fazia-se eferência à aqua doctrinae e, no dialeto suíço, se alguém profere uma porção de tolices sem pé nem cabeça, diz-se que está urinando palavras. Os problemas renais psicogênicos relacionam-se frequentemente com o fato de as pessoas estarem cheias dessa água ruim, por não terem a atitude correta ou a ligação certa com o conhecimento; elas apenas tagarelam uma porção de conhecimentos não digeridos e isso é como urinar. Assim, normalmente, pode-se afirmar que a água se relaciona com o conhecimento extraído do inconsciente, que tanto pode ser mal-usado como ser usado de forma positiva.
Na alquimia, a água ou era o grande fator curativo ou era venenosa e destrutiva. Geralmente, interpretamos a água como o inconsciente e diferenciamos seu significado específico de acordo com o contexto. Se no sonho de um paciente a água está subindo, ou se ocorre uma grande inundação, então diríamos: “Tenha cuidado, o inconsciente está engolindo você”; nesse caso, a água seria negativa. Contudo, por outro lado, se ele se vê com sede num deserto, ela é a água da vida. Cristo é o poço da vida e existem vários outros símiles conhecidos. Em todas as religiões, a água é a substância vital, o que se resume no fato de que a extractio da anima, ou esse conhecimento diluído, é o que ocorre na interpretação de uma situação psicológica, ou num sonho.
(…)
Em tal caso, o conhecimento obtido do inconsciente tem a qualidade da água da vida, pois essa pessoa bebeu, por assim dizer, da água da vida e sairá com a sensação de que agora está fluindo e terminou o período de estagnação. Depois, haverá certa tensão até a hora analítica seguinte, pois o analisando se pergunta como continuará sua aventura interior, para que a vida ganhe um novo impulso e volte uma vez mais a fluir.
Por outro lado, temos visto pessoas afogadas no inconsciente, notadamente as esquizoides e os casos de fronteira, ou pessoas num episódio psicótico que expressam conhecimento do inconsciente. Sentam-se na cama, ou em seus quartos no hospital psiquiátrico, e falam da criação do mundo, do que é Deus e do que deveria ser feito para salvar o mundo, dizendo que todos os médicos do hospital são uns idiotas e que elas, sim, é que sabem das coisas etc. Esse é o conhecimento oriundo do inconsciente: é água, e está cheio de sabedoria, mas a cabeça dessas pessoas está debaixo da água e o conhecimento apoderou-se delas, e não o contrário. Essa pobre gente está literalmente afogada na sabedoria do inconsciente; não quer sair porque sente que está afogada em algo muito bom e muito maravilhoso, motivo pelo qual a maioria delas se recusa a ser curada.
(…) a água divina tem de ser produzida como resultado da coniunctio, o que, em termos psicológicos, seria o que fazemos diariamente. Uni-mos a nossa atitude consciente com o inconsciente, por exemplo, na interpretação de sonhos.
Isso explica a resistência contra a psicologia, pois muitas pessoas não querem engolir a pílula amarga. Elas têm uma vaga sensação de que estão seriamente fora do eixo, e de que só poderiam recuperar a saúde se engolissem certas críticas; estão determinadas a lutar se as críticas vêm de fora, mas é muitíssimo embaraçoso se as críticas provêm do seu próprio íntimo.”
VON FRANZ, Marie-Louise. Alquimia, Uma introdução ao simbolismo e seu significado na psicologia de Carl G. Jung, Ed. Cultrix 2022, Pág 169-172.
4a Palestra | Alquimia Grego-arábica