“Tornou também patente o fenômeno, dificilmente concebível, de que os povos civilizados se conhecem e compreendem entre si tão pouco que podem virar-se, cheios de ódio e de repulsa, uns contra os outros. Mais, que uma das grandes nações civilizadas é objeto de um repúdio tão universal que se pode arriscar a tentativa de a excluir, como «bárbara», da comunidade civilizada, embora tenha há muito demonstrado, graças aos mais esplendidos contributos, a sua aptidão para tal comunidade.
(…)
Os povos são, até certo ponto, representados pelos Estados que constituem, e estes Estados, por seu turno, pelos Governos que os regem. O cidadão individual pode comprovar com espanto nesta guerra o que já lhe ocorrera em tempos de paz, a saber, que o Estado proibiu ao indivíduo o uso da injustiça, não porque pretenda aboli-la, mas porque quer monopolizá-la, como o tabaco e o sal. O Estado combatente permite a si toda a injustiça e toda a violência que desonraria o indivíduo. Não só utiliza contra o inimigo a astúcia permissível (ruses de guerre), mas também a mentira consciente e o engano intencional, e isto, claro está, numa medida que parece supe- rar o usual em guerras anteriores.”
FREUD, Sigmund. Porquê a Guerra? – Reflexões sobre o destino do mundo, Ed. Edições 70, 2019, pág.29.
Considerações atuais sobre a guerra e a morte (1915)
“O desapontamento perante a morte”