Sociedade paliativa

“A sociedade paliativa[6] coincide com a sociedade do desempenho. A dor é vista como um sinal de fraqueza. Ela é algo que deve ser ocultado ou ser eliminado por meio da otimização [wegzuoptimieren]. Ela não é compatível com o desempenho. A passividade do sofrer não tem lugar na sociedade ativa dominada pelo poder [Können]. Hoje se remove à dor qualquer possibilidade de expressão. Ela é, além disso, condenada a calar-se.

A sociedade paliativa é, ademais, uma sociedade do curtir [Gefällt-mir]. Ela degenera em uma mania de curtição [Gefälligkeitswahn]. Tudo é alisado até que provoque bem-estar. O like é o signo, sim, o analgésico do presente. Ele domina não apenas as mídias sociais, mas todas as esferas da cultura.

Esquece-se que a dor purifica. Falta, à cultura da curtição, a possibilidade da catarse. Assim, sufocamo-la com os resíduos [Schlacken] da positividade, que se acumulam sob a superfície da cultura de curtição.

(…) agradáveis ao ponto da banalidade.

Em Ai Weiwei, mesmo a moral é embrulhada de tal maneira que ela anima para o like. Moral e curtição se encontram em uma simbiose bem-sucedida.

Ela remonta, primeiramente, à economificação e à comodificação da cultura. Os produtos culturais se encontram cada vez mais fortemente sob a coação do consumo. Eles têm de tomar uma forma que os torne consumíveis, ou seja, curtíveis. Essa economificação da cultura acompanha a culturificação da economia. Bens econômicos são dotados de mais-valia cultural.

Artistas se encontram, eles mesmos, sob a coação de se estabelecerem como marcas. Eles se tornam conformes ao mercado e curtíveis.

A criatividade como estratégia econômica permite, porém, apenas variações do igual. Ela não tem nenhum acesso ao inteiramente outro. Falta a ela a negatividade da ruptura, que dói. Dor e comércio se excluem reciprocamente.

O ditado de Adorno, de que a arte seria “estrangeiridade [Fremdheit] para o mundo”, ainda tinha validade. A arte do bem-estar é, desse modo, uma contradição. A arte tem de poder causar estranhamento, perturbar, transtornar, sim, também doer. Ela se encontra em outro lugar.

A aura da obra de arte consiste justamente na estrangeiridade. A dor é o rasgo por meio do qual o inteiramente outro tem entrada.

A consciência que não é capaz de estremecer é uma consciência coisificada. Ela é incapaz da experiência, pois é “em sua essência a dor na qual o essencialmente ser-outro do ente se desvela diante do habitual”. Também a vida que recusa toda dor é uma vida coisificada. Só o “ser-tocado pelo outro”mantém a vida viva. Caso contrário, ela permanece presa no inferno do igual.”

HAN, Byung-Chul. Sociedade paliativa: A dor hoje. Ed. Vozes, 2021, Local, 71-118.

Algofobia

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