“Incumbidos do desagradável dever de ordenar execuções por descumprimento das normas vigentes, os funcionários romanos quase sempre tentavam persuadir o acusado a preservar sua vida. Segundo relatos contemporâneos (ca.
165), depois que o idoso e reverenciado bispo Policarpo de Esmirna, na Ásia Menor, foi preso pela polícia,
…o governador tentou persuadi-lo a renegar suas convicções dizendo: “Respeito sua idade”, e outras coisas similares que eles usualmente dizem; “Jure pelo espírito do imperador. Redima-se. Diga ‘Abaixo os ateus!”‘ Policarpo, com uma expressão solene, olhou para a multidão de pagãos sem lei presente ao estádio (…) e disse: “Abaixo os ateus!”O governador persistiu e falou: “Jure e eu o deixarei partir. Amaldiçoe Cristo!” Mas Policarpo respondeu:-”Durante 86 anos fui seu servo e Ele nunca me causo mal (…) Se o senhor se ilude que jurarei pelo espírito do imperador, como pediu,e se finge não saber quem eu sou, ouça e lhe direi simplesmente: Eu sou cristão.” *(“Martírio de São Policarpo” 9-10, em MÁRTIRES CRISTÃOS, 9-11. Ênfase acrescentada)
(…)
Esse comportamento provocou o desprezo do estóico imperador Marco Aurélio, que considerava os cristãos uns exibicionistas mórbidos e desencaminhados. Atualmente, muitas pessoas podem concordar com esse julgamento, ou tratar os mártires como masoquistas neuróticos. Contudo, para os judeus e os cristãos nos séculos I e II, o termo tinha uma conotação diferente: martus significava em grego “testemunha”. No Império Romano, como em muitos países do mundo atual, membros de alguns grupos religiosos caem sob suspeita dos governos como organizações que promovem atividades criminosas ou traiçoeiras. As pessoas que, a exemplo de Justino, ousavam protestar publicamente contra o tratamento injusto conferido aos cristãos nos tribunais, convertiam-se em alvos possíveis de ação policial. Aqueles que se viam nessa situação à época, como agora, a escolha era simples: pronunciar-se arriscando serem presos, torturados, submetidos a um julgamento falso, além de exílio ou morte, ou calar-se para preservar a vida. Seus companheiros de crença reverenciavam os que falavam, chamando-os de “confessores”, e respeitavam só os que eram condenados à morte como “testemunhas” (mártires).
Mas nem todos os cristãos confessavam. Muitos, no momento da decisão, escolhiam a opção oposta. Alguns consideravam o martírio uma tolice, uma perda de uma vida humana e, assim, contrário ao desejo de Deus. Argumentavam que “Cristo, ao morrer por nós, foi executado para que não tivéssemos o mesmo destino”.”
PAGELS, Elaine. Os Evangelhos Gnósticos. Editora Objetiva, 1979, pág. 93.
Capítulo: 4- A Paixão de Cristo e a Perseguição aos Cristãos.