“No tempo das securas desta noite sensitiva, Deus Opera a mudança já referida: eleva a alma, da vida do sentido à do espírito, isto é, da meditação à contemplação, quando já não é mais possível agir com as potências ou discorrer sobre as coisas divinas.
Neste período, padecem os espirituais grandes penas. Seu maior sofrimento não é o de sentirem aridez, mas o receio de haverem errado o caminho, pensando ter perdido todos os bens sobrenaturais, e estar abandonados por Deus, porque nem mesmo nas coisas boas podem achar arrimo ou gosto. Muito se afanam então, e procuram, segundo o antigo hábito, aplicar as potências com certo gosto em algum raciocínio; julgam que, a não fazer assim, ou a não perceber que estão agindo, nada fazem. Mas, quando se aplicam a este esforço, sentem muito desgosto e repugnância no interior da alma, pois esta se comprazia em quedar-se naquele sossego e ócio, sem obrar com as potências.
Bem se vê que é escusado querer insistir: a alma nada mais conseguirá por aquele primeiro modo de proceder, conforme já dissemos.
As pessoas que se encontram neste estado, convém consolar-se em paciente perseverança, sem se afligirem. Confiem em Deus, pois Ele não abandona aos que O buscam com simples e reto coração. Não lhes deixará de dar o necessário para o caminho até conduzi-los à clara e pura luz do Amor.
O modo como se hão de conduzir os espirituais nesta noite do sentido consiste em não se preocuparem com o raciocínio e a meditação, pois já não é mais tempo disso. Deixem, pelo contrário, a alma ficar em sossego e quietude, mesmo se lhes parece claramente que nada fazem, e perdem tempo, ou se lhes afigure ser a tibieza a causa de não terem vontade de pensar em coisa alguma.
A única coisa que a alma há de fazer aqui é permanecer livre e desembaraçada, despreocupada de todas as notícias e pensamentos, sem cuidado do que deve pensar ou meditar. Contente-se com uma amorosa e tranquila advertência em Deus, sem outra solicitude nem esforço, e até sem desejo de achar n’Ele gosto ou consolação. Todas estas diligências, com efeito, inquietam e distraem a alma da sossegada quietude e suave repouso de contemplação que do Senhor aqui recebe.
Por mais escrúpulos que venham à alma, de perder tempo ou achar que seria bom agir de outro modo, – pois na oração nada pode fazer nem pensar, – convém suportar e ficar quieta, como se fosse à oração para estar à sua vontade, em liberdade de espírito. Se quiser fazer algo com as potências interiores, perturbará a ação divina, e perderá os bens que Deus está imprimindo e assentando no seu íntimo, por meio daquela paz e ócio da alma.
É como se um pintor estivesse a pintar e colorir um rosto, e este quisesse mover-se para ajudar em alguma coisa: com isto, não deixaria o pintor trabalhar, perturbando-lhe a obra. Assim, quando a alma sente inclinação para ficar em paz e quietude interior, qualquer operação, ou afeto, ou advertência, que então queira admitir, só serve para distraí-la e inquietá-la, causando secura e vazio no sentido.
De fato, a contemplação não é mais que uma infusão secreta, pacífica e amorosa de Deus; e, se a alma consente, logo é abrasada em espírito de amor (…)”
CRUZ, São João da. A noite escura da Alma. Editora Família Católica, 2018, versão Kindle, Posição: 726-770.