Pessoas Alienadas ou Inconscientes

“Muitas pessoas vivem, então, alienadas – ou, em termos contemporâneos, inconscientes. Desconhecendo suas próprias individualidades, elas não têm raízes. O Evangelho da Verdade descreve essa existência como um pesadelo. Aqueles que assim vivem sentem “terror, confusão, instabilidade, dúvida e divisão”, presos a “muitas ilusões”. Então, de acordo com a passagem que os estudiosos chamam de “parábola do pesadelo”, eles vivem

…submergidos em seus sonos, encontrando-se em sonhos perturbadores. Ou (há) um lugar para onde eles estão fugindo ou, sem força, estão voltando (após) terem perseguido outros, ou estão envolvidos em causar desgraças, ou estão eles mesmos recebendo golpes funestos, ou caíram de lugares altos, ou voaram no ar embora não tenham asas. Novamente, às vezes (é como) se as pessoas lhes estivessem matando, apesar de não haver ninguém lhes perseguindo, ou são eles mesmos que estão assassinando seus vizinhos, por terem sido manchados com o seu sangue. Quando aqueles que estão passando por todas essas coisas acordam, eles não vêem nada, aqueles que estão em meio a essas perturbações assim estão porque não são nada. Esse é o modo daqueles que puseram a sua ignorância à parte como o sono, deixando [suas funções] para trás como um sonho em uma noite. (…) Esse é o modo como cada um agiu, como se dormisse no tempo quando era ignorante. E esse é o modo como chegou ao conhecimento, como se tivesse acordado.*(Ibid., 29.8-30.12, em NHL 43.)

Quem permanece ignorante, uma “criatura alienada”, não se realiza. Os gnósticos dizem que uma pessoa assim “vive imersa na deficiência (o oposto da realização). Porquea deficiência consiste em ignorância:

( … ) Quem é ignorante, quando atinge o conhecimento, sua ignorância se esvai por si só; assim como a escuridão desaparece com a luz, a deficiência esvai-se com a realização.” *(Ibid., 24.32-25.3, em NHL 41)

PAGELS, Elaine. Os Evangelhos Gnósticos. Editora Objetiva, 1979, pág. 142-143.

Capítulo: 6- Gnosis: Autoconhecimento Como Conhecimento de Deus.

Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida

(…) Tomé lhe diz: “Senhor, não sabemos para onde vais.
Como podemos conhecer o caminho?” Diz-lhe Jesus: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida. Ninguém vem ao Pai a não ser po mim.” * (João 14:5-6.)

O Evangelho de João, que contém esse trecho, é um livo notável que muitos gnósticos reclamam a si e unlizam como fonte primária para o ensinamento gnóstico.

PAGELS, Elaine. Os Evangelhos Gnósticos. Editora Objetiva, 1979, pág. 135.

Capítulo: 6- Gnosis: Autoconhecimento Como Conhecimento de Deus.

Nível de Entendimento dos Iniciados

“O que os diferenciava era o nível de entendimento. Os cristãos não iniciados veneravam o criador de forma errônea, como se fosse Deus; acreditavam em Cristo como aquele que os salvaria do pecado e que ressuscitara: eles o aceitavam em razão da fé, sem compreender o mistério de sua natureza – ou de suas próprias. Mas os que haviam recebido a gnosis reconheciam Cristo como o enviado do Pai da Verdade, que lhes revelara que suas naturezas eram idênticas à dele – e à de Deus.

PAGELS, Elaine. Os Evangelhos Gnósticos. Editora Objetiva, 1979, pág. 132.

Capítulo: 5- Qual é a “Verdadeira Igreja”?

O Acolhimento dos Hereges

“Tertuliano (…) Lamentava que os hereges acolhessem todos que aderissem a eles, “porque não se importam com seus diferentes tratamentos dos tópicos”, desde que houvesse consenso para acessar “a cidade de uma única verdade”. Contudo, essa metáfora indica que os gnósticos não eram nem relativistas nem céticos.” *(Tertuliano, DE PRAESCR. 7.)

PAGELS, Elaine. Os Evangelhos Gnósticos. Editora Objetiva, 1979, pág. 115.

Capítulo: 5- Qual é a “Verdadeira Igreja”?

Nós Somos Seus Pastores

(…) Eles não perceberam que ela possuía um corpo espiritual invisível; pensam: “Nos somos seus pastores, dela a quem alimentamos.” No entanto, não perceberam que ela conhece outra forma que está escondida deles. Esta, seu verdadeiro pastor lhe ensinou pela gnosis. *(Ibid., 31.30-33.3, em NHL 282)

“Ao usar o termo comum para bispo (poimen, “pastor”), o autor refere-se, aparentemente, aos membros do clero: eles não sabiam que os cristãos gnósticos tinham acesso direto a Cristo, o verdadeiro pastor da alma, e não precisavam de sua liderança.”

PAGELS, Elaine. Os Evangelhos Gnósticos. Editora Objetiva, 1979, pág. 128.

Capítulo: 5- Qual é a “Verdadeira Igreja”?

A Verdadeira Igreja é a União

” O Segundo Tratado do Grande Seth declara de modo similar que a característica da verdadeira igreja é a união que seus membros desfrutam com Cristo e entre si, “unidos pela amizade perene de amigos, que desconhecem a hostilidade, a maldade e são ligados pela gnosis (…) [na] amizade que nutrem uns pelos outros”.Possuem a intimidade do casamento, um “casamento espiritual”, pois vivem “na paternidade e na maternidade, e na fraternidade racional e nasabedoria”, como aqueles que se amam como “amigos espirituais”.

Essa visão etérea de um-a”igreja celestial” contrasta drasticamente com o enfoque terreno das fontes ortodoxas. Por que os autores gnósticos abandonaram à concretude e descrevem a igreja em termos tão irreais e imaginários? Alguns estudiosos dizem que isso prova seu escasso entendimento e seu desapreço quanto às relações sociais. Carl Andresen, em seu recente e denso estudo sobre os primórdios da igreja cristã, denominou-os de “solipsistas religiosos” preocupados apenas com seu próprio desenvolvimento espiritual, indiferentes às responsabilidades comunitárias de uma igreja.Mas as fontes citadas acima mostram que esses gnnósticos definiam a igreja presisamente em termos da qualidade de interação entre seus membros.”

PAGELS, Elaine. Os Evangelhos Gnósticos. Editora Objetiva, 1979, pág. 121.

Qual é a Verdadeira Igreja?

“Durante quase 2 mil anos a tradição cristã preservou e reverenciou os escritos ortodoxos que denunciavam os gnósticos enquanto reprimiam e destruíam – os escritos gnósticos. Agora, pela primeira vez, certos textos descobertos em Nag Hammadi revelam o outro lado da moeda: como os gnósticos denunciavam os ortodoxos. O Segundo Tratado do Grande Seth critica o cristianismo ortodoxo, contrastando-o com a “verdadeira igreja” dos gnósticos. Dirigindo-se àqueles que chamava de filhos da luz, o autor diz:

(…) somos perseguidos e odiados, não apenas pelos ignorantes [pagãos], mas também por aqueles que pensam que estão promovendo o nome de Cristo, pois são inconscientemente vazios, não conhecendo a si mesmos, como animais mudos. *(Segundo Tratado do Grande Seth 59.22-29, em NHL 333-334. Para análise, ver J. A. Gibbons, A Commentary on “The Second Logos of the Great Seth” (New Haven, 1972)

O autor analisa cada uma das características da Igreja católica como uma evidência de que ela é apenas um plágio, uma imitação, uma “irmã” que copia a verdadeira fraternidade cristã. Esses cristãos, em sua arrogância cega, reivindicam uma legitimidade exclusiva: “Aqueles que não entendem o mistério falam coisas que não compreendem, mas vangloriam-se de que o mistério da verdade pertence apenas a eles.- A obediência deles aos bispos e diáconos indica que eles “curvam-se diante do julgamento de seus líderes”. Eles oprimem seus irmãos e difamam aqueles que atingem a gnosis.”

PAGELS, Elaine. Os Evangelhos Gnósticos. Editora Objetiva, 1979, pág. 116-117.

Capítulo: 5- Qual é a “Verdadeira Igreja”?

Fruto da Sabedoria

(…) pregado na árvore, ele tornou-se o fruto da sabedoria [gnosis] do Pai. No entanto, não causou destruição porque [foi] comido, e os que o comeram rejubilaram-se com a descoberta. Pois ele os descobriu em si mesmo, e eles o descobriram neles mesmos… *(Ibid., 18.24-31, em NHL 38.)

Contrariamente às fontes ortodoxas, que interpretam a morte de Cristo como um sacrifício para redimir a humanidade da culpa e do pecado, esse evangelho gnóstico vê a crucificação como uma ocasião para descobrir sua entidade divina. Com essa interpretação diferente, o Evangelho da Verdade oferece um relato comovente da morte de Jesus:

(…) o misericordioso, o fiel, Jesus foi paciente em aceitar os sofrimentos (…) sabendo que sua morte representava a vida de muitos. (…) Foi pregado em uma árvore (…) Despiu-se para a morte, apesar de vestido com a vida eterna.” *(Ibid., 20.10-32, em NHL 39.4 NHL 86 87 Tratado Tripartido, 113-32-3)

(…)E foi pelo seu amor que se tornou manifesto em um sofrimento involuntário. (…) Não apenas recebeu em si mesmo a morte daqueles que pretendeu salvar, mas também aceitou suas pequenezas (…) Ele se deixou ser concebido e nasceu como uma criança em corpo e alma.”

PAGELS, Elaine. Os Evangelhos Gnósticos. Editora Objetiva, 1979, pág. 107-108.

Capítulo: 4- A Paixão de Cristo e a Perseguição aos Cristãos.

Acreditar na Própria Verdade

“Nessas bases, como artistas, expressam suas próprias concepções – sua própria gnosis– ao criar novos mitos, poemas, rituais, “diálogos” com Cristo, revelações e relatos de suas visões.

O mestre Heráclio (160 d.C.), um dos alunos de Valentino, diz: “primeiro, as pessoas devem acredita em razão do testemunho de outros (…)”, depois, porém, “acreditam na própria verdade”. Seu professor, Valentino, diz ter sido o primeiro a aprender os ensinamentos secretos de Paulo; experimentou, então, a visão que se tornou a fonte de sua própria gnosis:

Viu um recém-nascido, e quando lhe perguntou quem era, a criança respondeu: “Eu sou o Logos.” *Hipólito, REF 6.42

(…)

O cristão ortodoxo acredita “na verdade única dos apóstolos, professada pela igreja” . E não aceita nenhum evangelho senão os quatro do Novo Testamento, que servem como cânone (“diretriz”, literalmente) para determinar todas as doutrinas e práticas futuras.

Entretanto, os cristãos gnósticos, oponentes de Irineu, assumiram tér ido bem mais além do ensinamento original dos apóstolos.(…) os gnósticos anteciparam que o presente e o futuro capitulariam diante do crescimento contínuo do conhecimento. Irineu toma isso como prova de sua arrogância:

…Consideram a si mesmos “maduros”, e ninguém pode comparar-se a eles na grandiosidade de sua gnosis, nem mesmo se mencionar Pedro ou Paulo ou qualquer outro apóstolo (…) Imaginam ter descoberto muito mais que os apóstolos, e que os apóstolos pregavam o evangelho ainda sob influência de opiniões judaicas; eles, porém, são mais sábios e inteligentes que os apóstolos. *Ibid., 1.13.6.

Aqueles que se consideram “mais sábios que os apóstolos” também se consideram “mais sábios que os padres”. Porque o que os gnósticos dizem sobre os apóstolos – e, em especial, sobre os 12- e, expressa sua atitude diante de padres e bispos que dizem estar na sucessão apostólica ortodoxa.”

PAGELS, Elaine. Os Evangélhos Gnósticos. Editora Objetiva, 1979, pág. 21-23.

Capítulo: 1- A Controvérsia Sobre a Ressurreição de Cristo: Acontecimento Histórico ou Símbolo?