A solidez da verdade

“Em contraste com a informação, a verdade possui uma solidez de ser. Ela se caracteriza pela duração e permanência. Verdade é facticidade. Ela resiste a todas as mudanças e manipulações. Assim, ela constitui o fundamento da existência humana: “A verdade poderia ser definida conceitualmente como aquilo que o ser humano não pode mudar; metaforicamente falando, é o fundamento sobre o que nos encontramos e o céu que se estende acima de nós”

HAN, Byung-Chul. Não coisas: Reviravoltas do mundo da vida. Ed. Vozes, 2021, Local 149.

Da coisa à não-coisa

Estado totalitário

No estado totalitário, construído na base de uma mentira total, dizer a verdade é um ato revolucionário. A coragem de verdade distingue os parresiastas. Na sociedade pós-factual da informação, por sua vez, o pathos da verdade não leva a absolutamente nada. Perde-se em ruído da informação. A verdade decai em poeira de informação levada pelo vento digital.”

HAN, Byung-Chul. Infocracia: Digitalização e a crise da democracia. Ed. Vozes, 2022, Local 932.

A crise da verdade

Aprisionados em uma caverna digital

“Estamos, hoje, aprisionados em uma caverna digital supondo estarmos em liberdade. Estamos agrilhoados na tela digital. Os prisioneiros da caverna platônica estão inebriados pelas imagens mítico-narrativas. A caverna digital, por sua vez, nos mantém aprisionados em informações. A luz da verdade está completamente extinta. Não há mais fora da caverna informacional. Um forte ruído de informação faz desaparecer os contornos do ser. A verdade não gera ruído.

A verdade tem uma temporalidade completamente diferente da informação. Enquanto a informação tem um lapso muito estreito de atualidade, a verdade se distingue pela duração. Desse modo, ela estabiliza a vida.”

HAN, Byung-Chul. Infocracia: Digitalização e a crise da democracia. Ed. Vozes, 2022, Local 921-925.

A crise da verdade

Filosofia é dizer a verdade

“Filosofia é dizer a verdade. Os filósofos têm que, segundo Foucault, implacavelmente se ocupar com o “hoje”. Praticam a parrhesia em relação àquilo que acontece hoje.

A preocupação com o hoje como preocupação com a verdade vale, ao fim e ao cabo, para o futuro: “eu penso que nós [filósofos] somos aqueles que fazem o futuro. O futuro é o modo como reagimos ao que acontece, é o modo como transportamos um movimento, uma dúvida, à verdade”74. À filosofia de hoje falta totalmente a relação com a verdade. Ela vem se afastando do hoje. Também não tem, assim, futuro.

HAN, Byung-Chul. Infocracia: Digitalização e a crise da democracia. Ed. Vozes, 2022, Local 910-912.

A crise da verdade

Verdadeira democracia

A “verdadeira democracia” (Foucault faz referência ao historiador grego Políbio) é guiada por dois princípios, o da isegoria e o da parrhesia. A isegoria diz respeito ao direito concedido a todo cidadão de se expressar livremente. A parrhesia, o dizer a verdade, pressupõe e exige a isegoria, mas excede o direito constitucional de tomar a palavra. Ela proporciona a determinados indivíduos “dizer o que pensam, o que assumem como verdadeiro, o que realmente assumem como verdadeiro”.

HAN, Byung-Chul. Infocracia: Digitalização e a crise da democracia. Ed. Vozes, 2022, Local 873.

A crise da verdade

Fixando a verdade

“Para cessar o estado de guerra, fora preciso começar fixando a verdade, isto é, designar as coisas de modo vinculativo. O mentiroso emprega as palavras para fazer o irreal parecer real, isto é, usurpa o fundamento sólido”. A verdade evita que diferentes reivindicações de validade levem a um bellum omnium contra omnes, a uma guerra de todos contra todos, à cisão total da sociedade. Mantém a sociedade junta na condição de uma convenção necessária.”

HAN, Byung-Chul. Infocracia: Digitalização e a crise da democracia. Ed. Vozes, 2022, Local 725.

A crise da verdade

A democracia é lenta, prolixa e tediosa

“A comunicação baseada em memes como contaminação viral dificulta o discurso racional ao mobilizar, mais do que nada, afetos.

(…)

A democracia é lenta, prolixa e tediosa. A propagação viral de informações, a infodemia, prejudica, assim, de modo massivo o processo democrático. Argumentos e fundamentações não cabem em tuítes ou memes que se propagam e multiplicam em velocidade viral.

Informações ultrapassam num piscar de olhos a verdade e esta não lhes pode alcançar. Está condenada ao fracasso, portanto, a tentativa de, com a verdade, querer lutar contra a infodemia. Esta é resistente à verdade.”

HAN, Byung-Chul. Infocracia: Digitalização e a crise da democracia. Ed. Vozes, 2022, Local 378-386.

Infocracia

Sono e sonho

“Sono e sonho são lugares privilegiados da verdade. Eles suspendem as separações e os limites que imperam no estado de vigília. As coisas revelam sua verdade no “sono criativo e sobrevivente do subconsciente (um sono no qual coisas que apenas tocavam-nos cavam mais fundo e as mãos adormecidas agarram a chave da abertura que elas antes buscavam em vão)”18. A atividade e a ação são cegas à verdade. Elas tocam apenas a superfície das coisas. As mãos orientadas à ação buscam a chave para a verdade, mas não a encontram. Esta recai, antes, em mãos adormecidas.”

HAN, Byung-Chul. Vita Contemplativa, ou sobre a inatividade. Ed. Vozes, 2023, Local 169.

Considerações sobre a inatividade

O sono é um medium da verdade

“O sono é um medium da verdade. Apenas na inatividade divisamos a verdade. O sonho revela um mundo interior verdadeiro por trás das coisas do mundo exterior, que seriam apenas uma aparência. Aquele que sonha mergulha nas camadas mais profundas do ser.”

HAN, Byung-Chul. Vita Contemplativa, ou sobre a inatividade. Ed. Vozes, 2023, Local 162.

Considerações sobre a inatividade

A verdadeira felicidade

“A verdadeira felicidade se deve ao que é vão e inútil, ao que é reconhecidamente profuso, improdutivo, desviante, excessivo, superficial, às belas formas e gestos, que não têm nenhuma utilidade e não servem para nada. Passear sossegadamente é, em comparação com o andar, correr ou marchar para algum lugar, um luxo. O cerimonial da inatividade significa: fazemos, mas para nada. Esse para-nada, essa liberdade com respeito a qualquer finalidade ou utilidade, é o núcleo essencial da inatividade. É a fórmula essencial da felicidade.

(…)

Tanto a espera quanto a dúvida são figuras da inatividade.”

HAN, Byung-Chul. Vita Contemplativa, ou sobre a inatividade. Ed. Vozes, 2023, Local 106-113.

Considerações sobre a inatividade