Astúcia da dor

“(…) o tédio não é senão a dissolução da dor no tempo”

A violência também é o excesso de positividade que se manifesta como hiperdesempenho, hipercomunicação e hiperestimulação. A violência da positividade leva a dores de sobrecarga. Algógenas são, hoje, sobretudo aquelas tensões físicas que são características para a sociedade do desempenho neoliberal. Elas indicam traços autoagressivos. O sujeito de desempenho comete violência consigo próprio. Ele explora a si mesmo voluntariamente, até que ele desmorone. O servo tira o chicote da mão do senhor e chicoteia a si próprio para se tornar senhor, sim, para ser livre. O sujeito do desempenho está em guerra consigo mesmo. As pressões internas que surgem aí o derrubam em depressão. Elas também causam dores crônicas.

Para dores, a solidão e a experiência de proximidade faltante funcionam como um amplificador. Talvez dores crônicas como aqueles cortes autoinduzidos sejam um grito do corpo por atenção [Zuwendung] e por proximidade, sim, pelo amor, uma indicação eloquente de que, hoje, dificilmente ocorrem contatos. Falta-nos, evidentemente, a curadora mão do outro.

Não por último é o vazio de sentido da sociedade atual que faz as dores crônicas insuportáveis. Elas refletem a nossa sociedade esvaziada de sentido, o nosso tempo sem narrativa, no qual a vida se tornou uma sobrevivência nua. Analgésicos ou pesquisas psicológicas não conseguem fazer muito aqui. Eles apenas nos tornam cegos diante das causas socioculturais da dor.”

HAN, Byung-Chul. Sociedade paliativa: A dor hoje. Ed. Vozes, 2021, Local, 483-516.

Astúcia da dor

A paz por meio da guerra?

“(…) outras, pelo contrário, contribuíram para a transformação da violência em direito, ao estabelecerem maiores entidades em cujo seio foi eliminada a possibilidade do uso da violência (…). Assim, as conquistas dos Romanos legaram a preciosa pax romana aos povos mediterrânicos. O gosto da expansão dos reis franceses criou uma França pacificamente unida e próspera. Embora se afigure paradoxal, deve admitir-se que a guerra poderia ser um meio apropriado para estabelecer a anelada «paz eterna», já que é capaz de criar unidades tão grandes que um forte poder central torna impossíveis outras guerras. Mas, na realidade, a guerra não serve para tal fim, pois os resultados da conquista não costumam ser duradoiros; as novas unidades criadas voltam geralmente a desmembrar-se, por causa da escassa coesão entre as partes unidas à força.

Aplicando as minhas reflexões à atualidade, chego ao mesmo resultado que o senhor alcançou por um caminho mais curto.” 

FREUD, Sigmund. Porquê a Guerra? – Reflexões sobre o destino do mundo, Ed. Edições 70, 2019, pág. 67.

Reflexões a dois sobre o destino do mundo (1932)

“Carta de Freud a Einstein”

A violência é vencida pela união

“(…)um caminho levou da força ao direito, mas qual? A meu ver, só podia ter sido um: o que passava pelo facto de a força maior de um indivíduo poder ser compensada pela associação de vários mais débeis. L’union fait la force. A violência é vencida pela união, o poder dos unidos representa agora o direito, em oposição à força do indivíduo isolado. Vemos, pois, que o direito é o poder de uma comunidade. Continua a ser uma força disposta a dirigir-se contra qualquer indivíduo que se lhe contraponha; opera com os mesmos meios, persegue os mesmos fins; na realidade, a diferença reside apenas em que já não é o poder de um indivíduo a impor-se, mas o da comunidade.

(…) a diferença reside apenas em que já não é o poder de um indivíduo a impor-se, mas o da comunidade.

Com isto, penso eu, já temos o essencial: a superação da violência pela transferência do poder para uma unidade mais ampla, mantida pelos vínculos afetivos dos seus membros. (…) As leis desta associação determinam então em que medida o individuo há de renunciar à liberdade pessoal de exercer violentamente a sua força, para que seja possível uma convivência segura.

(…)

Há ainda uma outra fonte de transformação jurídica, que se manifesta apenas de forma pacífica: é o desenvolvimento cultural dos membros da entidade coletiva, mas esta pertence a um contexto que só mais tarde será abordado.”

FREUD, Sigmund. Porquê a Guerra? – Reflexões sobre o destino do mundo, Ed. Edições 70, 2019, pág.65-66.

Reflexões a dois sobre o destino do mundo (1932)

“Carta de Freud a Einstein”

Diversidade

“Nesse tranquilizante se-comparar com tudo, que tudo ‘entende’, o ser-aí é levado a uma alienação na qual o mais próprio poder-ser lhe é ocultado”. O desabamento do horizonte de entendimento cotidiano gera angústia. Apenas na angústia se abre ao ser-aí a possibilidade do [seu] mais próprio poder-ser.

A diversidade permite apenas diferenças conforme ao sistema. Ela representa a alteridade tornada consumível. Assim, ela perpetua o igual de maneira mais eficiente do que a uniformidade; pois, por causa da multiplicidade aparente de primeiro plano, não se reconhece a violência sistêmica do igual. Multiplicidade e escolha emulam uma alteridade que, na realidade, não existe.”

HAN, Byung-Chul.A expulsão do outro: Sociedade, percepção e comunicação hoje. Ed. Vozes, 2022, Local 449-454.

Angústia

A violência do global

“Inere à globalização uma violência que faz de tudo cambiável, comparável e, assim, igual. O equi-parar [Ver-Gleichen] leva, em última instância, a um esvaziamento do sentido. O sentido é algo incomparável

A violência do global bane todas as singularidades que não se deixam submeter à troca universal. O terrorismo é o terror do singular contra o terror do global.”

HAN, Byung-Chul.A expulsão do outro: Sociedade, percepção e comunicação hoje. Ed. Vozes, 2022, Local 191-203.

Violência do Global e terrorismo

Polarização entre inimigo e amigo

“A violência da positividade não pressupõe nenhuma inimizade. Desenvolve-se precisamente numa sociedade permissiva e pacificada. Por isso ela é mais invisível que uma violência viral. Habita o espaço livre de negatividade do igual, onde não se dá nenhuma polarização entre inimigo e amigo, interior e exterior ou entre próprio e estranho.”

HAN, Byung-Chul. Sociedade do Cansaço. Ed. Vozes, 2022, Local 128.

1 | A violência Neuronal

Excesso de positividade

“A violência da positividade não é excludente, mas saturante, exaustiva, sendo inacessível a uma percepção direta. A violência neuronal não parte mais de uma negatividade estranha ao sistema. É antes uma violência sistêmica, isto é, imanente ao sistema, um excesso de positividade.”

HAN, Byung-Chul. Sociedade do Cansaço. Ed. Vozes, 2022, Local 42. (Resumo)

Sociedade do Cansaço

Positivação do mundo

“A positivação do mundo faz surgir novas formas de violência, que são imanentes ao sistema. A violência neuronal que leva ao infarto psíquico é um terror da imanência, que se distingue radicalmente daquele horror que procede do estranho no sentido imunológico.”

HAN, Byung-Chul. Sociedade do Cansaço. Ed. Vozes, 2022, Local 40. (Resumo)

Sociedade do Cansaço

Como Morreram os Apóstolos

“De acordo com a tradição, a vida de vários dos primeiros discípulos de Jesus terminou em violenta perseguição: Mateus foi assassinado com uma espada na Etiópia; Marcos foi arrastado até morrer pelas ruas de Alexandria; Lucas foi enforcado na Grécia; João foi lançado a um caldeirão de óleo fervente, mas escapou milagrosamente, sendo então exilado em Patmos, onde teve morte natural; Pedro foi crucificado em Roma, com a cabeça para baixo; Tiago Maior foi decapitado em Jerusalém; Tiago Menor foi lançado de um pináculo do Templo e então o surraram até morrer; Bartolomeu foi esfolado vivo; André foi preso a uma cruz e morreu pregando a seus perseguidores; Tomé teve o corpo trespassado por uma lança; Matias foi primeiramente apedrejado e a seguir decapitado; Judas (Tadeu) foi varado por flechas até morrer; Barnabé dos Gentios foi apedrejado até a morte em Salônica; Paulo, depois de várias perseguições e torturas, foi decapitado em Roma; as informações sobre a morte de Filipe e de Simão Cananita são obscuras e conflitantes; Judas Iscariotes se enforcou.”

YOGANANDA, Paramahansa. A Segunda Vinda de Cristo, A Ressurreição do Cristo Interior. Comentário Revelador dos Ensinamentos Originais de Jesus. Vol. III. Editora Self, 2017, pág. 214.

Capítulo 67.