Ausência de sentido da dor

“Uma marca fundamental da experiência de dor atual consiste em a dor ser percebida como desprovida de sentido. Não há mais referências de sentido que, em vista da dor, deem suporte e orientação. A arte de sofrer a dor se perdeu inteiramente para nós. A medicalização e a farmacologização exclusivas da dor destroem o “programa cultural da superação da dor”[27]. A dor é, agora, um mal sem sentido, que deve ser combatido com analgésicos. Como mera aflição corporal, ela cai inteiramente fora da ordem simbólica.

Monsieur Teste se cala em vista da dor. A dor lhe rouba a fala. Ela destrói para ele o mundo e o encapsula no corpo mudo. A mística cristã Teresa de Ávila pode ser indicada como uma contrafigura de Monsieur Teste. Nela, a dor é extremamente eloquente. Com a dor começa a narrativa. A narrativa cristã verbaliza a dor e transforma também o corpo da mística em um palco. A dor aprofunda a relação com Deus. Ela produz uma intimidade, uma intensidade.

(…) nem eu poderia me contentar com algo menos do que com Deus.

Nota: Teresa D’ÁVila

Segundo Freud, a dor é um sintoma que indica um bloqueio na história de uma pessoa. O paciente, por causa de seu bloqueio, não está em condições de avançar na história. Dores psicogênicas são expressões de palavras soterradas, reprimidas. A palavra se tornou coisal [dinghaft]. A terapia consiste em libertar a pessoa desse bloqueio de falar, tornar a sua história novamente fluida.

A ausência de sentido da dor aponta, antes, para o fato de que a nossa vida, reduzida a um processo biológico, é ela mesma esvaziada de sentido. O ser dotado de sentido [Sinnhaftigkeit] da dor pressupõe uma narrativa que insere a vida em um horizonte de sentido. A dor sem sentido é possível apenas em uma vida nua esvaziada de sentido, que não narra mais.

Parte, das narrativas, uma força curativa: “A criança está doente. A mãe a traz para a cama e se senta ao seu lado. E então ela começa a lhe contar histórias”[33]. Benjamin pensa que a narrativa que o doente confia ao médico no início de seu tratamento introduz o processo de cura. Benjamin se pergunta “se toda doença não seria curável, se ela apenas se deixasse fluir longe o bastante, até a boca, no fluxo do narrar”. A dor é uma “barragem” que, a princípio, resiste ao fluxo da narrativa.”

HAN, Byung-Chul. Sociedade paliativa: A dor hoje. Ed. Vozes, 2021, Local, 342-394.

Ausência de sentido da dor

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