“A histeria da sobrevivência torna a vida radicalmente impermanente, pois a vida é reduzida a um processo biológico que deve ser otimizado. Ela perde toda dimensão metafísica.
(…) self-tracking evolui em um culto. A hipocondria digital, a permanente automedição com apps de saúde e fitness degradam a vida a uma função. A vida é despida de toda narrativa promotora de sentido. Ela não é mais o narrável [Erzählbare], mas o mensurável [Messbare] e o contável [Zählbare].
Desvanecem inteiramente também todos aqueles símbolos, narrativas ou rituais que fariam a vida ser mais do que um mero sobreviver. Práticas culturais como o culto aos antepassados dão também aos mortos uma vivacidade. Vida e morte se vinculam em uma troca simbólica. Uma vez que aquelas práticas culturais que estabilizam a vida se perderam inteiramente, domina a histeria da sobrevivência. Hoje nos parece especialmente difícil morrer, pois não é mais possível encerrar a vida de modo dotado de sentido.
A sociedade dominada pela histeria da sobrevivência é uma sociedade dos mortos-vivos. Estamos vivos demais para morrer e mortos demais para viver. No cuidado exclusivo com a sobrevivência nos igualamos ao vírus, esse ser morto-vivo que apenas se multiplica, ou seja, sobrevive sem viver.”
HAN, Byung-Chul. Sociedade paliativa: A dor hoje. Ed. Vozes, 2021, Local, 302-320.
Sobrevivência