“Apenas a poesia deixa registrar aquele silêncio sem som, aquele resto cantável que irrompe silenciosamente através da palavra ressoante. A poesia restitui o legível ao ilegível do qual ele provém.
A dor é o rasgo por meio do qual o silêncio, o lá fora indisponível, irrompe no pensamento.
A dor é uma disposição fundamental da finitude humana. Heidegger a pensa a partir da morte: “A dor é a morte no pequeno – a morte, a dor no grande”[75]
O Eros é o desejo pelo outro que se furta ao meu acesso.
Morte e dor não pertencem à ordem digital. Elas representam apenas perturbações. Também luto e saudade [Sehnsucht] são suspeitos. A dor da proximidade da distância é estranha à ordem digital. A distância está inscrita na proximidade. A ordem digital aplaina a proximidade em ausência de distanciamento, de modo que ela não doa. Sob a coação da disponibilidade, tudo é tornado alcançável e consumível. O habitus digital enuncia: tudo tem de estar imediatamente disponível. O télos da ordem digital é a total disponibilização. Falta a ela a “lentidão da timidez hesitante diante do infactível”
HAN, Byung-Chul. Sociedade paliativa: A dor hoje. Ed. Vozes, 2021, Local, 776-813.
Ontologia da dor