“O “cansaço fundamental” é tudo menos um estado de esgotamento no qual estaríamos incapacitados de fazer alguma coisa. É apresentado antes como uma capacidade especial. Ele inspira. Faz surgir o espírito. A “inspiração do cansaço” equipara-se ali ao não fazer: “uma ode de Píndaro a um cansado e não a um vencedor!” Eu imagino ‘cansado’ como a sociedade pentecostal recebe o espírito, através do banco. A inspiração do cansaço diz menos o que se deve fazer do que aquilo que pode ser deixado de lado”. O ‘cansado’ habilita o homem para uma serenidade e abandono especial, para um não fazer sereno. Não é um estado onde todos os sentidos estariam extenuados. Desperta, ao contrário, uma visibilidade específica. Assim, Handke fala de um “cansaço translúcido”. Permite o acesso a uma atenção totalmente distinta, acesso àquelas formas longas e lentas que escapam à hiperatenção curta e rápida: “O cansaço articula […] – a confusão usual ganha ritmo através dele no bem-fazer da forma – forma, até onde alcança a vista”. Toda e qualquer forma é lenta. Toda e qualquer forma é rodeio. Faz desaparecer a economia da eficiência e da aceleração. Handke erige o cansaço profundo inclusive numa forma de salvação, sim, numa forma de rejuvenescimento. Traz de volta ao mundo a admiração: “O Odisseu cansado ganhou o amor da Nausícaa. O cansaço torna-te tão jovem como jamais estivestes. […] Nele, no repouso do cansaço, tudo se torna admirável”.”
HAN, Byung-Chul. Sociedade do Cansaço. Ed. Vozes, 2022, Local 598.
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