A barulhenta sociedade do cansaço é surda

“A barulhenta sociedade do cansaço é surda. A sociedade do porvir poderia, em contrapartida, ser uma sociedade dos escutadores [Zuhörenden] e escutantes [Lauschenden]. É necessária, hoje, uma revolução temporal, que permita que um tempo inteiramente diferente comece. A crise atual do tempo não é a aceleração, mas a totalização do tempo do si. O tempo do outro se furta à lógica do aumento do desempenho e da eficiência, que produz uma pressão por aceleração.”

HAN, Byung-Chul.A expulsão do outro: Sociedade, percepção e comunicação hoje. Ed. Vozes, 2022, Local 1273.

Escutar

Cansaço originário

“O “cansaço originário” (lassitude primordiale) caracteriza uma passividade radical que se furta a toda iniciativa do eu. Ela introduz o tempo do outro. O cansaço primordial abre espaço inacessível a todo poder, a toda iniciativa. Eu sou fraco em vista do outro. Justo nessa fraqueza metafisica do não poder/poder desperta um desejo pelo outro. Mesmo se o sujeito satisfez todas as [suas] necessidades, ele está em busca do outro.

Só o Eros tem condição de libertar o eu da depressão, do envolvimento narcisista consigo mesmo. O outro é, visto assim, uma fórmula de redenção. Apenas o Eros que me arranca para fora de mim e para o outro pode vencer a depressão. O sujeito depressivo de desempenho é inteiramente desacoplado do outro. O desejo do outro, sim o clamor pelo outro ou a “conversão” para o outro  seriam um antidepressivo metafísico, que rompem a casca narcisista do eu.”

HAN, Byung-Chul.A expulsão do outro: Sociedade, percepção e comunicação hoje. Ed. Vozes, 2022, Local 1125-1131.

O pensamento do outro

Sentimento de vazio

“Justamente a falta de sentimento de ser é responsável pelo autoflagelo. A fenda não é apenas um ritual de autopunição pela própria insuficiência, típica para a atual sociedade do desempenho e da otimização, mas também um grito por amor.

O sentimento de vazio é um sintoma fundamental da depressão e do distúrbio de personalidade borderline. Os borderlines frequentemente não estão em condições de sentir a si mesmos. Apenas pela fenda eles sentem alguma coisa. O sujeito de desempenho depressivo está pesadamente carregado consigo mesmo. Ele está cansado de si mesmo. Completamente incapaz de sair de si próprio, ele se aferra a si mesmo; o que, paradoxalmente, leva ao esvaziamento e à erosão do si. Encapsulado, preso em si mesmo, ele perde toda referência ao outro. Eu me toco, me percebo, porém, apenas por meio do toque do outro. O outro é constitutivo para a formação de um si estável.”

HAN, Byung-Chul.A expulsão do outro: Sociedade, percepção e comunicação hoje. Ed. Vozes, 2022, Local 388-391.

Terror da autenticidade

Pentecostes

“As pessoas reunidas em Pentecostes, ao receberem o Espírito: eu as imagino cansadas, largadas nos bancos. A inspiração do cansaço diz menos sobre o que é para se fazer e mais sobre o que é para se deixar de fazer

(…)

É preciso, aí, comportar-se de modo inteiramente silencioso. […] Também é preciso se alienar da razoabilidade com que se cuida de negócios. É preciso privar seu espírito de todos os instrumentos e impedir, nisso, de servir como um instrumento. […] É preciso manter-se consigo mesmo, até que cabeça, coração e membros estejam em puro silêncio. Caso se alcance assim, porém, a suprema ausência de si, então, por fim, o fora e o dentro se tocam, como se explodisse um calço que dividiu o mundo…!*”

*MUSIL, R. Der Mann ohne Eigenschaften. Ed. Adolf Frisé. Reinbek, 1978, p. 1.234.

HAN, Byung-Chul. Vita Contemplativa, ou sobre a inatividade. Ed. Vozes, 2023, Local 357-365.

Considerações sobre a inatividade

Religião imanente do cansaço

“Handke projeta uma religião imanente do cansaço. O “cansaço fundamental” suspende uma individualização egológica, fundando uma comunidade que não precisa de parentesco. Nela desperta um compasso especial que leva a um mútuo acordo, a uma proximidade, a uma vizinhança sem qualquer vínculo familiar ou funcional: “Um certo alguém cansado como um outro Orfeu, ao redor do qual se reúnem os animais selvagens, que finalmente podem ser cocansados junto com ele. O cansaço dá o compasso ao indivíduo disperso”. Aquela “sociedade pentecostal” que inspira ao não fazer se contrapõe à sociedade ativa.

(…)

Se a “sociedade pentecostal” fosse sinônimo de sociedade futura, a sociedade por vir poderia chamar-se então sociedade do cansaço.”

HAN, Byung-Chul. Sociedade do Cansaço. Ed. Vozes, 2022, Local 633-639.

7| Sociedade do Cansaço

Dia do não-para

“O cansaço que inspira é um cansaço da potência negativa, a saber, do não-para.

(…)

Também o Sabah, que originalmente significa parar, é um dia do não-para, um dia que está livre de todo para-isso, para falar com Heidegger, de toda e qualquer cura. Trata-se de um tempo intermédio.

(…)

Depois de terminar sua criação, Deus chamou ao sétimo dia de sagrado. Sagrado, portanto, não é o dia do para-isso, mas o dia do não-para, um dia no qual seria possível o uso do inútil. É o dia do cansaço. O tempo intermediário é um tempo sem trabalho, um tempo lúdico. (…)”

HAN, Byung-Chul. Sociedade do Cansaço. Ed. Vozes, 2022, Local 623-625.

7| Sociedade do Cansaço

Cansaço fundamental

“O “cansaço fundamental” é tudo menos um estado de esgotamento no qual estaríamos incapacitados de fazer alguma coisa. É apresentado antes como uma capacidade especial. Ele inspira. Faz surgir o espírito. A “inspiração do cansaço” equipara-se ali ao não fazer: “uma ode de Píndaro a um cansado e não a um vencedor!” Eu imagino ‘cansado’ como a sociedade pentecostal recebe o espírito, através do banco. A inspiração do cansaço diz menos o que se deve fazer do que aquilo que pode ser deixado de lado”. O ‘cansado’ habilita o homem para uma serenidade e abandono especial, para um não fazer sereno. Não é um estado onde todos os sentidos estariam extenuados. Desperta, ao contrário, uma visibilidade específica. Assim, Handke fala de um “cansaço translúcido”. Permite o acesso a uma atenção totalmente distinta, acesso àquelas formas longas e lentas que escapam à hiperatenção curta e rápida: “O cansaço articula […] – a confusão usual ganha ritmo através dele no bem-fazer da forma – forma, até onde alcança a vista”. Toda e qualquer forma é lenta. Toda e qualquer forma é rodeio. Faz desaparecer a economia da eficiência e da aceleração. Handke erige o cansaço profundo inclusive numa forma de salvação, sim, numa forma de rejuvenescimento. Traz de volta ao mundo a admiração: “O Odisseu cansado ganhou o amor da Nausícaa. O cansaço torna-te tão jovem como jamais estivestes. […] Nele, no repouso do cansaço, tudo se torna admirável”.”

HAN, Byung-Chul. Sociedade do Cansaço. Ed. Vozes, 2022, Local 598.

7| Sociedade do Cansaço

Cansaço e esgotamento excessivos

“Como contraponto, a sociedade do desempenho e a sociedade ativa geram um cansaço e esgotamento excessivos. Esses estados psíquicos são característicos de um mundo que se tornou pobre em negatividade e que é dominado por um excesso de positividade. Não são reações imunológicas que pressuporiam uma negatividade do outro imunológico. Ao contrário, são causadas por um excesso de positividade. O excesso da elevação do desempenho leva a um infarto da alma.”

HAN, Byung-Chul. Sociedade do Cansaço. Ed. Vozes, 2022, Local 576.

7| Sociedade do Cansaço

A sociedade do cansaço

“A sociedade do cansaço, enquanto uma sociedade ativa, desdobra-se lentamente numa sociedade do doping. Nesse meio tempo, também a expressão negativa “doping cerebral” é substituída por “neuro-enhancement” (melhoramento cognitivo). O doping possibilita de certo modo um desempenho sem desempenho.

(…)esses cansaços consumiram como fogo nossa capacidade de falar, a alma”.”

HAN, Byung-Chul. Sociedade do Cansaço. Ed. Vozes, 2022, Local 567-586.

7| Sociedade do Cansaço

A alma consumida

“De fato, o que causa a depressão do esgotamento não é o imperativo de obedecer apenas a si mesmo, mas a pressão de desempenho. Desse modo, a Síndrome de Burnout não expressa o si-mesmo esgotado, mas, antes, a alma consumida. Na sociedade do desempenho, o depressivo é um animal laborans- um animal trabalhador-que explora a si mesmo, sendo agressor e vítima ao mesmo tempo.

(…) Ela é de princípio um cansaço de fazer e de poder.”

HAN, Byung-Chul. Sociedade do Cansaço. Ed. Vozes, 2022, Local 57. (Resumo)

Sociedade do Cansaço