Conclusão

Ao lerem este livro, alguns de vocês devem ter se perguntado sobre minha metodologia. Não deixei de revelar minha incredulidade a respeito de muitas coisas relacionadas ao tarô. No entanto, pratico o tarô desde 2009. Isso significa que não escrevi este livro de história como uma racionalista que tenta eviscerar o “irracional” a qualquer preço.

(…) como utilizá-lo, de onde ele vem e como foi constituído? (…) E comecei a pesquisar sem nenhuma teoria elaborada a priori: é algo próprio da pesquisa histórica como disciplina e me parece uma base muito saudável para começar um questionamento.(…) procuram-se apenas as informações mais confiáveis sobre esse tema. Com elas são elaboradas teorias, e não o contrário. Esse é o melhor meio de abrir o campo das possibilidades, em vez de reduzi-lo a um fio estreito, no qual tentamos nos segurar para ir a todo custo rumo à nossa ideia inicial.

(…) pode-se muito bem conceber que o homem “descende do macaco” e, ao mesmo tempo, foi criado por Deus. Creio que desvendar certos arcanos da história do tarô nada tira de seu mistério. (…) o “Tarô de Marselha” é um conceito recente, elaborado principalmente por Paul Marteau não antes de 1930.

Essas descobertas me encantaram. Para mim, elas mais enriquecem do que empobrecem a prática do tarô. Com elas, imagino que nenhum iniciado criou um Tarô de Marselha primitivo, que o jogo não é fundamentado por nenhum esquema de base, existente em algum lugar em uma época original. Acho até difícil conceber essa ideia depois de ter descoberto, além dessa grande quantidade de jogos, os textos dos primeiros ocultistas. Sobre alguns deles, cabe perguntar até que ponto eram iniciados em alguma coisa. No entanto, é deles que tudo provém. Penso que nenhum mestre ensinou um saber primordial ligado a esse jogo estranho e fascinante e que isso não me impede absolutamente de utilizá-lo e gostar do que ele traz em si.

Seria necessário passar por uma “iniciação” para alcançar uma verdade? Essa era a principal ideia dos primeiros autores que escreveram sobre o tarô. Os séculos XVIII e XIX viveram a paixão das sociedades secretas. Mas hoje experimentamos com frequência  cada vez maior a busca por conhecimentos primordiais no fundo de nós mesmos, por por meio da meditação, da criação e de tantas outras coisas.”

NADOLNY, Isabelle. História do TarôUm estudo completo sobre suas origens, iconografia e simbolismo. Ed. Pensamento, 2022, pág. 270.

O Mundo

O Mundo

Aqui, monde não designa o planeta Terra, mas o Universo como sistema organizado.

Sobre o Mundo

(…)essa carta não representa nosso planeta, como poderia representar (…) Ela contém todos os atributos para designar o conjunto do Universo e até a divindade. (…) desde o início da Idade Média: Jesus triunfante ocupa seu lugar nessa forma oval, a mandorla, que em italiano significa amêndoa. (…) Talvez provenha da Índia, onde também é vista emoldurando imagens de divindades hindus. (…) No Império Romano, o culto a Mitra era muito difundido. Como outros cultos orientais, ele convivia com o cristianismo primitivo: desse modo, sua imagem pode ser reutiliza para representar Cristo. E cercado por quatro figuras: o anjo ou homem, a águia, o leão e boi, que costumam ser associados aos quatro evangelistas, mas na realidade aparecem na Bíblia a partir de Ezequiel (1. 10-28) e, na visão do profeta, estão relacionados à própria manifestação da divindade: “A forma de seus rostos era como o de homem, à direita, os quatro tinham rosto de leão, à esquerda, rosto de boi, e também rosto de águia, todos os quatro. As quatro faces cercam o trono de Deus.

(…) o que faz a figura feminina em meio aos mais elevados atributos da divindade, normalmente reservados às representações de Deus? Isso quase poderia configurar uma blasfêmia. Seria ela o que chamamos de “o Mundo”? (…) Portanto, nessa carta do tarô, ela representaria o Cristo na mandorla. Dois símbolos normalmente separados se fundiram o mundo (a esfera, a mulher) e seu criador (a mandorla, as quatro figuras).

(…) aqui provavelmente se trata mais de uma alegoria da Glória, que aos poucos suplanta o Cristo triunfal. Os antigos dicionários iconológicos descrevem da seguinte forma como representar o triunfo absoluto sobre qualquer coisa: por meio de uma figura feminina alegórica, que usa uma coroa e/ou um cetro e é colocada como Cristo acima do globo do mundo.

Significados 

(…) representa o tempo. […] No centro está a Deusa do Tempo, com seu véu que esvoaça e lhe serve de cinto ou peplo, como chamavam os antigos. Ela parece согrег como o tempo e em um circulo que representa as revoluções temporais, bem como o ovo de onde tudo sai no tempo.

(…) o absoluto, realização da Grande Obra, triunfo certo, sucesso garantido.

Apoteose, triunfo certo, sucesso garantido.

Representa o homem que se equilibrou apoiando-se nos princípios cósmicos: a sabedoria e a espiritualidade, a força geradora e a força diretriz, e que exerce seu poder sobre a natureza na harmonia das leis universais.

Ela concretiza harmoniosamente os esforços da evolução indicada pelas lâminas anteriores.

Tendência à perfeição. Domínio mental e psíquico.

Amor pela humanidade.

Aquisições ricas. Negócios sólidos e esplêndidos. Sucesso e mundanidades. Boa saúde.

NADOLNY, Isabelle. História do TarôUm estudo completo sobre suas origens, iconografia e simbolismo. Ed. Pensamento, 2022, pág. 265-267.

O Julgamento

Sobre o Julgamento

(…) estamos diante do Juízo Final bíblico, cujas representações são numerosas desde a ldade Média.(…) no céu, um anjo toca uma trombeta, e na terra, os mortos se levantam do túmulo. (…) Em contrapartida, nos tarôs omitiu-se o Cristo, e os dois anjos que costumavam aparecer à sua esquerda e à sua direita foram substituídos por um único anjo central(…) os mortos saem nus de seus túmulos. Essa ilustração provém dos textos dos Padres da Igreja.

(…) XX do Apocalipse (XX, 12-15): “Vi também os mortos, os grandes e os pequenos, postos em pé diante do trono. Então, se abriram livros. Ainda outro livro, o Livro da Vida, foi aberto. E os mortos foram julgados, segundo as suas obras, conforme o que se achava escrito nos livros. Deu o mar os mortos que nele estavam. A morte e o além entregaram os mortos que neles havia. E foram julgados, um por um, segundo as suas obras. Então, a morte e o inferno foram lançados para dentro do lago de logo. Esta é a segunda morte, o lago de fogo. E, se alguém não foi achado inscrito no Livro da Vida, esse foi lançado para dentro do lago de fogo”. E justamente dessa cena que se trata na carta do taro: pode-se notar que ela é chamada de “Julgamento”, e não de “Ressurreição”: “E foram julga dos, um por um, segundo as suas obras.

Significados

(…) proteção pelas forças divinas, renascimento moral, mudança de situação, mudança de posição.

Inspiração, sopro redentor.

Entusiasmo, exaltação anímica, espiritualidade. Profetismo, santidade teurgia, medicina milagrosa. Ressurreição do passado, renovação, nascimento. Propaganda. apostolado.

 Êxtase espiritual, embriaguez mental, iluminismo.

O homem, despertado de seu sono na matéria por sua parte divina, que o obriga a examinar sua alma em sua nudez e a julgá-la.

Comparação e avaliação do ser humano por seu próprio intelecto.

O apelo do homem a um estado superior, suas tendências e seus desejos de elevação.

Trabalho de biblioteca , de compilação, de classificação. Estabilidade em um bom ou mau negócio.

NADOLNY, Isabelle. História do TarôUm estudo completo sobre suas origens, iconografia e simbolismo. Ed. Pensamento, 2022, pág. 262-264.

O Sol

O Sol

(…) vimos que outros tratados astrológicos fizeram outras associações. As Astronômicas, texto de astrologia antiga, redescoberto pelos humanistas em 1417. associam Apolo e os “amáveis Gêmeos”.

(…)o sol é tradicionalmente associado à vida, como a lua à morte.

(…) símbolo masculino, pai, divindade que revigora. Vemos que o Sol e a Lua não são elementos astronômicos, mas símbolos plenos: o pai, a mãe, o céu, a terra. Também podem representar estados após a morte: o inferno para a Lua, o paraíso para o Sol.

(…) os desenhos das pequenas “gotas coloridas, encontradas na maioria dos tarôs (na posição correta ou invertida, dependendo dos baralhos), podem simbolizar o maná terrestre: assim era representada nas antigas imagens a substância que Deus fazia cair do céu para nutrir os filhos de Israel no deserto. De modo mais amplo, essas “gotas também designam tudo o que provém do céu para trazer algo ao mundo.

Significados divinatórios

(…) Assim se designavam as felizes influências desse astro.

(…) a verdadeira luz, o ouro filosófico.

Luz, razão, concórdia, influência do Sol.

A luz sempre presente no homem, manifestada na atividade do dia, velada nas meditações noturnas e que lhe permite elevar na clareza e na harmonia suas construções materiais, afetivas ou espirituais.

Irradiação, pois o Sol que lança seus raios no mundo da vitalidade e harmonia.

Superioridade intelectual. Sabedoria nos textos, difusão harmoniosa sobre a massa.

Essa lâmina aplica-se a´penas aos grandes sentimentos.

A saúde, a beleza física.

NADOLNY, Isabelle. História do TarôUm estudo completo sobre suas origens, iconografia e simbolismo. Ed. Pensamento, 2022, pág. 259-261.

A Casa de Deus (Torre)

A Casa de Deus

(…) No entanto, nos dicionários antigos, hôtel é definido sobretudo como “residência, alojamento, habitação e hôtel-Dieu ou domus dei como o principal hospital em várias cidades, uma vez que esse termo era sinónimo de Maison-Dieu [Casa de Deus]. Assim, apenas a denominação francesa tradicional dessa carta interessa: podemos nos perguntar por que essa torre fulminada traz o nome de um hospital. Seria o destino dos infelizes, atingidos pelo raio? O termo Maison-Dieu aparece apenas nos Taros de Marselha. O Raio (la Foudre), Fogo (Foco), Flecha (Sagitta), Diabo (la Casa del diavolo),Casa de Plutão (la Casa di Plutone).

Sobre a Casa de Deus

As antigas denominações dessa carta remetem ao inferno, à morada subterrânea dos mortos condenados. A casa do diabo ou de Plutão (outro nome dado ao diabo) designa claramente o local onde ele reside.  Talvez o fabricante de cartas francês, que em seguida inscreveu a menção Monsor-Pieu (Casa de Deus), visse o hospital também como um lugar infernal (e, no século XVII, era mesmo!)

(…)a punição divina que pulveriza a Terra do alto do céu. O raio como calamidade natural se torna uma alegoria da destruição desejada por Deus para punir a maldade e o orgulho dos homens. Também podemos ver nessa carta uma referência à Torre de Babel cujos construtores foram dispersados por Deus como punição pela vaidade de terem querido construir uma torre tão alta quanto o céu (Gênesis, XI. 1-9). (…) Pode-se ver nessa representação uma alusão a Sodoma e Gomorra arrasadas pelo enxofre e pelo fogo vindos do céu como punição à depravação de seus habitantes. (…) e novamente podemos nos perguntar a respeito da denominação francesa de Maison-Dieu para a Casa del diavolo

(…) quando observamos os mais antigos Tarôs de Marselha, notamos que se trata de fogo. Nos manuscritos medievais, a devastação da Babilônia costumava ser representada com uma torre destruída e bolhas coloridas ilustrando o granizo, uma vez que este e o raio eram os dois símbolos privilegiados para figurar toda a espécie de força brutal e destruidora que vem do céu. (…) “a boa Fortuna é caracterizada pela inconstância”. “Tome cuidado!”

Significados

1781, Court de Gébelin: nº XVI, Casa de Deus ou Castelo de Pluto

“Desta vez, temos uma lição contra a avareza”. (…) é o castelo de Pluto, que desaba e esmaga seus adoradores sob os destroços.

1783, Alliette: nº 19, a Casa de Deus

Significa prisão, miséria.

1909, Papus: 16, a Casa de Deus

(…) destruição por antagonismo, Equilíbrio material rompido, ruína, catástrofe, decepção.

1927, Oswald Wirth: XVI, a Casa de Deus

Parto, crise salutar, desconfiança de si mesmo, temor que leva a evitar iniciativas temerárias.

1949, Paul Marteau: lâmina XVI, a Casa de Deus

As construções efêmeras e fecundas do homem, sempre destruídas, sempre retomadas; dolorosas porque destroem suas ambições, benévolas porque aumentam incessantemente as riquezas de seu saber.

(…) “a Casa de Deus”, vem do fato de Deus, por ser onipresente, também estar no edifício estabelecido pelo homem, porém, como Ele não intervém e o homem está na obscuridade, suas construções são imperfeitas e destinadas à destruição.

Indicação do perigo de perseverar em certo caminho, com uma ideia fixa.

Projeto bruscamente interrompido. (…) aviso para se ter cuidado nos negócios.

NADOLNY, Isabelle. História do TarôUm estudo completo sobre suas origens, iconografia e simbolismo. Ed. Pensamento, 2022, pág. 250-252.

A Lua

Sobre a Lua

O conjunto heterogêneo que a circunda – o lagostim, o tanque, as torres, os cães – pode parecer curioso, mas paradoxalmente poderia ser um pouco mais fácil de explicar do que a ilustração da Estrela. (…) por muito tempo, o signo de Câncer foi representado dessa forma (tanto quanto pelo caranguejo), e na astrologia a associação da Lua e de Câncer é tradicional – talvez porque ao astro noturno que cresce e decresce eram associados os animais marinhos que caminham tanto para a frente quanto para trás.

(…)representações alegóricas da inconstância: figuras femininas que seguram, ao mesmo tempo, uma lua e um lagostim. (…) a Lua corresponde a todas as coisas nas quais não podemos confiar. (…) o Mago que engana o mundo com seus truques de prestidigitação encontra-se entre os Filhos da Lua, cercado de personagens de modesta condição, que lutam contra as tempestades marítimas. A Lua influencia as marés e, de modo mais amplo, a vida dos homens, dos animais e das plantas, os ritmos naturais, a transformação dos elementos, o tempo que passa, a memória, as ilusões, os sonhos, a inconstância e a feitiçaria. Desse modo, atribui-se a ela uma influência sobre o estado mental do homem: originariamente, “lunático” significava “acometido por loucura”.

(…)Muitas mitologias associaram o cão aos Infernos, ao reino subterrâneo. Tradicionalmente, ele é relacionado à terra, à água e à lua; é psicopompo (Anúbis, Cérbero etc.), guia do homem na noite da morte após ter sido seu companheiro no dia da vida. Portanto, as duas torres também podem ser consideradas desse ponto de vista: portas monumentais que lembram que a Lua, Ártemis-Hécate, é ao mesmo tempo porta do céu e porta dos Infernos.

Significados

1909, Papus: 18, a Lua

(…) as forças ocultas, inimigos ocultos.

1927, Oswald Wirth: XVIII, a Lua

Imaginação, aparência, ilusões, influência ativa da Lua.

1949, Paul Marteau: lâmina XVIII, a Lua

A Lua representa os sonhos quiméricos do homem, criados na obscuridade, sob a influência das fermentações de sua alma, sob a pressão obsessiva dos desejos pantanosos, mas que o libertam de seus tormentos pessoais assim que ele sente sua inconsistência.

A quimera, pois a Lua, por refletir o Sol como luz e não iluminar por si mesma, oferece uma ilusão, uma miragem.  Ela não oferece uma realidade, mas manifesta uma vida emprestada.

Em caso de negociações, mentiras. Em caso de um trabalho pessoal, erro.

Sentimentos perturbados, passionais.

Obscurecimento total. Estado de consciência perturbada e ativa.

NADOLNY, Isabelle. História do TarôUm estudo completo sobre suas origens, iconografia e simbolismo. Ed. Pensamento, 2022, pág. 256-258.

A Estrela

A Estrela

(…)do latim stella.

(…) l’Étoile, no singular, enquanto representa várias estrelas e tem como figura principal uma mulher vertendo água.

Sobre a Estrela

(…) sabe-se que, na época desses tarôs, o signo de Aquário costumava ser representado por uma figura feminina ou masculina que vertia água com um ou dois vasos.

(…)O Apocalipse cita anjos vertendo o conteúdo de uma taça no mar, nos rios e nas nascentes. Em um manuscrito latino do Apocalipse, do final do século XIII, uma miniatura representa o sexto anjo esvaziando sua taça no Eufrates seco. Não é impossível que o décimo sétimo arcano tenha sido inspirado em uma imagem semelhante.

(…) Quanto à própria ninfa, ela pode representar uma pureza bem ilustrada pela carta: prefere transformar-se a ceder ao assédio do deus solar.

(…) Poderíamos falar em Vênus? A associação é mais provável, quer se trate da estrela, quer da mulher: a carta pode mostrar Vênus, ou seja, a Estrela do Pastor, que costumava ser representada como uma mulher nua, embora os vasos não sejam os atributos habituais da deusa do Amor. (…) Isso pode explicar de maneira mais simples por que essa carta afável e feminina se chama “a Estrela”, e não “as Estrelas”…

Significados

1909, Papus: 17, a Estrela

(…) forças divinas naturais, a natureza, fecundidade, esperança.

1927, Oswald Wirth: XVII, as Estrelas

Idealismo prático, esperança, beleza, influência do Sol e de Vênus.

Inocência, abandono às influências saudáveis, naturismo, confiança no destino.

1949, Paul Marteau: lâmina XVII, a Estrela

A luz celestial que faz o homem entrever uma aurora de paz, de esperança e de beleza, para sustentá-lo em seu árduo trabalho, confortando-o em suas fraquezas e guiando-o em meio às vicissitudes, sem nunca lhe faltar, rumo à participação das harmonias cósmicas.

Representação da força iluminadora e redentora, simbolizada pelas estrelas, que trazem uma clareza vinda do infinito.

Um auxílio que traz uma força a ser utilizada, mas que não é direta, pois é preciso saber servir-se dela.

A satisfação, o amor pela humanidade em sua beleza, o destino dos sentimentos que animam o ser.

NADOLNY, Isabelle. História do TarôUm estudo completo sobre suas origens, iconografia e simbolismo. Ed. Pensamento, 2022, pág. 253-255.

A Temperança

Sobre a Temperança

Tal como no caso das outras virtudes cardeais, a temperança apareceu em A República. Platão explica que ela controla a propensão à concupiscência. (…) o substantivo “temperança” se define pela moderação do prazer sensual.

(…)A Temperança implica moderação, que consiste principalmente na moderação das paixões que tendem aos bens dos sentidos. (…) a pessoa que se modera desse modo obriga-se a resistir à atração das paixões e dos prazeres, em particular de ordem sensual, quando eles se tornam excessivos.

(…)podemos nos perguntar de onde vem essa representação particular de mulher que transfere um líquido de um vaso a outro e, sobretudo, por que ela é representada como um anjo (…) ela coloca água em seu vinho, ou seja, modera suas pretensões(…) atenua o vinho com a água.

(…) à origem e à moderação dos prazeres sensuais, atenua o vinho com a água, e esse é seu significado de base. (…)os anjos são as criaturas mais puras da Criação, as mais distantes que existem da concupiscência terrestre.

Significados

1909, Papus: 14, a Temperança

(…) a harmonia das misturas.

1949, Paul Marteau: lâmina XIIII, Temperança

O trabalho de adaptação antes de uma nova atividade; trabalho de modelagem que o homem realiza para readaptar, em uma área mais extensa, as energias materiais às energias espirituais.

(…)a ausência de paixão: dá o sentido profundo das coisas.

Nos negócios, conciliação; pesam-se os prós e os contras preparam-se acordos.

NADOLNY, Isabelle. História do TarôUm estudo completo sobre suas origens, iconografia e simbolismo. Ed. Pensamento, 2022, pág. 244-245.

O Pendurado

Etimologia e significados do termo pendu: termo surgido no século XIII, derivado do latim pendere. O que nos interessa aqui é menos sua etimologia em francês do que o fato de a carta ter mudado de nome: as antigas denominações italianas designam il Traditore, ou seja, “o traidor”.

Sobre o Pendurado

(…) ser pendurado pelo pé era uma punição imposta aos traidores na Itália urbana do final da Idade Média. Tratava-se de uma pena simbólica, chamada de “pintura infamante” ou “pintura de infâmia”. Geralmente o indivíduo culpado era representado de cabeça para baixo, pendurado pelo pé e acompanhado por inscrições em verso ou em prosa, que indicavam sua identidade e os crimes pelos quais fora estigmatizado. (…) A de Sigismondo Malatesta é célebre. Foi condenado em 1462 por heresia, crime de lesa-majestade contra o papa e alta traição: seu retrato foi queimado em uma grande fogueira, montada na escadaria de São Pedro. Que ninguém se engane: o caráter simbólico da punição não suprimia sua gravidade. O indivíduo fadado à exposição pública não apenas era banido da cidade, mas sua lembrança também estava destinada a desaparecer.

Ora, a fama, o renome público, é de vital importância na Idade Média. Ela condiciona toda a vida de um indivíduo na senhoria, na cidade, na paróquia e na família. É garantia na compra, no contrato e no testemunho. Perder a própria fama significa tornar-se para sempre um pária, um cidadão de categoria inferior, um “mal-afamado”. Assim, o crime denunciado por exposição refere-se particularmente às pessoas culpadas de malversação, falso jura- mento, traição e maus costumes. As raras apresentações artísticas de pendurados pelo pe dizem respeito a usurários e idólatras, supliciados desse modo no inferno, pois a idolatria era vista como a mais hedionda traição, na qual se renega e, portanto, trai o próprio Deus. hadin do Sainte Foy de Conques, vê-se um usurário pendurado pelos pés

(…) na célebre representação do inferno de Giovanni da Modena, quem aparece desse modo são os idólatras.(…) Eusébio narra que as mulheres eram penduradas “de modo que suas partes íntimas fossem expostas, para que se demonstrasse à santa religião de Cristo o máximo desprezo possível” (…)

(…) se trata do sistema do suplício por representação, que se generalizou no final da Idade Média. Mesmo condenado a morrer, o culpado era destinado a uma exposição infamante após sua morte, ora de sua cabeça, ora de seu corpo supliciado ainda com vida na roda ou calcinado. Já o enforcamento era a pena de morte mais praticada nessa época e se unia a esse sistema de execução infamante por exposição – pois o enforcamento era a pena dos plebeus (enquanto os nobres eram decapitados) ou dos criminosos particularmente desprezados. De fato, os pendurados apodreciam na forca, sem sepultura cristã. Portanto, além do esquecimento, eram fadados à danação eterna.

(…) ele não é um mártir que se sacrifica, é um ignóbil traidor, a escória da humanidade.

Significados

1900, Papus 12. o Pendurado

(…) sacrifício moral, sacrifício físico, provação, sacrifício.

1927. Oswald Wirth: XII, o Pendurado

Abnegação, sacrifício consentido, desinteresse, altruísmo, abnegação.

1949, Paul Marteau: lâmina XII, o Pendurado

O homem inverte sua ação para orientá-la ao aspecto espiritual, com um sentimento de expectativa, de abnegação.

Uma pausa como preparação para uma transição, uma transformação, uma passagem do concreto ao abstrato e, por conseguinte, um estado de não afetividade, uma pausa do poder de ação.

Possibilidades muito diversas. (…) Essa lâmina indica coisas que não amadureceram o suficiente, ela não apresenta uma conclusão.

Falta de determinação, indecisão na escolha afetiva.

Abandono de algo, renúncia, projeto duvidoso. Incapacidade momentânea de agir.

NADOLNY, Isabelle. História do TarôUm estudo completo sobre suas origens, iconografia e simbolismo. Ed. Pensamento, 2022, pág. 236-238.

A Morte

Diferentes denominações: la Morte, la Mort.

Outras posições ocupadas no tarô: sempre número XIII, seja qual for o tarô.

Etimologia e significados do termo morte: do latim mors, mortis. Por significar “a Grande Ceifadeira”. não apresenta um sentido etimológico especial, mas se pode dizer que os primeiros autores que escreveram sobre o tarô não hesitaram em nomeá-la. Por isso, na seção “significados divinatórios”, exposta abaixo, ela é denominada “Morte”. Os autores contemporâneos, diferentemente, designam-na com a expressão “arcano XIII”.

Sobre a Morte

No século XIII, cinco poemas evocam uma conversa entre três mortos e três vivos. Citam três jovens senhores, mais tarde três reis, que se encaminham a um cemitério. De repente, três mortos aparecem. Os cadáveres iniciam uma conversa moralizadora e didática com os vivos, cujo tema se resume ao seguinte: “Outrora fomos homens como vós; logo sereis como nós agora”. Já na Antiguidade romana havia textos que convidavam o leitor a considerar a frágil brevidade da vida.

Assim, em Satíricon, de Petrônio, é possível ler: “Ó miséria! Ó piedade! O homem nada é! Quão frágil é a trama de sua existência! Tal será junto a Plutão vosso estado e o meu: vivamos, pois, enquanto a idade nos convida a aproveitar…” No Ocidente cristão, essa admoestação se expande de modo considerável na literatura e na iconografia, exortando quem medita não a aproveitar a vida, mas a se preparar para o seu fim não apenas inelutável, mas também pronto a se abater sobre ele a qualquer momenento. As ilustrações da narrativa acima, a “Lenda dos três mortos e dos três vivos”, multiplicam-se: inicialmente, os três mortos são representados como homens magros, de depois como esqueletos completamente descarnados, “ossos secos”, de acordo com a descrição do livro de Ezequiel (XXXVII, 4). Vários autores, a maioria desconhecida, compuseram poemas francês, espanhol etc.), chamados de “danças da morte” ou “danças macabras”, nas quais um morto, ou a morte, convida os vivos de todas as classes sociais (até mesmo reis e papas) a irem com ele ou ela para participar de sua dança e a acompanharem no além. Em pouco tempo, é o esqueleto, e não mais um cadáver em particular, a aparecer para representa a ideia abstrata de Morte: ele personifica a Morte, menos como uma simples alegoria do que como um agente sobrenatural que substituiu os anjos, santos ou demônios para executar as ordens de Deus. Ele não tarda a triunfar, esmagando suas vítimas sem que elas percebam. Esse triunfo da Morte é extraordinário nas obras de arte a partir do final do século XIV e talvez tenha inspirado os autores do tarô. Para compreender o efeito impressionante dessa Morte triunfal, o leitor pode digitar em um site de busca a expressão “triunfo da Morte” e deixar-se surpreender por uma enorme quantidade de obras antigas assustadoras, repletas de esqueletos que chegam para recolher cadáveres. Isso porque a grande peste negra dos anos 1340, que matou mais de um quarto da população do Ocidente cristão, ainda está presente com sua marca traumática e seu caráter endêmico. O Triunfo da Morte, de Pieter Bruegel, o Velho, é um quadro particularmente impressionante, repleto de esqueletos que tentam levar o maior número de vivos à morte, de todas as maneiras possíveis.

De forma mais leve, por assim dizer, o triunfo do esqueleto psicopompo (ou seja, que acompanha as almas até o além) pode ser explicado pelo sucesso crescente do estudo da anatomia no Renascimento: os artistas aproveitaram para ilustrar os mortos com a máxima autenticidade possível, constituindo um movimento realista que atingiria seu apogeu com Les Écorchés [Os Estolados] de Fragonard. Assim, a representação da Morte por meio de um esqueleto é relativamente recente. Na Antiguidade, eram Hermes, Anúbis ou Mercúrio que acompanhavam os defuntos no além. Isso mostra que alguns taros “egípcios” puderam resvalar no anacronismo ridículo ao evocarem uma ceifadeira esquelética, cercada de hieróglifos, escrita de uma civilização que praticava a mumificação e cujas almas eram escoltadas pelo deus com cabeça de chacal. Na era cristã, cabia aos santos, aos anjos da guarda ou aos demônios enfrentarem-se ao redor da alma do moribundo no momento da passagem para o além; vencia o mais forte. Quanto aos cadáveres, por um bom tempo eles foram representados como figuras adormecidas, como as famosas estátuas de defuntos que ainda hoje podem ser admiradas nas igrejas medievais.

A foice é um instrumento agrícola, cujo uso remonta a tempos imemoriais. Em contrapartida, sua associação com o esqueleto também é recente. Nas imagens antigas, inicialemente o esqueleto é provido de muitas ferramentas diferentes: enxada, tesoura, lâmina, gaita, espada. Com frequência, o instrumento caracteriza a profissão da pessoa que a Morte quer levar consigo. Em seguida, a foice aparece com o esqueleto, em especial na obra de Petrarca, e esse poderoso instrumento, que tem uma pesada carga simbólica, reforça ainda mais o alcance dessa alegoria da morte. Com efeito, a foice provém originariamente da Biblia. Já no Antigo Testamento o profeta Joel atribui a Deus Pai uma foice ou foicinha, com a qual ele ceifará os pagãos (IV, 11-13). Mateus (XIII, 39) atribui a foice aos anjos, ceifadores das ervas daninhas que são os filhos do Maligno. No Apocalipse (XIV, 14-16), o filho do homem aparece sentado em uma nuvem, com uma foice afiada na mão. A mitologia grega não fica atrás ao evocar Cronos (equivalente de Saturno), figura alegórica do Tempo que devora seus filhos e ceifa tudo que se apresenta à sua frente. Entre os poetas latinos, o atributo da foice valeu a Saturno a denominação de Falciger: “aquele que carrega a foice”.

A essa pesada carga simbólica acrescenta-se o número 13, outrora considerado tão maléfico que, segundo a superstição, quando havia 13 pessoas à mesa, uma delas morreria ao longo do ano. Provavelmente essa consideração se baseava no fato de que os participantes da Santa Ceia eram 13.

As imagens do tarô refletem simplesmente as tradições que acabamos de evocar: não se vê nenhum acréscimo posterior nas cartas. Mas o que mais haveria de ser acrescentado a tal imagem? De resto, os primeiros autores do tarô tiveram certa dificuldade para lhe dar um sentido um pouco mais positivo. Em todo caso, talvez a ideia de transformação não fizesse parte do imaginário do século XV no que se refere a essa representação: “Preparai-vos para o inelutável que se abaterá brutalmente sobre vós” – é bem provável que essa tenha sido a primeira idea por ela transmitida.

Significado

1781, conde de Mellet

“A Morte ou o Thet indica a ação de varrer: com efeito, a Morte é uma varredora terrível.”

1783, Alliette: nº 17, a Morte

“Vale notar que a vinda da morte é necessária; porém, não se deve fazer confusão. Significa a morte, ou quase, na lâmina seguinte, o que na maioria das vezes representa um desconhecido, um projeto, um processo ou apenas uma visitinha de cortesia, o que nesse caso é ainda melhor.”

1909, Papus: 13, a Morte

Sentido espiritual: a imortalidade pela mudança. Sentido moral ou alquímico: a morte e o renascimento. Sentido físico (que também pode ser utilizado para a adivinhação): a transmutação das forças. Sentido divinatório: morte.

1927, Oswald Wirth: XIII, a Morte

Fatalidade inelutável, fim necessário, desencantamento, influência ativa de Saturno.

PARA O BEM. Aprofundamento, penetração intelectual, metafisica, desilusão, discernimento severo, sabedoria desiludida, indiferença, resignação.

PARA O MAL: Prazo fatal; fracasso inevitável, não provocado pela vítima. Desanimo, pessimismo, conversão absoluta, suspensão com o intuito de recomeçar em modo diametral mente oposto.

1949, Paul Marteau: lâmina XIII, a Morte

SENTIDO ELEMENTAR. As mudanças de estados de consciência do homem que acom panham a passagem de um ciclo concluído no ingresso em outro ciclo de natureza diferente.

SENTIDO CONCRETO. Essa lâmina não é designada pelo nome, uma vez que sua imagem representa a morte de modo clássico. Como esta não existe, não pode ser nomeada. Seu verdadeiro sentido é a transmutação.

MENTAL (a inteligência). Renovação das ideias, totalmente ou em parte, pois algo inter virá e transformará tudo, como um fenômeno de catálise, em que um corpo novo modifica por completo a ação dos corpos presentes.

ANÍMICO (as paixões emotivas). Distanciamento; dispersão na afeição; extirpação de um sentimento, de uma esperança.

FÍSICO (o lado utilitário da vida). A morte, a pausa de alguma coisa, a imobilidade. Nos negócios, transformação completa.

INVERTIDA. Estagnação do ponto de vista da saúde; a morte pode ser evitada, mas a doença é incurável. Dependendo do que a circunda, significa morte, cujos efeitos continuam além dela, nas ações ruins.

NADOLNY, Isabelle. História do TarôUm estudo completo sobre suas origens, iconografia e simbolismo. Ed. Pensamento, 2022, pág. 239-242.