“Outro aspecto da opus é o fato de ela ser um trabalho amplamente individual. Os alquimistas eram decididamente solitários. Alguns provavelmente tiveram um auxiliar, mas não mais do que isso. Trata-se de uma referência à peculiar natureza individual da individuação que é experimentada, em seus aspectos mais profundos, pelo indivíduo isolado. A opus não pode ser realizada por um comitê, razão pela qual gera uma inevitável alienação do mundo, ao menos por algum tempo. “Mas quando Deus dá sua graça a alguém que compreende (a Arte)… há, aos olhos do mundo, algo de incompreensível, e aqueles que possuem esse mistério serão objeto de escárnio dos homens e serão olhados com uma atitude de superioridade. ”
Isso corresponde ao trabalho da psicoterapia, que ninguém que se encontre fora dele consegue entender. Ele será desdenhado e ridicularizado pelo ponto de vista coletivo convencional, quer de outra pessoa quer da própria sombra de quem estiver envolvido. Como paralelo a este texto, há as seguintes palavras de Jesus: “Se vós fôsseis do mundo, o mundo amaria o que era seu; mas, porque não sois do mundo, pois antes eu vos escolhi do mundo, o mundo vos odeia.” (João, h 15:19, NEB.)
Outra característica da opus refere-se ao seu caráter secreto. Os alquimistas consideravam-se guardiães de um mistério vedado aos que não tinham valor.
Portanto, deves testar e examinar com cuidado a vida, o caráter e a atitude mental de toda pessoa a ser iniciada nesta Arte; em seguida, deves comprometê-la, por meio de um juramento sagrado, a não permitir que o nosso Magistério seja conhecido comumente ou de modo vulgar. Apenas quando ficar velha e frágil pode ela revelá-lo a uma pessoa, mas só a uma
– devendo esta ser homem virtuoso, alvo da aprovação dos seus companheiros. Porque este Magistério deve manter-se sempre como uma ciência secreta, sendo evidente a razão que nos impele a ser precavidos. Se algum infame aprendesse a praticar esta Arte, haveria grande perigo para a Cristandade. Pois esse homem ultrapassaria todos os limites da moderação e removeria de seus tronos hereditários os legítimos príncipes que regem os povos cristãos. E a punição do abuso recairia sobre aquele que tivesse instruído a pessoa sem valor em nossa Arte. Logo, para evitar uma tal explosão de orgulho jactancioso, quem possui o conhecimento desta Arte precisa ser escrupulosamente cuidadoso no que tange à transmissão a outra pessoa, devendo considerar essa transmissão como um privilégio peculiar daqueles que se mostram virtuosos a toda prova.
(…) O uso errôneo do segredo, a que o texto alude, sugere uma inflação subseqüente à identificação do ego com uma imagem arquetípica. Se não forem percebidas como um segredo e como algo sagrado, as energias transpessoais serão canalizadas para fins pessoais e apresentarão efeitos destrutivos. O abuso do mistério alquímico corresponde ao abuso do mistério eucarístico, a respeito do qual o apóstolo Paulo diz: “Aquele que comer do pão ou beber do cálice do Senhor indignamente será culpado de profanar o corpo e o sangue do Senhor. Deve o homem examinar-se (dokimazo, submeter à prova, analisar metais’) antes de comer deste pão e de beber deste cálice. Pois quem come e bebe, come e bebe para seu próprio julgamento, não discernindo o Corpo.” (I Cor. 11:27-29, NEB.)
Este estado não pode ser aperfeiçoado pelo mero progresso da natureza; porque o ouro não tem propensão para ir tão longe, preferindo, em vez disso, manter-se em seu corpo constantemente duradouro.
A natureza serve a Arte com matéria, e a Arte serve a natureza com Instrumentos apropriados e com o método conveniente para que a natureza produza essas novas formas; e embora a Pedra mencionada só possa ser levada à sua forma própria por meio da Arte, a forma é, não obstante, da natureza.
Eis uma idéia profunda. A opus é, num certo sentido, contrária à Natureza, mas, em outro, o alquimista auxilia esta última a fazer aquilo que ela não pode fazer por si mesma. Isso por certo se refere à evolução da consciência. Embora exista na natureza a premência de atingir a consciência -no interior da psique inconsciente, é necessário um ego para realizar plenamente essa premência natural. Há uma exigência de cooperação deliberada do indivíduo na tarefa de criar consciência.
(…)
Embora os textos alquímicos sejam complexos, confusos e até mesmo caóticos, o esquema básico da opus é deveras simples. É o seguinte: o propósito é criar uma substância transcendente e miraculosa, simbolizada de várias maneiras: como Pedra Filosofal, Elixir da Vida ou remédio universal. O procedimento é, em primeiro lugar, descobrir o material adequado, a chamada prima materia, submetendo-a em seguida a uma série de operações que a transformarão na Pedra Filosofal.”
EDINGER, Edward F. Anatomia da Psique. O Simbolismo Alquímico na Psicoterapia, Ed. Cultrix 2006, Pág.27-29.
Capítulo 1 Introdução