“O processo de individuação leva à criatividade ímpar em cada momento, e a câmara fechada alude a esse centro secreto da personalidade, à fonte secreta da vida. É a câmara fechada do coração, a criatividade incomparável de cada momento de vida. Quando o processo de individuação conduz à realização dessa criatividade única, os outros deixam de poder conjeturar sobre a pessoa, pois não podem ver a câmara fechada do coração dela, de onde promanam as reações inesperadas e criativas.
Eu diria que as reações criativas inesperadas provêm da unicidade com o Si-mesmo. É o Si-mesmo que possui essa qualidade de criatividade única em cada momento da vida, sendo por isso que o mestre japonês diz que a pessoa já não pode continuar adivinhando os movimentos de seu coração. Isso significa que, se o mestre zen diz ou faz alguma coisa, esta será sempre imprevisível e criativamente surpreendente. A câmara fechada alude a esse segredo mas, em última instância, o indivíduo é um sistema único e fechado, uma coisa única que gravita em torno de uma fonte imprevisível de vida. Se isso se torna real num indivíduo, então é possível intuir o mistério de uma personalidade ímpar. Isso se relaciona com o fechamento da casa, o que significa separação dos enredos coletivos e da contaminação, não só exteriormente mas também interiormente, ou seja, a separação dentro da própria pessoa daquilo que é comum e que não é ela mesma.
(…)
Uma vez mais, é o paradoxo do ego e do Si-mesmo. O ego deve ter a atitude de um ser humano entre outros seres humanos; então, a unicidade, se for encontrada dentro dele, emanará involuntariamente. É justamente o oposto de se ficar presunçoso com a própria unicidade, de se sentir tão diferente dos outros, fazendo comentários tão altaneiros como: “Sou tão sensível que ninguém me compreende”. Não é nada disso e, se alguém me diz isso, respondo sempre que há uma porção de gente assim, e não digo por maldade; é a pura verdade, é uma qualidade muito comum ser sensível a ponto de não ser entendido por ninguém. Isso é muito difundido, sobretudo entre os introvertidos, que se sentem únicos, mas não são únicos. O indivíduo iluminado não se sente único, mas muito humano, e é por isso que podemos dizer que essas pessoas são muito abertas para o mundo e muito humanas com toda gente; ou, paradoxalmente, podemos dizer que são infinitamente únicas e incompreensíveis.”
VON FRANZ, Marie-Louise. Alquimia, Uma introdução ao simbolismo e seu significado na psicologia de Carl G. Jung, Ed. Cultrix 2022, Pág 264-266.
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