“(…) A atitude religiosa e primitiva envolve a consideração constante desses poderes.
Quando o dr. Jung esteve na África, seu guia de safári era um islamita, creio que xiita. Todo dia, no café da manhã, os carregadores negros discutiam seus sonhos, após o que o líder do grupo se dirigia ao dr. Jung e dizia se nesse dia continuavam a marcha ou não. O dr. Jung apurou que, quando eles diziam “hoje não vamos”, o aspecto geral dos sonhos não tinha sido favorável, de modo que achavam talvez fosse preferível aguardar mais um dia antes de prosseguir. O dr. Jung aceitava as decisões e conseguiu até ser incluído na discussão sobre os sonhos, participando dela; e eles ficaram muitíssimo impressionados ao descobrir que ele sabia algo a respeito, que estava interessado em sonhos e podia até interpretá-los melhor; e assim foi que ele pôde observar o que estava acontecendo. Porém, um inglês que esteve no mesmo lugar algumas semanas mais tarde fez naturalmente o que a maioria dos homens brancos faz: acusou os carregadores de serem um bando de preguiçosos, insistiu em que tinham de chegar a seu destino no prazo de cinco dias e usou de força, e foi morto.
O episódio ilustra a atitude de consideração cuidadosa de todos os aspectos irracionais. Os nativos agiam assim porque podia haver um dia de violentas tempestades, ou um encontro com um rinoceronte e serem atacados etc. Na natureza, defrontamo-nos constantemente com tais coisas e o consciente tem conhecimento delas; quando se vive no seio da natureza selvagem, prestar atenção a esses fatores é essencial para a sobrevivência. Os animais recebem sempre avisos a respeito de abalos sísmicos e de outros perigos, captam-nos instintivamente e, se prestarmos atenção, também os recebemos mediante nossos sonhos, sendo por isso que esses nativos, de um modo razoável e adaptável, prestavam atenção a seus sonhos todas as manhãs.
(…)
A religião, em nossa definição, em sua forma mais básica seria simplesmente a atenção constante e alerta dirigida para esses fatos, em vez de governar e decidir a vida mediante decisões racionais conscientes e exame racional de prós e contras. Portanto, nas sociedades primitivas, a religião impregna a vida cotidiana. Os primitivos, antes de saírem para caçar, celebram um ritual; se, durante a cerimônia, ocorre um acidente, eles não saem. Não há nada de místico, ou de transcendente, ou de especial, nessa conduta; a atitude religiosa básica está ligada à ideia de sobrevivência e, portanto, ser religioso constitui uma vantagem imediata, porque assegura a sobrevivência.”
VON FRANZ, Marie-Louise. Alquimia, Uma introdução ao simbolismo e seu significado na psicologia de Carl G. Jung, Ed. Cultrix 2022, Pág 162-164.
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