Arqueologia e Crucifixão

“A) USO DA CRUCIFIXÃO

É necessário, com efeito, chegarmos às conquistas de Alexandre, que a recebeu dos persas, para vê-la entrar na história helênica. Continuou aí a ser empregada sob os diádocos, na Síria sob os selêucidas, como Antíoco Epifânio, e no Egito sob os ptolomeus. Em Siracusa, cidade grega, Dionísio, o tirano, tê-la-ia talvez recebido dos cartagineses.

(…)

Em Roma, começou se a aplicar o verdadeiro suplício da cruz, durante as guerras, aos desertores, ladrões e, sobretudo, aos revoltosos vencidos. Em parte alguma foi este motivo mais abundantemente explorado que no país israelita: desde os 2.000 judeus sediciosos de Herodes, o Grande, até as hecatombes do cerco de Jerusalém, em que os romanos chegaram a crucificar 500 judeus por dia, segundo o testemunho de Flávio José, historiador de raça judaica (…)

Em tempo de paz, era primordialmente o suplicio dos escravos. (…)

No começo, a cruz estava reservada às revoltas coletivas, como a de Spartacus, da qual sabemos que, após sua repressão, 6,000 cruzes balizaram a estrada de Cápua a Roma. Mais tarde, porém, os proprietários receberam o direito de vida e morte, sem apelação, sobre seus escravos, considerados animais. A costumeira ordem de morte era “fone crucem servo-Impõe a cruz ao escravo”.

B) INSTRUMENTOS DA CRUCIFIXÃO

Geralmente a cruz regulamentar, se é que assim se pode falar, era formada por duas peças distintas.(…) Uma das peças, a vertical, enterrada permanentemente como um poste fixo, era o “stipes crucis -tronco da cruz”; a outra, móvel e que se fixava horizontalmente sobre a primeira, se chamava o “patibulum”.

1°) Stipes crucis- Digamo-lo em português: o tronco da cruz, porque “stipes” quer dizer tronco de árvore, estaca e ainda estaca pontiaguda. (…) “Crux (cruz) em latim, como “stauros” em grego, não é outra coisa senão uma estaca fixada verticalmente no chão. (…)

O significado da palavra “crux” estendeu-se, em seguida, ao conjunto dos dois paus ajustados um ao outro, tal como o concebemos hoje em dia, com a forma +.

(…)

Não devemos, nestas pesquisas sobre um suplício que era quotidiano, esquecer a noção de comodidade, já aperfeiçoada por não pequeno uso. E, por tanto, conveniente que nos coloquemos sempre na situação de um carrasco da época.

2°) Patibulum-Furca – (…) Mas, como nem sempre se tinha à mão uma “furca”, passou-se usar um pedaço de pau comprido que servia para trancar as portas e que se chamava “patibulum”  (…) Carregava-a, geralmente, sobre a nuca, tendo os dois membros superiores estendidos e amarrados sobre ela de modo que ficasse, desta forma, também impedido de atacar a quem quer que fosse.

(…)

3°) Conjunção dos dois pausFicavam, ordinariamente, os dois paus separados; (…) A priori, podia-se fazer de duas maneiras: ou inserindo-o em uma das faces da estaca ou apoiando-o sobre a extremidade dessa mesma estaca; fazia-se uma cruz (†) ou um T, o Tau maiúsculo do alfabeto grego.

(…) Quase todos os arqueólogos modernos pensam que a cruz romana era em T.

(…)

4°) Sedile – E possível que, em certos casos, se fixasse à parte anterior do “stipes”, em sua parte média, uma espécie de tolete horizontal, de madeira que passasse entre as coxas e sustentasse o períneo.

(…)

Ao estudar as causas da morte na crucifixão, veremos que este apoio era destinado a prolongar consideravelmente a agonia por diminuir a tração sobre as mãos, causa de tetania e asfixia.

(…)

5°)  Suppedanaeum – (…) fazendo os pés de Jesus repousar sobre um consolo horizontal ou oblíquo, sobre o qual estão pregados.”

BARBET, Pierre. A Paixão de Cristo, segundo o cirurgião. São Paulo: Edições Loyola, 2014, pág. 52-55.

 

Formação das Impressões no Sudário

“1°) Impressões sanguíneas- (…) Os vestígios sanguíneos da Mortalha não são, como as impressões corporais, imagens gráficas. (…) As impressões sanguíneas não são imagens, são decalques; foram formadas com sangue.

(…) Não! um coágulo formado sobre a pele nela se gruda e a mesmo seca.

(…) um coágulo nunca se forma dentro do corpo ou com mais exatidão, nas veias onde o sangue fica sempre líquido.

(…) O sangue (…) continua líquido nos cadáveres, onde fica alojado nas veias por ocasião da morte, as artérias, pelas últimas contrações dos ventrículos e própria elasticidade, vertem-se nos capilares e veias. Nas veias fica líquido por muito tempo, praticamente até a putrefação. E mesmo ali continua vivo durante algumas horas e suscetível de ser transfundido em um homem vivo.

Quando o sangue sai das veias por um ferimento e é recolhido em algum recipiente, pode-se ver como rapidamente se coagula, isto é, se condensa em uma espécie de geleia vermelha que se chama coágulo ou grumo. Este coágulo forma-se pela transformação do fibrinogênio, uma substância dissolvida no sangue, em outra substância sólida, a fibrina, que encerra em suas malhas os glóbulos sanguíneos. (…)A coagulação se produz em tempo muito curto, que não passa de poucos minutos. Depois, o coágulo se retrai e exsuda sua parte líquida, o sérum ou soro. Em seguida, pouco a pouco vai secando.

(…)

Que tenham sido produzidas por sangue líquido, parece muito pouco provável, com talvez uma única exceção: as hemorragias das chagas dos pés, durante o transporte e na estada no túmulo, que escorreram em direção aos calcanhares.

(…)

Alguns coágulos deveriam estar ainda bastante frescos para se conservarem úmidos. Será talvez o caso do grande coágulo anterior da chaga do coração, por causa de sua espessura. (…) A maior parte deste sangue saído pela chaga aberta deve ter caído ao chão, pelo caminho. Só a pequena parte que pôde atingir a pele por entre as pregas daquele pano torcido, e aí aderir por efeito de sua viscosidade, nela coagulou-se em sinuosidades múltiplas, característica do fluxo dorsal. Todos esses coágulos estavam, evidentemente, frescos quando depositaram o corpo sobre a Mortalha; de modo que foram decalcados muito facilmente, com abundância de soro em volta dos decalques.

(…) Convém ainda não perder de vista que o cadáver continuou a exsudar vapor de água por muito tempo. Com frequência se esquece que todas as células do cadáver continuam a viver por conta própria, tanto as da pele como todas as outras, e morrem individualmente, após intervalos diferentes. Se as células nobres, as células nervosas, são as mais frágeis, as outras sobrevivem bastante tempo; a morte total não começa a não ser com a putrefação.*

*Nota Pessoal: Processo de desencarne (cruzar com Ramatís e Kardec)

(…)

“Sobre a Mortalha não há sangue que tenha escorrido; só há coágulos decalcados, que representam a parte do sangue que se coagulou sobre a pele, ao escorrer sobre ela.”

(…) Quando se decalca um coágulo sobre um pano, e, em seguida, se descola, somente uma parte do coágulo permanece fixada sobre o pano, a outra fica sobre o suporte. Haverá, portanto, necessariamente furos e falhas nas imagens dos coágulos sobre o pano. Ora, os que ficaram no Santo Sudário estão perfeitamente intactos, inteiros, reproduzindo a familiar imagem de um coágulo normal.

(…)

Quando imprimi a 1ª edição de “Les Cinq Plaies”, fui à Escola Prática levá-la a meu velho amigo, professor Hovelacque, para que a lesse. Era ele um verdadeiro apaixonado pela anatomia, que ensinava na Faculdade de Paris, mas estava longe de ser um crente. Aprovou com crescente entusiasmo minhas experiências e conclusões. Quando acabou de ler, depositou o opúsculo e, meditando, ficou em silêncio por alguns momentos. Depois, explodindo de repente, com aquela bela franqueza que consolidara nossa amizade, exclamou: “Mas, então, meu velho?… Jesus Cristo ressuscitou!” Raramente em minha vida tive emoções tão profundas e tão doces como a provocada por essa reação de um incrédulo perante um trabalho puramente científico, do qual tirava ele mesmo as incalculáveis consequências.(…)

2°) Impressões corporais- (…) Esta pintura poderia ter sido feita o mais tardar no século XIV, quando reapareceu o Santo Sudário em Lirey. Será necessário repetir mais uma vez todas as impossibilidades que suscita tal hipótese? Esta pintura contém uma imagem negativa, concepção inimaginável até a relativamente recente descoberta da fotografia. (…) suas cópias que, de resto, têm grande semelhança com o original, apresentam em suas chapas fotográficas imagens positivas muito diferentes das do Sudário. Deve-se isto ao fato de que os claros-escuros do Sudário, constituídos negativamente, são de uma perfeição absoluta; e assim pintor algum consegue executá-la como o faz a natureza ou a objetiva fotográfica.”

BARBET, Pierre. A Paixão de Cristo, segundo o cirurgião. São Paulo: Edições Loyola, 2014, pág. 37-45.

 

 

Fotografias do Santo Sudário

“1°) Técnica – (…) Acrescentemos que, como era natural, estas fotografias não receberam retoque algum nem sofreram outro tratamento que o da revelação comum. Sem falar da consciência escrupulosa de meu amigo Enrie, o fato foi atestado, perante tabelião, por uma comissão de peritos em fotografia. (…)

2º) Resultados – (…) na chapa fotográfica, tudo que é imagem do corpo é nitidamente positivo, como costuma ficar a reprodução fotográfica comum sobre papel de cópia, quando se fotografou uma pessoa. Aqui se dá o contrário, já na própria chapa aparece o positivo, ao passo que a reprodução sobre papel de cópia é que nos fornecerá a imagem negativa (…) Logo, o corpo impresso no Santo Sudário é um negativo e tem todas as características de uma chapa fotográfica comum; todos os valores estão ali invertidos: o negro aparece branco, e o branco, negro. A única diferença é que o Sudário, imagem negativa, não apresenta sombra alguma projetada, como sempre se encontra em objetos normalmente fotografados.

(…)

(…) as impressões corporais são resultado de processo que, se for natural, como o julgamos, tem semelhança com o fenômeno fotográfico. As imagens sanguíneas, pelo contrário, foram feitas por contato direto, são decalques de coágulos, mas a isso ainda voltaremos.

3°) Conclusões- (Giuseppe Enrie)

a) A exatidão dos valores negativos da impressão é absoluta; as características desta imagem singular, que não foi feita por mão de homem, são exatas em todos os pontos, menos nas manchas de sangue.

b) A imagem está isenta do menor vestígio de tinta, de traços de pincel ou outros artifícios de desenhista ou de falsário.

c) O claro-escuro, distribuído em todas as partes, não tem traços nem pontilhados, mas sim esmaecimentos especiais e gradações insensíveis, que lembram os processos fotográficos.

d) As manchas de sangue, que são positivas sobre a imagem negativa do Redentor, estão, pelo contrário, nitidamente desenhadas e apresentam as características de impressão formadas por contato: oferecem por isso, em sua estrutura, irregularidades que evocam perfeitamente a natureza.

f) As partes correspondentes às sombras estão absolutamente isentas de impressão, porque deixam ver a tela intacta.

(…)

Não quero insistir sobre esta última conclusão. Peço ao leitor que contemple as imagens muito mais eloquentes do que a minha pena. Nesse rosto nitidamente semita, encontra-se, apesar das torturas e das chagas, uma tão serena majestade que dele ressalta uma impressão inexprimível.”

BARBET, Pierre. A Paixão de Cristo, segundo o cirurgião. São Paulo: Edições Loyola, 2014, pág. 34-37.

 

 

Descrição Geral do Tecido do Santo Sudário

“1°) O tecido- O Sudário é uma peça de linho de 1,10 m de largura por 4,36 m de comprimento.

(…)

Pode-se estudar à vontade a estrutura desse tecido, graças às fotografias em ampliação direta de Enrie, que fornecem uma superfície 7 vezes maior. Pode-se examinar em todos os seus detalhes, melhor do que sob a lupa; é o que têm feito peritos competentes na França e na Itália. Tem resultado, dessas perícias, que se trata de linho urdido em espinha de peixe”. A confecção de sua contextura: “3 liga 2”, necessita um tear de 4 pedais. Comporta, segundo Timossi, especialista de Turim, 40 fios por centímetro para a trama e 25 batiduras por centímetro. É uma tela de linho puro, cerrada e opaca, executada com fio grosseiro e de fibra crua. Isto é muito interessante, porque o exame fotográfico do tecido demonstrou que todas as imagens do Santo Sudário resultam de simples impregnação dos fios; impregnação esta que foi facilitada pela característica propriedade do linho de ser excelente absorvente.

(…)

Um tecido desta espécie está perfeitamente em seu lugar no tempo de Jesus. Tecidos análogos foram encontrados em Palmira e em Doura Europos. Parece mesmo que o lugar destas teceduras era a Mesopotâmia e, em particular, a Síria. Devia, portanto, ser encontradiço no comércio de Jerusalém no ano 30. Foram encontradas, em Antinoé peças de linho da mesma largura e sensivelmente mais compridas.

2º) As partes queimadas- (…) Estas partes queimadas estão circundadas por uma coloração ruiva, como a do traço de um ferro demasiadamente quente. Tinham elas estragado uma parte da tela em seu centro, partes estas que foram substituídas por peças novas: trabalho das Clarissas de Chambéry A água empregada para apagar o incêndio se espalhou pelo tecido, ocasionando um círculo carbonizado e produzindo largas zonas delimitadas, também elas em série simétrica, porém mediana.

(…)

3°) As dobras – (…) pode-se também ficar desconcertado, inicialmente, por certo número de traços transversais (negros sobre o positivo, porém brancos sobre os fac-símiles da chapa) que riscam as imagens. São simplesmente o resultado das dobras do tecido que se não conseguiu desfazer completamente, ao estendê-lo em sua moldura leve.

4°) As impressões do corpo – Na parte mediana da Mortalha podem-se notar perfeitamente dois corpos impressos, opostos pela cabeça, que, no entanto, não se tocam. Enquanto o primeiro retrata a imagem anterior de um corpo humano, reproduz o outro a imagem posterior. Na suposição de imagem produzida por um cadáver, a explicação é muito simples. O corpo foi deitado de costas sobre uma das metades do comprimento da mortalha, que foi, em seguida, dobrada por cima da cabeça sobre a face anterior do cadáver, até os pés. A miniatura de G. B. della Rovere (séc. XVIII) (fig. 1) representa perfeitamente esta manobra. (…) tendo o corpo impresso sua imagem sobre a Mortalha, deve esta estar invertida nas duas impressões.

Figura: 1 (Fonte da imagem: ofielcatólico.com.br)

(…) se olharmos um homem de pé, face a face, seu lado direito estará à nossa esquerda e vice-versa. (…)  A coloração sépia destas impressões é devida, já o dissemos, ao escurecimento individual de cada fio.

O conjunto revela uma anatomia perfeitamente proporcionada, elegante e robusta, de um homem que mede cerca de 1,80 m.

(…)

O que também chama a atenção no conjunto destas impressões corporais é sua surpreendente expressão de relevo. Não há um traço, um contorno, nem uma sombra sequer, e, no entanto, as formas surgem de modo estranho no fundo.

(…)

5°) As impressões sanguíneas – Estão espalhadas por todas as partes, a merecerem minuciosa análise: chagas da flagelação, da coroação de espinhos, de todas as sevícias do processo, do transporte da cruz, da crucifixão e até finalmente o ferimento produzido pela lança sobre o cadáver, que, em duas etapas sucessivas, lhe esvazia velas de todo sangue.

Todas estas impressões sanguíneas têm coloração muito especial, que sobressai sobre a sépia das do corpo. São carmíneas, tendendo um pouco para o violeta pálido, segundo Vignon.

(…)

Outra particularidade importante: enquanto sobre a impressão do corpo tudo está em claro-escuro, em gradação insensível, bordos imperceptíveis, os decalques sanguíneos têm limites muito mais precisos e parecem mesmo muito nítidos nas fotografias reduzidas. (…) são vistos, às vezes, envolvidos por uma auréola muito mais pálida por uma espécie de halo. Isto é devido, como o veremos, ao soro que transuda de um coágulo ainda fresco formado sobre a pele.

(…)

(…) O que imediatamente impressiona um cirurgião e que, em seguida, se confirma por estudo mais atento do inconfundível aspecto formados sobre uma pele (…)

(…)

O próprio sangue tingira o tecido por contato direto: e eis a razão pela qual as imagens das chagas são positivas enquanto todo o resto é negativo.”

BARBET, Pierre. A Paixão de Cristo, segundo o cirurgião. São Paulo: Edições Loyola, 2014, pág. 29-33.

 

O Santo Sudário e os Papas

“Leão XIII manifestou sua alegria e emoção ao ver a primeira fotografia do Sudário em 1898.

(…)

(…) Padre Jerphanion, (…) Deliberadamente evitamos nos deter (o grifo é nosso) sobre toda uma série de arrazoados pelos quais se nos mostra como, no Sudário, impressões e traços de todas as espécies correspondem às menores circunstâncias da Paixão e do Sepultamento de Cristo. Tal ceticismo apriorístico é cientificamente injustificável e não pode ser senão esterilizante.

É a posição precisamente oposta que me parece ser verdadeiramente digna de um sábio, seja qual for sua especialidade. As relíquias não provam sua autenticidade a não ser por documentos, atestados solenes, denominados “autênticas”, que as acompanham. Sem tais documentos, não têm elas valor algum real. Gostaria de saber quantas destas relíquias têm autênticas que remontem até suas origens. Precisamente ao contrário, há no mundo uma só que todo seu valor, ainda que não tivesse base histórica alguma, porque as provas de de sua autenticidade são intrínsecas. E dentro de si mesma que estão suas autênticas. Esta relíquia é o Santo Sudário. Detenhamo-nos, pois, sobre as impressões e vestígios que encerra.”

BARBET, Pierre. A Paixão de Cristo, segundo o cirurgião. São Paulo: Edições Loyola, 2014, pág. 28-29.

 

O Santo Sudário

“Artista algum teria jamais podido imaginar todas as minúcias dessas imagens, das quais cada uma reflete um detalhe daquilo que sabemos hoje sobre a coagulação do sangue, mas que se ignorava no século XIV. Mesmo hoje, nenhum de nós seria capaz de executar tais imagens sem cometer algum engano.

Foi este conjunto homogêneo de verificações, sem um único deslize, que me decidiu, de acordo com o cálculo das probabilidades, declarar que, sob o ponto de vista anátomo-fisiológico, a autenticidade do Santo Sudário é uma verdade científica.

A História

(…)

Que destino lhe deram os apóstolos? Apesar da natural repugnância própria a judeus, para os quais tudo o que toca a morte é impuro, sobretudo um pano manchado de sangue, é impossível admitir que não tivessem recolhido com todo cuidado esta relíquia da Paixão do Homem-Deus. É necessário admitir também que a esconderam cuidadosamente. Deviam protegê-la da destruição por parte dos seguidores da jovem Igreja. (…) não se podia pensar em propô-la à veneração dos novos cristãos, ainda imbuídos do horror dos antigos pela infâmia da cruz. (…)  só nos séculos V e VI é que veremos os primeiros crucifixos que, resto, aparecem ainda um tanto disfarçados. Só nos séculos VII e VIII é que ele se espalham um pouco. Não será senão no século XIII que se difundirá a devoção à Paixão de Cristo.”

BARBET, Pierre. A Paixão de Cristo, segundo o cirurgião. São Paulo: Edições Loyola, 2014, pág. 19-21.

 

Prefácio

“(…) reunisse em um livro o resultado de minhas experiências anatômicas, pesquisas arqueológicas e escriturísticas, bem como de minhas meditações e reflexões sobre a Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo.

E este, com efeito, um assunto que há mais de vinte anos não me tem deixado o pensamento, indo às vezes até a obsessão.”

BARBET, Pierre. A Paixão de Cristo, segundo o cirurgião. São Paulo: Edições Loyola, 2014, pág. 11.

 

Sepultamento

“Releiamos, pois, nossa sinopse: estamos no Gólgota à nona hora, isto é, cerca das 3 horas da tarde, do dia 13 do mês de Nisan, provavelmente do ano 30 d.C.

Jesus inclinou a cabeça, na linha mediana, sobre o peito, no me mento escolhido por ele e entregou sua alma humana ao Pai, “et inclinato capite emisit spiritum“. Ora, o sábado começaria por volta das 6 horas, à primeira estrela, quando não mais se pudesse distinguir fio branco de um fio negro. E quantas coisas será preciso fazer nessas três horas! Os judeus, então (diz são João), como era a Preparação (véspera da Páscoa), para que os corpos não ficassem na cruz durante o sábado, pois era um grande dia de sábado, pediram a Pilatos que quebrassem as pernas um aos crucificados e que os retirassem dali.” (…) há 600 m do Calvário ao pretório, em ruas acidentadas, e que as idas e vindas vão ser muitas. Pilatos não estará certamente de muito bom humor para se apressar em receber esses judeus, que conseguiram arrancar-lhe pelo medo, uma condenação injusta; deve tê-los feito esperar. Entre tanto, concordou em enviar soldados munidos das barras de ferro necessárias. (…) O costume romano era deixar os condenados na cruz até a morte e lançá-los, em seguida, à vala comum, mas, por outro lado, a orientação de Roma era a de se adaptar aos costumes nacionais. Os soldados vieram pois (do pretório) e quebraram as pernas ao primeiro e ao outro que tinham sido crucificados com ele. Esse “crurifragium” os impede de se soerguer, apoiando-se nas pernas, para dessa forma diminuir a tração sobre as mãos. (…) que isto não passava de gesto regulamentar, indispensável para a entrega do corpo à família, que já dera os primeiros passos para requerê- lo.

(…)

Antes de continuar o estudo de nossos textos, seria oportuno procurar saber como os judeus sepultavam seus mortos. A primeira certeza que temos é que isto nada tinha de comum com o embalsama mento dos egípcios. Em toda a Bíblia, só encontramos duas mumificações: a de Jacó e a de José, mas isto mesmo no Egito, por quase egípcios. Jamais, em outra parte, se fala de tiras nem evisceração nem de natro (= carbonato de sódio). Nas catacumbas judaicas, as múmias são raríssimas (duas ao todo). Trata-se provavelmente de judeus da diáspora egípcia. Todos os outros corpos estão vestidos, como vamos ver Maimônide, médico judeu de Córdoba, do século XII, escreve: Depois de fechados os olhos e a boca do defunto, lavava-se o corpo, ungia-se com essências perfumadas e, em seguida, se enrolava em um tecido branco, no qual se encerravam ao mesmo tempo os aromas“.

(…)

Do ponto de vista histórico, parece tudo esclarecido: em uma primeira fase, envolviam o corpo na mortalha e depois o preparavam para a sepultura. Consistia isto em lavá-lo com água quente, seguida unção com essências perfumadas, como o bálsamo de nardo precioso de Maria Madalena na refeição de Betânia, ou os aromas que por levava para o túmulo, no dia da Ressurreição. Esta unção era feita por fricção. O verbo “aleiphein” empregado por Marcos (16,1) neste último episódio indica uma fricção com bálsamo ou óleo; é a mesma palavra que se emprega para a unção dos lutadores, antes das provas de estádio; não se trata de simples aspersão.

Vestido o cadáver, era levado ao sepulcro. Era este, às vezes, um buraco cavado na rocha (Lázaro, talvez), onde se descia por meio de degraus e que se cobria com uma laje. Quase sempre é uma caverna cavada pela mão do homem, compreendendo uma antecâmara e uma cela posterior onde, sobre um banco rochoso, se depositava o cadáver. pedra de disco, rolando em um canal, lhe obstruía a entrada. (…) Exigia o uso visitas ao defunto, pelo menos durante três dias (tinham os judeus muito medo da morte aparente). Foi assim que pôde Marta dizer a Jesus, com conhecimento de causa, a respeito de Lázaro, seu irmão: “Já cheira mal, pois já está ali há quatro dias“.

Voltemos agora a nossos textos e notemos, de início, que para Sinóticos nem em São João. E que o tempo urgia, além de não haver este primeiro sepultamento não há nem loção nem unção, nem nos nem água quente nem bálsamos para a unção.

(…)

A finalidade de João, nesta perícope, é provar a ressurreição de Jesus, dogma fundamental de toda a religião, elemento primordial da pregação apostólica. Ora, a presença da Mortalha no túmulo vazio parece dever fornecer uma prova irrefutável. (Se tivessem furtado o corpo, não teriam deixado a Mortalha, que seria o meio mais prático de o carregar.)

(…)

Podemos, portanto, concluir, após este árido e apaixonante estudo, que os quatro Evangelhos, ao se completarem mutuamente, estão em perfeito acordo. Jesus, por falta de tempo, foi colocado no sepulcro, na tarde de sexta-feira, após uma simples preparação para o sepultamento, apenas destinada a retardar a corrupção. Os discípulos, sem loção nem unção, encerraram seu corpo em u’a mortalha revesti da de panos impregnados de grande quantidade de mirra e de aloés. A preparação definitiva para a sepultura, que consistia em lavar o corpo e ungi-lo com aromas completamente diferentes, deveria ser feita pelas santas mulheres no domingo de manhã. No túmulo vazio, Pedro e João encontram os panos e a mortalha dobrada à parte.”

BARBET, Pierre. A Paixão de Cristo, segundo o cirurgião. São Paulo: Edições Loyola, 2014, pág. 164-180.