Sepultamento

“Releiamos, pois, nossa sinopse: estamos no Gólgota à nona hora, isto é, cerca das 3 horas da tarde, do dia 13 do mês de Nisan, provavelmente do ano 30 d.C.

Jesus inclinou a cabeça, na linha mediana, sobre o peito, no me mento escolhido por ele e entregou sua alma humana ao Pai, “et inclinato capite emisit spiritum“. Ora, o sábado começaria por volta das 6 horas, à primeira estrela, quando não mais se pudesse distinguir fio branco de um fio negro. E quantas coisas será preciso fazer nessas três horas! Os judeus, então (diz são João), como era a Preparação (véspera da Páscoa), para que os corpos não ficassem na cruz durante o sábado, pois era um grande dia de sábado, pediram a Pilatos que quebrassem as pernas um aos crucificados e que os retirassem dali.” (…) há 600 m do Calvário ao pretório, em ruas acidentadas, e que as idas e vindas vão ser muitas. Pilatos não estará certamente de muito bom humor para se apressar em receber esses judeus, que conseguiram arrancar-lhe pelo medo, uma condenação injusta; deve tê-los feito esperar. Entre tanto, concordou em enviar soldados munidos das barras de ferro necessárias. (…) O costume romano era deixar os condenados na cruz até a morte e lançá-los, em seguida, à vala comum, mas, por outro lado, a orientação de Roma era a de se adaptar aos costumes nacionais. Os soldados vieram pois (do pretório) e quebraram as pernas ao primeiro e ao outro que tinham sido crucificados com ele. Esse “crurifragium” os impede de se soerguer, apoiando-se nas pernas, para dessa forma diminuir a tração sobre as mãos. (…) que isto não passava de gesto regulamentar, indispensável para a entrega do corpo à família, que já dera os primeiros passos para requerê- lo.

(…)

Antes de continuar o estudo de nossos textos, seria oportuno procurar saber como os judeus sepultavam seus mortos. A primeira certeza que temos é que isto nada tinha de comum com o embalsama mento dos egípcios. Em toda a Bíblia, só encontramos duas mumificações: a de Jacó e a de José, mas isto mesmo no Egito, por quase egípcios. Jamais, em outra parte, se fala de tiras nem evisceração nem de natro (= carbonato de sódio). Nas catacumbas judaicas, as múmias são raríssimas (duas ao todo). Trata-se provavelmente de judeus da diáspora egípcia. Todos os outros corpos estão vestidos, como vamos ver Maimônide, médico judeu de Córdoba, do século XII, escreve: Depois de fechados os olhos e a boca do defunto, lavava-se o corpo, ungia-se com essências perfumadas e, em seguida, se enrolava em um tecido branco, no qual se encerravam ao mesmo tempo os aromas“.

(…)

Do ponto de vista histórico, parece tudo esclarecido: em uma primeira fase, envolviam o corpo na mortalha e depois o preparavam para a sepultura. Consistia isto em lavá-lo com água quente, seguida unção com essências perfumadas, como o bálsamo de nardo precioso de Maria Madalena na refeição de Betânia, ou os aromas que por levava para o túmulo, no dia da Ressurreição. Esta unção era feita por fricção. O verbo “aleiphein” empregado por Marcos (16,1) neste último episódio indica uma fricção com bálsamo ou óleo; é a mesma palavra que se emprega para a unção dos lutadores, antes das provas de estádio; não se trata de simples aspersão.

Vestido o cadáver, era levado ao sepulcro. Era este, às vezes, um buraco cavado na rocha (Lázaro, talvez), onde se descia por meio de degraus e que se cobria com uma laje. Quase sempre é uma caverna cavada pela mão do homem, compreendendo uma antecâmara e uma cela posterior onde, sobre um banco rochoso, se depositava o cadáver. pedra de disco, rolando em um canal, lhe obstruía a entrada. (…) Exigia o uso visitas ao defunto, pelo menos durante três dias (tinham os judeus muito medo da morte aparente). Foi assim que pôde Marta dizer a Jesus, com conhecimento de causa, a respeito de Lázaro, seu irmão: “Já cheira mal, pois já está ali há quatro dias“.

Voltemos agora a nossos textos e notemos, de início, que para Sinóticos nem em São João. E que o tempo urgia, além de não haver este primeiro sepultamento não há nem loção nem unção, nem nos nem água quente nem bálsamos para a unção.

(…)

A finalidade de João, nesta perícope, é provar a ressurreição de Jesus, dogma fundamental de toda a religião, elemento primordial da pregação apostólica. Ora, a presença da Mortalha no túmulo vazio parece dever fornecer uma prova irrefutável. (Se tivessem furtado o corpo, não teriam deixado a Mortalha, que seria o meio mais prático de o carregar.)

(…)

Podemos, portanto, concluir, após este árido e apaixonante estudo, que os quatro Evangelhos, ao se completarem mutuamente, estão em perfeito acordo. Jesus, por falta de tempo, foi colocado no sepulcro, na tarde de sexta-feira, após uma simples preparação para o sepultamento, apenas destinada a retardar a corrupção. Os discípulos, sem loção nem unção, encerraram seu corpo em u’a mortalha revesti da de panos impregnados de grande quantidade de mirra e de aloés. A preparação definitiva para a sepultura, que consistia em lavar o corpo e ungi-lo com aromas completamente diferentes, deveria ser feita pelas santas mulheres no domingo de manhã. No túmulo vazio, Pedro e João encontram os panos e a mortalha dobrada à parte.”

BARBET, Pierre. A Paixão de Cristo, segundo o cirurgião. São Paulo: Edições Loyola, 2014, pág. 164-180.

 

Publicado por

Juliano Pozati

Strengths coach, Escritor, Espiritualista e empreendedor. Membro do Conselho do The Institute for Exoconsciousness (EUA). Meio hippie, meio bruxo, meio doido. Pai do Lorenzo e fundador do Círculo. Bacharel em Marketing, expert em estratégia militar, licenciando em filosofia. Empreendedor inquieto pela própria natureza. Seu fluxo é a realização!

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